Mia XVII

2617 Words
Ainda estou processando o que aconteceu, ou melhor dizendo, o que quase aconteceu entre Eric e eu na festa. Quando saímos para tomar um ar depois de perder para Dylan e Jane no pebolim não esperava contar aquelas coisas para ele. Começou com uma pergunta despretensiosa e acabou conosco quase nos beijando. Acho que se não fosse o barulho que ouvimos teria rolado o beijo e essa constatação me faz sentir coisas que me deixam ainda mais confusa. Desperto dos meus pensamentos quando vejo Jane passar por mim silenciosa indo até a sua mochila para guardar sua escova de dentes. Essa atitude não é comum para ela. Jane geralmente é falante, mas notei que não fala muito desde que deixamos a casa de Izzy. _ Aconteceu alguma coisa, Jane? – Pergunto apoiando um travesseiro sobre meu colo. _ Sim. Aconteceu e não falar está me deixando maluca. – Fala sentando de frente para mim. – Mas antes de falar quero pedir que tudo o que eu disser aqui ficará entre nós duas. Posso confiar em você? – Questiona e assinto alarmada com o que de tão sério aconteceu para ela estar me pedindo segredo. – Eu e Dylan nos beijamos hoje na festa e eu gostei. _ Vocês se beijaram? – Pergunto para confirmar que não havia escutado errado e ela assente. – Mas pensei que fossem amigos. _ Eu também pensava assim, principalmente, porque somos amigos desde o primário. Somos o trio maravilha como minha avó costuma brincar. – Comenta com um meio sorriso nervoso. – Estamos sempre implicando uns com os outros, mas no final ficamos juntos nos apoiando. Nunca imaginei sentir algo por Dylan diferente do que sinto por Eric. _ O que você sente pelo Eric? – Pergunto sentindo algo se remexer em meu peito. _ Carinho de irmão. Não precisa se preocupar. – Diz agora sorrindo mais abertamente. _ Quem disse que estou preocupada com isso? – Questiono pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha desviando meus olhos dos dela. _ A sua carinha de que está gostando dele. – Comenta empurrando meu braço de leve. – São fofos juntos e acho que seriam um belo casal. _ O assunto aqui é você e o Dylan terem se beijado e não a sua ilusão de que sinto alguma coisa pelo seu outro amigo. – Falo na defensiva. – O que pretende fazer sobre Dylan agora? – Pergunto desesperada para sair do foco da conversa. _ Não sei. – Fala com um suspiro. – Posso fingir que não aconteceu e enterrar o assunto. Posso encará-lo e dizer o que senti quando nos beijamos e admitir que estou gostando dele de uma forma diferente. Ou posso pegar o meu passaporte e seguir para o Canadá com a vovó para não correr o risco de encontrar com ele. O que acha que devo fazer? _ Para falar a verdade, eu não faço ideia. Nunca enfrentei esse tipo de problemas envolvendo garotos e relações amorosas. _ Mas tem vontade de enfrentar essa nova experiência com garotos e relacionamentos amorosos com o Eric. – Comenta me fazendo lembrar de como me senti com a proximidade dele na festa e do nosso quase beijo e sinto o rosto queimar no mesmo instante. – Nem adianta dizer que não. Suas bochechas coradas acabaram de te denunciar. – Brinca me fazendo ficar ainda mais vermelha. – Me conta. Também aconteceu alguma coisa entre vocês dois? _ A gente quase se beijou. – Conto baixo com medo de alguém escutar. Não posso esquecer que Eric é próximo da família e seria constrangedor assistir Logan indo tirar satisfações com ele. _ Mas porque quase? – Pergunta cruzando as pernas para sentar sobre os pés. – Você fugiu? _ Não. – n**o com a cabeça ao mesmo tempo que volto a colocar a mecha de cabelo teimosa atrás da orelha. – Nos afastamos quando ouvimos o barulho de alguém chegando. _ E você gostaria que tivessem se beijado? _ Não sei. _ Você gosta dele dessa maneira? _ Não sei. _ E o que você sabe? _ Que muitas vezes gostar de um cara pode ser a sua ruína. – Falo olhando para a foto da minha mãe sobre o móvel ao lado da cama. Foi apenas isso que me restou dela. Uma recordação congelada que não interage comigo ou acalma meu coração com o seu perfume. – Foi assim com a minha mãe e não quero repetir a sua triste história. – Falo pegando o porta-retrato desesperada por algum alento. _ Essa era a sua mãe? – Questiona e afirmo. – Ela era linda. Você se parecem. – Sorrio. Não é a primeira vez que ouço esse tipo de comentário. – Tem dias que a saudade sufoca, não é? – Assinto mais uma vez lutando para não chorar como um bebê na frente dela. – Mas pelo menos ainda tem o seu pai aqui para cuidar de você. Eu perdi os dois quando tinha dez anos e desde então vivo com a minha avó. _ Não sabia. _ Tudo bem. – Fala num meio sorriso. – Já doeu muito no começo, mas agora fico apenas com as boas lembranças. – Diz saudosa. Queria ter boas lembranças para me salvar da dor que sinto todos os dias quando sou atingida pela realidade de que não consegui salvá-la, mas tudo o que tenho são memórias de dor e destruição causados por Bill. _ Já está tarde. – Digo devolvendo a foto da minha mãe ao seu lugar ao lado da minha cama. – É melhor irmos dormir. – Ela assente deitando no espaço ao meu lado que Andy costuma usar quando vem dormir comigo. Antes de me entregar por completo ao sono faço uma prece silenciosa de que essa noite seja livre de pesadelos. Eles não são mais tão frequentes quanto antes, mas ainda acontecem e não quero correr o risco de justo hoje acordar aos gritos no meio da noite. E por sorte meu desejo é atendido e só acordamos pela manhã com Chloe vindo nos chamar para o café da manhã. Respondemos as inúmeras perguntas de Andy sobre a festa entre uma torrada e outra, que nos arranca algumas risadas com seus comentários. Jane fica até depois do almoço quando Logan a dá uma carona até sua casa antes de ir para a delegacia. O resto da tarde passa de forma preguiçosa comigo, Chloe e Andy largados no sofá assistindo a uma animação para variar um pouco dos filmes de super-heróis. Vez por outra o meu pequeno momento com Eric na festa de Izzy me invade os pensamentos e faz com que meu coração bater num ritmo diferente e sinto um friozinho estranho na altura do estômago. Nunca me senti dessa maneira e esse território desconhecido não me agrada muito. Na segunda pela manhã estou uma pequena pilha de nervos. Vou encontrar com Eric pela primeira vez desde o nosso quase beijo e não sei o fazer ou como agir. Chego a cogitar a possibilidade de faltar a aula hoje, mas não iria adiantar muito já que teria que ir à escola do dia seguinte. Durante o dejejum procuro disfarçar o meu nervosismo mesmo tendo as mãos um tanto trêmulas quando me sirvo de um pouco de cereal. Me obrigo a comer mesmo não sentindo muita fome e quando a campainha toca busco agir de forma natural. Decido que o melhor é fingir que não aconteceu nada. Mas não tenho muito êxito. Basta olhar em seus olhos para lembrar do nosso momento daquela espreguiçadeira e sentir o friozinho no estômago novamente. _ Bom dia. – Cumprimenta com o sorriso de sempre, mas que dessa vez me deixa sem graça. _ Bom dia. – Murmuro ao passar por ele apertando as alças da minha mochila como se elas fossem um bote salva-vidas. Com os olhos focados no chão começo a fazer o caminho para a escola. Ouço seus passos ao meu lado e a consciência de sua proximidade me deixa ainda mais nervosa. E toda essa confusão na minha cabeça me deixa irritada. Não entendo porque estou assim se não aconteceu nada entre nós. _ Pode ir um pouco mais devagar, corredora. – Pede com a mão em meu braço enquanto tenta domar a respiração irregular. _ Desculpa. – Peço me sentindo péssima por ser a causa do seu m*l-estar. _ Relaxa. – Diz usando o inalador que tira do bolso do casaco. – Vou sobreviver. Só vamos caminhar normalmente e não treinar para correr na maratona. – Diz em tom brincalhão. _ Foi m*l. – Digo sem graça. – Não percebi que estava indo tão rápido. _ Rápido é eufemismos. – Fala e lá está o sorriso de lado novamente que faz meu coração dar uma pequena pirueta em meu peito. Como ele pode bater dessa maneira? Penso tentando disfarçar. – Estava mais para uma desesperada em fuga. – Sinto o rosto queimar de vergonha porque ele acertou em cheio. – Isso é pelo que aconteceu sábado na festa da Izzy? _ Não. Porque o que aconteceu não significou nada para mim. – As palavras saem atropeladas em meio ao meu desespero de encerrar o assunto, mas quando vejo o seu sorriso vacilar um pouco tive vontade de engoli-las de volta. _ Que pena. – Fala diminuindo a distancia entre nós e sinto a boca ficar seca. – Porque significou muito para mim. – Seus dedos enlaçam os meus e lá está o coração aos pulos. Acho que se ele continuar assim vou acabar tendo um ataque cardíaco. – Tanto que não saiu da minha cabeça durante todo esse final de semana. _ Não? – Pergunto com a voz vacilante e ele assente com um maneio de cabeça agora ainda mais perto. – Está mentindo. – Falo dando um passo para trás buscando colocar mais espaço entre nós. _ Não estou mentindo e posso provar. – Fala remexendo no bolso da calça, tira um papel dobrado e me estende. _ O que é isso? _ Abre e vai ver. Ainda sem entender nada direito desdobro a folha amassada e o que leio nela faz um nó se formar em minha garganta. LISTA DA FELICIDADE DE MIA 1- Andar de bicicleta no parque 2- Fazer um piquenique com a família 3- Assistir a um filme no cinema com muita pipoca e milkshake de morango 4- Torcida organizada no seu primeiro jogo 5- Fazer uma festa do pijama 6- Ensinar a nadar 7- Brincar na chuva 8- Ensinar a jogar videogame 9- Ensinar a dirigir 10- .... _ O que é tudo isso? – Pergunto lutando para disfarçar a emoção em minha voz que essas simples palavras escritas num pedaço de papel me causam. _ Essa é uma lista da felicidade que fiz para você. – Fala enfiando as mãos nos bolsos da calça. – Aí tem tudo o que disse que nunca havia feito e algumas coisas que achei que fosse gostar. – Diz recolhendo o papel da minha mão e voltando a guarda-lo no bolso. _ Mas porque fez isso para mim? _ Porque não estava brincando quando pedi que me deixasse te apresentar como a vida pode ser bonita mesmo depois de tudo o que viveu. E não estou fazendo isso por pena ou porque o seu pai me pediu. Mas porque gosto de você. – Suas palavras me deixam sem reação. Porque gosto de você. Essas quatro palavras ecoam em meus pensamentos mesmo depois que seguimos nosso caminho até a escola no modo automático. Acho que ninguém, além da minha mãe, me disse que gostava de mim e isso é mais forte do que um beijo poderia ser. Estava tão concentrada na história do quase beijo que havia me esquecido por completo das coisas que tinha dito para ele naquela noite. Pensei que ele não tinha levado a sério o que tinha dito e que só havia falado aquelas coisa para conseguir me beijar. Mas estava errada. E chegar a essa constatação me deixa feliz. Nem mesmo a aula chata de física consegue acabar com o sentimento que me inunda o peito. Na hora do intervalo o clima entre Dylan e Jane é estranho. Os dois evitam fazer contato visual e m*l se falam durante o almoço. Jane praticamente sai correndo do refeitório para o vestiário quando o sinal toca e acho engraçado o seu desespero em se afastar. _ Sabe que uma hora vai ter que falar com ele, não é? – Questiono enquanto amarro o cadarço da minha chuteira nova. _ Mas vou evitar essa hora o máximo possível. – Responde fazendo um r**o de cavalo no cabelo com um elástico preto. – Aposto minha mesada desse mês que você também está evitando o Eric. _ Então acaba de perder a sua mesada. _ Você falou com ele? – Questiona boquiaberta e assinto enquanto também prendo o meu cabelo para que não fique batendo nos olhos na hora do treino. – Finalmente rolou o beijo?! _ Quer parar de gritar. – Peço olhando para os lados me certificando de que nenhuma das outras garotas ouviu. – Nós não nos beijamos. – Afirmo a deixando triste. – Mas falamos sobre o que aconteceu na festa. _ Sobre o quase beijo? _ Sim. Mas também sobre coisas que contei a ele que nunca havia feito, como ir a uma festa, me reunir com amigos e outras coisas. Isso que é natural para você e que para mim parece ser uma realidade inalcançável, mas que ele quer me ajudar a viver. – Sorrio ao lembrar da lista. _ Você está afim dele. – Diz com um largo sorriso. – Seus olhos até brilharam agora. _ Você está imaginando coisas. – Falo querendo mudar de assunto com medo de sermos ouvidas. – É melhor irmos logo para o campo. Já estão todas lá e não quero levar carão da treinadora. Nem preciso falar duas vezes. Jane mais do que ninguém sabe que a treinadora é uma apreciadora da pontualidade e que costuma castigar aquelas que se atrasam. Mas por sorte esse não é o nosso caso. Quando nos reunimos ao resto das meninas a treinadora ainda não havia chegado e as suas assistentes estavam começando a distribuir os coletes de reserva e titulares para o aquecimento. As assistentes passam o cronograma de alongamento e exercícios de aquecimento que seguimos sem reclamar. Já estamos todas encharcadas de suor quando a treinadora aparece na lateral do gramado para observar ao treino e então a equipe é dividida em dois times. Fico com os reservas, que é composto em sua maioria pelas recém-chegadas no time. Mas isso não me deixa desmotivada ou desanimada. Muito pelo contrário. Dou o meu melhor em campo. Marco quando necessário, faço trabalho em equipe e até consigo marcar um gol antes do apito final quando a treinadora nos chama para a lateral do campo. _ Muito bem, meninas. – Diz quando estamos todas juntas. – O treino de hoje foi muito bom. Ainda precisamos ajustar algumas coisas para o nosso jogo nesse sábado a tarde contra os Greenford, por isso quero concentração total. Nada de extravagancias essa semana. Entenderam? _ Sim, treinadora. – Dizemos todas em uma única voz. _ Ótimo. A lista das titulares vai estar presa no quadro de avisos do vestiário na sexta-feira. Quero que os reservas tenham em mente que se suarem e trabalharem duro podem conseguir uma vaga entre os titulares. – É isso que quero. Uma oportunidade entre as titulares. – E que aquelas que estão entre os titulares não se acomodem com essa posição. – Diz firme e assentimos. – Agora todas para o chuveiro. – Manda e obedecemos sem maiores objeções
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