Capítulo 7

1988 Words
– Oi, Clarinha!!! Quantos anos... – Maria Júlia se aproximou abrindo os braços em cima dos meus ombros. – Pois é – respondendo muito desconcertadamente ao abraço que me deu. Contou-me de tudo! Da vida, dos namorados, do emprego, das baladas, dos porres e tudo mais. Imediatamente me lembrei o porquê de eu ter me afastado: fala demais. Porém, no meio de tanta asneira, algo despertou meu interesse. – No próximo sábado vai ter uma festa na casa do Vitinho. Lembra dele? – Mais ou menos... Como não iria me lembrar? Vitinho deu-me o maior fora que uma mulher pode levar na vida, antes mesmo que alguém pudesse me considerar uma mulher de verdade. Tinha 16 anos e me achava a rainha da cocada preta. Antes que você venha me acusar de que ainda acho isso, é que com essa idade, 16 anos, é fundamental ter uma b***a grande, e eu sabiamente a usava em meu favor; justamente por isso ficava com todos os caras que queria. Sei que com quase 30 também é bom, mas com 16 é melhor ainda! Com certeza, se naquela época existisse o Big Brother, eu me inscreveria, só pela confiança que tinha no meu bundão. Até que me surgiu o Vitinho. Ele era muito bonito. Alto, gostosinho, e com poucas espinhas, o que já é uma enorme vantagem neste período da vida. Seu rosto era muito bem desenhado; subia vários graus em relação aos colegas, pelo fato de não precisar de aparelhos ortodônticos. Mas era só isso. Não tinha nada além disso, além do fato do pai dele ser cheio da grana. Todas as meninas se derretiam por ele. Um dia, fomos para uma festa. Achei que ele estava a fim de mim e resolvi ser ousada. Na frente de toda galera fui dar um beijo nele. Falou em alto e bom som, para quem quisesse ouvir, que eu não era o tipo dele porque era muito fútil, e se eu quisesse ficar com ele teria que passar a ler jornais e revistas, pois nem só de b***a grande se faz um caráter. Quer mais? Ainda disse que jamais suportaria ficar, nem que fosse por alguns minutos, com uma menina que não tivesse assunto nenhum para tratar com ele, já que todas as minhas conversas se resumiam a uns dois ou três temas, nenhum deles política, ciência ou literatura. Tudo bem que fui uma adolescente um tanto quanto superficial, mas eu tava na idade de ser assim. Ou não estava? Mas, no fundo, no fundo, o que mais doeu não foi o que ele falou, mas da forma como falou. Ele podia ter dito as mesmas coisas, mas não precisava de testemunhas. Fui alvo de piadas por muito tempo, das meninas que conseguiam fazer o tipo soulindaeleiotudo, principalmente das meninas soufeiaeporissoestudo. Eu, absolutamente, não fazia parte de nenhum destes grupos. Era mais do tipo soufútilpracacete. Passei alguns dias ou meses depois da nossa formatura do colégio (na verdade anos, pois durou até esse dia) sem querer vê-lo. – E qual o motivo da festa na casa dele? – fingi não ter nenhuma preocupação. – Ele casou com uma menina que ninguém gostava; agora se separaram. Não sei se você lembra dela. Uma i****a que ele conheceu na faculdade e que se achava mais inteligente que todo mundo. A guria só falava de bolsa de valores e da influência da economia chinesa no mercado mundial. Um saco! Ele tá comemorando 1 ano de solteirice. Passa lá – enquanto dizia isso, anotava o telefone dela e o endereço da festa em um papel que tirou da bolsa. – O povo vai gostar de te ver! – Vou sim, com certeza. Beijos. A despedida foi ali mesmo e continuei empurrando meu carrinho para a seção de frutas. Meus pensamentos se dirigiram para a época do colégio. A única amiga que eu conservava daqueles tempos era a Laura, e ela a mim. Não porque o pessoal fosse chato, mas é porque nós nos sentíamos dois peixes fora d'água perto deles. Éramos muito maluquinhas, e eles muito certinhos. Na verdade, estávamos no grupinho errado. Pelo fato de tirarmos notas boas, o pessoal da bagunça não queria papo com a gente. Mas éramos muito fúteis e por isso o grupo dos estudiosos, que era com quem a gente andava, nos tratava com muito desprezo, como se fossemos as maiores antas do mundo. Ainda mais depois do episódio com o Vitinho. Passei a me esconder mesmo, afinal de contas tinha uma bela b***a, ou melhor, uma reputação a zelar. A Laura, em solidariedade e em nome dos p****s enormes que ela sempre sustentou (ou ostentou) com muito orgulho, escondeu-se junto comigo, antes que sobrasse para ela também. Isso sem contar com o lance da grana. Não tínhamos dinheiro disponível como nossos amigos. Nossos pais não tinham condições de bancar roupas de marca e idas ao shopping para cinema e boliche todo final de semana. Não tínhamos casa com piscina para chamar as meninas e tomar sol, morríamos de vergonha de os nossos pais darem carona para alguém, já que os carros dos outros eram sempre melhores. Voltando ao encontro no mercado, enquanto escolhia bananas, fiquei pensando em como seria rever aquele pessoal todo. Só de saber que ainda andavam juntos já era um choque. Tive a sensação de que eles não evoluíram, e eu e Laura havíamos nos tornado a elite da elite. Mas no fundo, sabia que ao chegar lá, iria me deparar com um sendo o administrador da Volkswagen, outro como desembargador de justiça mais novo de toda a história brasileira, um seria um médico que havia descoberto a cura de uma doença altamente fatal e rara e o último não estaria sentado conosco, porque trabalhava na NASA e ganhava em dólares. Se a Laura pelo menos fosse comigo, eu me sentiria mais segura... Mas, se arranjasse coragem para ir, teria que ir sozinha. O pior de tudo: admitir que sou uma simples professora de português que vive pendurada no cartão de crédito. Está certo que nas minhas viagens mais íntimas, quando pensava naquela galera, eles estavam todos gordos, carecas e feios. As mulheres tinham os p****s mais caídos de todo o universo porque cada uma delas havia amamentado 3 filhos de um cara que carregava uma barriga enorme de chope e deixava o cofrinho aparecendo quando se abaixava para pegar o velocípede do filho mais velho jogado no chão. Quando esse grupo bizarro estivesse reunido na nossa festa de aniversário de trinta anos da formatura, eu apareceria, linda e deslumbrante, usando um vestido prateado, comprado na DASLU e meus pezinhos estariam com uma sandália de 15 centímetros, maravilhosa, que não me faria sentir dor alguma. Fora isso, estaria coberta de joias e com um sorriso pregado na cara. Entraria com os cabelos esvoaçantes e cheia de charme, passando aquela mensagem "não adiantou nada vocês serem ricos na adolescência". Fiquei na seção de frutas com o pensamento dividido entre as lembranças do passado, o preço absurdo do quilo da manga, e na vingança que a beleza pode ter sobre a inteligência, quando me lembrei de João Thomas. Subitamente meus pensamentos todos sumiram e só uma alegria tomou conta de mim (tenho certeza que os meus lábios exibiam neste momento um sorrisinho bobo). Me toquei, então, de que teria que comprar folhas para fazer uma salada para ele, que iria almoçar na minha casa. Sim, almoçar na minha casa! Porque nos meus planos estava ligar para ele e chamá-lo para almoçar. Então, antes do almoço faríamos um amor delicioso, regado a vinho. Depois almoçaríamos e, de sobremesa, ele teria euzinha aqui. Não acharia nada r**m se no final de tudo isso ele decidisse que faço a comida mais gostosa do mundo e, por isso, casaríamos na semana seguinte, com direito a lua de mel na Jamaica (ou, se ele fosse tão r**m das pernas com o dinheiro como eu, me contentaria com Salvador). Isso sem contar que o convidaria para ir comigo nesta festa ridícula do Vitinho e todas aquelas "cedêzinhas" de m***a iriam ficar morrendo de inveja do namorado lindo e maravilhoso que arrumei, porque para achar homem bonito não preciso ser um gênio. Preciso apenas ser bunduda! Ha, ha, ha. Escolhi a mais bela rúcula e o mais belo agrião para fazer uma salada deliciosa com cenoura, tomate seco, beterraba, molho de mostarda e mel. Levei também uns medalhões de filé, que são a minha especialidade (na verdade é peixe. Mas nem todo mundo gosta de peixe e eu fiquei com medo de arriscar). Para completar, duas garrafas de vinho que me levaram um bom tempo na decisão. Poderia levar uns maravilhosos para impressionar, mas se ele não sacasse nada de vinho seria um dinheiro jogado fora. Refleti muito e optei por um excelente tinto nacional. Assim não faria f**o se ele entendesse de vinhos e não jogaria fora o meu suado dinheiro se ele só soubesse de pingas. Um pote de sorvete para fazer uma pequena s*******m no final fecharia o pacote. Paguei, fui para o carro e saí cantando "Amor I Love You" pelas ruas de Brasília. É impressionante como a cidade se torna mais bonita depois de uma noite de s**o intenso e orgasmos múltiplos. Além das ruas, o sol, os pedestres, as árvores. As músicas se encaixam com perfeição. Parece que as letras foram feitas especialmente para você e o momento em questão. Brasília, nesses momentos, se torna o lugar mais lindo do mundo, com suas ruas largas sem congestionamento. Tudo fica muito mais cor-de-rosa. Tão cor-de-rosa que a gente não presta atenção nas coisas. Parei no semáforo feliz da vida abrindo o gogó. Cantava soltando pulmões, sentindo ser a própria Marisa Monte. Tocou o celular. Puxei da bolsa, rapidinho, para atender. Deu tempo de escutar o toque personalizado da minha mãe. Quando fui falar alô, veio um menino correndo, passou a mão no meu celular, e desapareceu pelas ruas sem esquinas da minha cidade. Depois daquele tumulto, descer do carro, gritar pega ladrão e ficar todo mundo embasbacado porque isso não costuma acontecer em Brasília (eu mesma nunca tinha visto), resignei-me a entrar no carro, ir para casa e dar queixa na operadora do meu telefone, para que eles desligassem a linha até comprar outro aparelho. Fiquei aborrecida de verdade, mas não tinha o que fazer. Cheguei em casa muita p**a e quando fui tirar as compras do porta-malas do carro é que me dei conta: o telefone do João Thomas estava registrado naquele aparelho. Subi as escadas da kit correndo. - Sinto muito, mas preciso ligar no seu celular, Laura. f**a-se sua lua de mel! Acho que nunca cheguei tão rapidamente à kit. Joguei-me em cima da cama, deixando as compras largadas no meio da sala, e agarrei o aparelho do telefone. Desesperada, disquei os números do celular da minha amiguinha, e meu coração pulsava em uma altura que qualquer um poderia escutar. De repente, ouço: – Telefone desligado ou fora da área de cobertura. – p**a que pariu! – bem alto, como se estivesse com alguém ali para escutar. – O que eu faço agora????? Bom, respirei, e vi que não tinha o que fazer, a não ser esperar para ligar mais tarde. – Adeus, almoço querido. Como já era de se esperar, passei o dia todo de cara amarrada. Enfiei-me em cima da cama, liguei a TV e passei o domingo assistindo Faustão (acho que todos os políticos corruptos deveriam ter como punição ficar um domingo inteirinho assistindo o Faustão, porque não existe tortura pior), tomando sorvete, e muito p**a. A cada meia hora eu ligava para o celular da Laura, mas a mesma mensagem me perturbava o tempo todo. No fim da tarde, decidi aceitar a situação, peguei meus livros e cadernos para preparar as aulas da semana seguinte. O que eu podia fazer? Nada! Acabei bebendo sozinha as duas garrafas do excelente vinho nacional.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD