Eric V

2664 Words
Jamais imaginei que ficaria tão nervoso e ansioso com um jantar informal na casa dos meus tios como estou agora. Isso tudo porque hoje não é uma simples reunião com os amigos dos meus pais como muitas outras. Hoje tio Logan vai nos apresentar a filha de quem tanto fala e por alguma razão quero que ela goste de mim. Pelo que entendi, esse jantar de apresentação tem como finalidade quebrar o gelo e fazer a garota e eu nos conhecermos um pouco para que assim eu a ajude em sua adaptação para North High. É inevitável pensar em como deve estar sendo difícil para ela ter que mudar de escola assim no meio do ano letivo, ter que deixar amigos e toda a vida que tinha antes para trás. E em meio a tudo isso ainda ter que lidar com a morte da mãe. _ Vamos, Eric! - O grito do meu pai a me chamar me desperta dos meus pensamentos. _ Já vou! - Grito de volta enquanto tomo cuidado para pingar apenas poucas gotas de perfume e pescoço. Não posso colocar muito e correr o risco de ter uma crise de asma no meio do jantar e estragar tudo por causa do cheiro da fragrância. Tomo cuidado também de pegar o meu inalador e o colocar no bolso da frente da calça onde é fácil alcançar caso necessário. Odeio pensar nessa possibilidade, mas infelizmente essa é a minha realidade. Posso morrer se tiver uma crise de asma sem ter o meu inalador e ninguém para me ajudar por perto. Quando tenho certeza de que está tudo em ordem saio do meu quarto deixando a porta apenas encostada e desço para encontrar com os meus pais no pequeno hall de entrada. _ Pensei que estivesse mudando de pele. - Mamãe fala agitada. É bom saber que não sou o único nervoso com a situação. - Toma. - Me entrega uma sacola bege com um laço azul enfeitando o topo. _ O que é isso? - Pergunto tentando espiar o que tem dentro sem estragar o embrulho. _ Um presente de boas-vindas para a filha do seu tio. - Ela responde como se fosse óbvio. - Não se pode chegar a um jantar desses de mãos abanando. É falta de educação. _ Relaxa, Lina. - Papai pede e parece ser o mais tranquilo dos três. - É só um jantar na casa dos nossos amigos. E pensei que a torta de maçã e o sorvete de creme fossem justamente para mostrar que somos educados e desejar boas-vindas a menina. - Fala indicando a travessa com a torta e a sacola com sorvete em suas mãos. _ São coisas diferentes. - Fala revirando os olhos enquanto troco um olhar confuso com meu pai. - A torta é a sobremesa não um presente. Agora parem com essa conversa fiada e vamos logo. Não quero me atrasar. _ A senhora fala como se a casa dos tios ficasse do outro lado da cidade e não aqui do lado. - Brinco saindo de casa primeiro e sendo seguido por eles. _ Não gosto nem de pensar nessa possibilidade, filho. - Meu pai embarca na brincadeira fingindo um arrepio na espinha. _ Vocês dois são muito engraçadinhos. - Reclama, mas posso ver que está lutando contra o riso enquanto tranca a nossa porta da frente. Seguimos com a brincadeira enquanto cruzamos o gramado dos nossos vizinhos, mas o clima descontraído se encerra quando subimos os degraus da varanda e mamãe toca a campainha. Meus tios abrem a porta e tem uma breve sessão de cumprimentos no hall da entrada e depois passamos para a sala de estar e TV onde uma garota ruiva usando uma tala na perna direita acomodada sobre duas almofadas está sentada no sofá de dois lugares com uma cara nada amigável, mas o que me chama a atenção são seus olhos azuis carregados de um misto de tristeza e, talvez, raiva. Não tem nenhum sinal de Andy e acredito que ele esteja no banho. O pequeno sempre enrola e perde a noção do tempo quando está na banheira. _ Gente, essa é a Mia. - Tia Chloe a apresenta com um largo sorriso. - Mia, esses são Lina e Kevin. Eles são grande amigos nossos. _ É um prazer, Mia. - Mamãe fala a cumprimentando com um beijo no rosto. _ Seja bem-vinda. - Papai lhe oferece a mão para um aperto que não é nada animado ou caloroso da sua parte. _ E esse aqui é o Eric, filho deles. - Tia fala passando o braço sobre meus ombros em um meio abraço. - Vocês vão estudar juntos. _ Oi. - Saúdo com um breve aceno que ela devolve antes de se concentrar em remexer na barra da camiseta. _ O que vocês tem aí? - Tio Logan questiona tentando manter um clima agradável. _ Torta de maçã e sorvete para a sobremesa. - Papai responde indicando a travessa com os olhos e erguendo brevemente a sacola com o pote de sorvetes. _ Deve estar uma delícia. - Ele comenta com um meio sorriso. - Vamos guardar essa torta no forno e o sorvete no freezer. - Chama indicando o caminho para a cozinha com um movimento de cabeça e sei que no fundo só quer se afastar um pouco para conversar com meu pai com mais privacidade. _ Também trouxemos um presente para você, Mia. - Mamãe fala e só então me dou conta que ainda estou segurando a sacola bege. - Isso é apenas uma lembrancinha de boas-vindas. Estendo o embrulho para Mia, que pega um tanto receosa. Ela o abre sem qualquer entusiasmo e revela uma blusa de mangas compridas listrada em amarelo escuro e branco. Depois de um rápido agradecimento todos ficamos em silêncio sem saber o que falar agora. Por sorte somos salvo por Andy que invade a sala e depois de trocarmos o nosso toque elaborado ele senta ao lado da irmã sem dar a mínima para o seu espaço ou a seu distanciamento. Não demoramos muito a ir para a mesa porque Mia precisa comer cedo por causa dos remédios para dor e antiinflamatórios que ainda está tomando. Durante todo o jantar ela pouco interagiu. Apenas respondia quando meus pais perguntavam algo. Nem mesmo as brincadeiras de Andy a fizeram sorrir e baixar a guarda. Não posso negar que começo a achá-la irritante. Mas procuro não julga-la. Quando terminamos de comer a sobremesa os adultos nos mandam para a sala enquanto cuidam da louça suja e sei que é uma de suas tentativas de, quem sabe, fazer Mia se soltar e conversar um pouco. _ O que fazemos agora? - Pergunto sentando no sofá grande enquanto Mia escolhe ficar no sofá pequeno. _ Podemos jogar videogame ou assistir um filme. - Andy sugere sentando ao meu lado. _ Por mim pode ser. - Digo dando de ombros. _ E você, Mia? - Pergunta querendo a opinião da irmã. _ Podem fazer o que quiserem. - Responde com frieza enquanto usa suas muletas como apoio e se ergue. - Eu vou subir. _ Já está indo dormir, filha? - Tio Logan pergunta quando volta para a sala junto com todos. _ Sim. - Responde ficando de frente para ele. - Estou cansada e quero deitar um pouco. - Fala sem olhar diretamente em seus olhos e acho estranho. - Posso? _ Claro que pode. - Diz fazendo menção de fazer carinho no seu rosto, mas ela se afasta e a sua mão fica suspensa no ar. - Vou te ajudar a subir. _ Não precisa. Consigo subir sozinha. - Fala se afastando do grupo sem ao menos se dar ao trabalho de se despedir. _ Essa é a nossa deixa, querida. - Papai fala envolvendo minha mãe pela cintura. - Amanhã toda precisamos levantar cedo. _ Mas a gente ia jogar, tio. - Andy protesta com os ombros caídos. _ Prometo que podem jogar um outro dia. - Tia Chloe fala e confirmo com um movimento de cabeça. - Mas agora é hora de ir para a cama. - Diz fazendo cócegas no pequeno que se contorce em meio a uma gostosa gargalhada. Nos despedimos com um rápido abraço. Quando atravessamos novamente o gramado em direção a nossa casa meus pais permanecem calados. Não há nenhum comentário sobre o jantar ou sobre o que acharam de Mia. Assim que entramos em casa meus pais seguem juntos para seu quarto e sigo para o meu. Visto uma roupa confortável para dormir, mas sento em minha escrivaninha para desenhar um pouco ao invés de me deitar. Pego um de meus esboços pela metade do Empire State e começo a finalizá-lo. Já passa das duas da manhã quando estou satisfeito com o resultado e vou dormir. Lógico que quando o despertador toca quatro horas depois estou morto de cansaço e me arrasto para fora da cama para me arrumar para ir a escola. Me custa manter os olhos abertos e enquanto desço as escadas para encontrar meus pais e tomar café da manhã juro a mim mesmo que vou regular meu sono e escolher um horário melhor para desenhar. _ Alguém foi dormir tarde. - Papai comenta quando sento na cadeira ao seu lado deixando minhas coisas caídas no chão. _ Não tenho culpa se funciono melhor a noite para desenhar. - Respondo me servindo de um pouco de suco. _ Tudo bem desenhar a noite desde que isso não afete a escola e muito menos a sua saúde. - Mamãe pontua. - E por falar em escola. Precisa se apressar porque hoje quem vai te levar é o seu tio. Assim você e Mia chegam juntos e você pode ajudá-la a encontrar o armário e a sala. - Fala antes de bebericar seu café. Só espero que ela seja mais sociável pela manhã, penso enquanto foco em comer. Termino no exato momento que tio Logan buzina em frente a minha casa para avisar que já estão de partida. Tem todo um processo de checagem para ver se não esqueci nada, em especial o inalador, antes de me despedir dos meus pais e correr para não perder a carona. Durante todo o caminho vou conversando com tio Logan enquanto Mia se mantém calada olhando a cidade pela janela. Talvez esteja nevosa com o primeiro dia de aula ou apenas seja m*l-humorada durante a manhã. É difícil decifrar o que passa na cabeça dela. _ Tenham um bom dia de aula. - Tio Logan deseja quando estaciona em frente a escola. _ Valeu. - Falo enquanto ela salta do carro sem ao menos se despedir do pai ou esperar por ajuda. _ Posso te pedir uma coisa, Eric? - Pergunta quando estamos só nós dois no carro e assinto em resposta. - Cuida da Mia, por favor. Ela tem esse jeito durão, mas ainda está abalada com tudo o que aconteceu nessa última semana. _ Pode deixar, tio. - Garanto antes de saltar do carro e apressar os passos para alcançar Mia. Caminhamos lado a lado em completo silêncio pelos corredores da escola em busca do seu armário e descobrimos que ele fica próximo ao meu e ao dos meus amigos. Guardo a mochila e pego apenas o caderno e o livro da primeira aula enquanto ela tenta se equilibrar nas muletas e abrir o seu armário sem muito sucesso. _ Deixa que eu te ajudo. - Falo estendendo a mão para que ela me entregue o papel com a combinação do seu cadeado. _ Não preciso de ajuda. - Diz tentando abrir o cadeado novamente, mas acaba se desequilibrando. _ Cuidado. - Falo a amparando pela cintura evitando a sua queda. - Deixa de ser teimosa. Precisa abrir o armário e guardar a mochila antes que o sinal toque. - Pego o papel da sua mão aproveitando que estou perto e depois de ajudá-la a ficar sobre as muletas novamente abro o seu cadeado questão de segundos. - Pronto. - Digo dando espaço para que ela guarde suas coisas. - Obrigado, Eric. - Falo olhando para os lados fingindo não falar com ninguém em especial. _ Não vou agradecer por uma ajuda que não pedi. - Diz fechando o armário. - Conseguiria me virar muito bem sozinha. _ Você é uma teimosa. - Falo já impaciente. _ E você é um puxa saco do Logan que só está me ajudando para ficar bem com ele. - Rebate e o que me chama a atenção ela não chama o tio Logan de pai. _ E aí, Eric. - Dylan me cumprimenta com um leve tapa no braço interrompendo a nossa pequena discussão. - E você quem é? - Pergunta com um sorriso de lado, que Mia ignora, quando Jane surge ao lado dela. _ Essa é a Mia. Ela é filha do meu tio Logan e vai estar aqui a partir de hoje. - Respondo cruzando os braços. _ Seja bem-vinda a North High. - Dylan diz beijando a bochecha dela fazendo Jane revirar os olhos. - Eric estava te apresentando a escola? Se quiser posso levar você para conhecer os lugares secretos que os alunos amam usar para se esconder e cabular aula. _ Não preciso saber muito. - Ela o corta. - Só tenho que saber onde fica a sala da professora de história. - Fala se apoiando melhor nas muletas no exato momento que o sinal toca. _ Vamos, Mia. Eu te mostro o caminho. - Jane fala solicita. _ Não quero te atrapalhar. - Ela diz sem graça. Nem parece a teimosa de minutos atrás. _ Não vai atrapalhar. Nós também vamos para lá. - Diz e começamos a caminhar pelo corredor com os outros alunos desviando de nós. - A propósito, me chamo Jane e esse i****a ao lado de Eric é o Dylan. _ Prazer. - Murmura concentrada em se manter de pé. Quando chegamos a sala a maioria das carteiras estão ocupadas, mas nós quatro conseguimos nos sentar em lugares próximos. As garotas engatam uma conversa sobre os assuntos que já estudamos e não posso deixar de notar quem ia parece estar mais a vontade com Jane do que esteve quando éramos apenas nós dois e o seu pai. A conversa das duas é interrompida quando a professora começa a explicar o assunto que está no quadro. Mia e Jane fazem anotações durante todo o tempo enquanto eu apenas ouço o que a professora está falando e Dylan cochila sem dar a mínima para a aula. São duas aulas de história sobre a guerra dos sete anos até que o sinal toca finalmente nos liberando dessa tortura forma de aula. O nosso próximo destino é a quadra onde a professora de educação física nos espera. Todos mudam de roupa menos Mia já que está machucada e não pode fazer exercícios. Ela fica sentada na arquibancada apenas nos observando. Primeiro aquecemos dando três voltas inteiras na quadra correndo. Repito o meu matra na cabeça enquanto faço o exercício e ignora os meus pulmões a reclamar. Depois da corrida fazemos alguns alongamentos e então dividimos a turma em dois grupos mistos para jogarmos queimada. Me esquivo e fujo das bolas que são jogadas em minha direção, mas não demora e sinto aquela sensação terrível de falta de ar e diminuo um pouco o ritmo sendo atingido em seguida por uma bolada no ombro. Como morri preciso sair da quadra e aproveito que todos estão concentrados no pequeno embate entre os restantes e saio sem que ninguém perceba. Quase sem forças sento em um canto da parede e uso o inalador que tenho no bolso do short. O barulho que meus pulmões fazem me assusta, mas sei que preciso ficar calmo ou as coisas vão piorar. Aos poucos o ar começa a entrar normalmente e me sinto exausto pelo esforço. Me levanto apressado quando ouço o apito da professora e volto para dentro fingindo que nada aconteceu.
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