Capítulo 13

2372 Words
Luno havia caído no planeta Terra. Soube disso assim que viu pela primeira vez o que não havia em seu planeta: as cores. No entanto, nunca pensou que no mesmo mundo da felicidade, também haveria a desgraça. (Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini). ∞∞∞ No dia seguinte, meu pé já estava bem menos dolorido, provavelmente porque, quando voltei do jornal na tarde anterior, Augusta me fez muitas compressas de água quente e não deixou que eu usasse o pé dolorido nem para ir ao quarto. De alguma forma inexplicável aquilo aliviou a torção. Já as crianças fizeram muitas apresentações artísticas para me manter entretida, o que de fato funcionou, pois no fim da noite não conseguia conter as risadas ao ouvir as charadas de David. Naquele dia cheguei mais cedo ao escritório e fui direto à minha mesa. Quando me aproximei avistei uma pequena flor sob minha caderneta de anotações. Era pequena e delicada, como se tivesse sido arrancada de uma muda durante o caminho. Achei aquilo tão gentil que, sem perceber, fiquei sorrindo admirada com o simples gesto. Assim que abri minha caderneta para colocar a rosa entre as páginas, me deparei com uma caligrafia diferente, nela dizia: Querida Bella, Espero que esteja com o tornozelo recuperado, pois não estarei presente para ajudá-la. Sinto informá-la que terei que me ausentar por alguns dias do jornal. Mas não se preocupe, eu estou bem! Apenas terei que resolver alguns assuntos urgentes do escritório. Deixei alguns papéis sobre sua mesa, peço que os revise para mim e depois os leve até a sala do Sr. Nikolai, que durante a semana me substituirá. No mais, espero que tenha dias tão lindos quanto a rosa que coloquei sob sua mesa. Anseio também, que não esteja comemorando por se ver livre de mim por tanto tempo, pois, se este for o caso, sinto lhe informar que será recompensada, à mesma proporção, após meu retorno. O homem do trem, Tomás Marks Terminei de ler o bilhete rindo e de alguma forma triste. Não sabia explicar o porquê, mas era como se uma onda de desânimo tivesse me atingido. A presença de Tomás tornava o trabalho mais alegre. Ele era uma daquelas pessoas que quando sorria o rosto inteiro se emoldurava e isso aquecia o coração, pois seu sorriso era acolhedor e gentil. Tomás era um daqueles rapazes que facilmente cativava o coração das pessoas, o que deveria fazer as senhoras da alta sociedade apresentarem suas filhas com demasiada frequência. Meus pais não eram de importunar-me tanto com estes assuntos, mas também nunca se esqueciam de mencionar isso no mínimo uma vez por semana ou quando Romeu resolvia aparecer. Aqueles pensamentos já tinham tomado proporções indesejáveis. Então, peguei os papéis e comecei a revisá-los. Afinal, não conseguiria trabalhar se ficasse pensando em Tomás, muito menos em casamento, enquanto escrevia anotações. O problema de ser uma escritora era que os pensamentos facilmente tornavam-se palavras sob o papel. E certamente, pensamentos fora do cérebro não estariam em um lugar seguro. Assim, terminei a tarefa rapidamente antes que me distraísse mais uma vez, e fui em direção à sala de Nikolai. Ele parecia ter a mesma idade de Tomás. Tinha os cabelos castanhos e traços de superioridade em seu semblante. Mesmo de longe, não parecia estar com bom humor, na realidade, eu nunca havia presenciado uma só vez que ele estivesse de bom humor. Porém, era muito cedo para julgá-lo, visto que eu não tinha concluído nem o terceiro dia de trabalho. Então, quando cheguei próximo de sua sala coloquei um belo sorriso no rosto e prossegui. - Sr. Alves? - chamei batendo na porta. - Pois não?- respondeu ele me encarando - Pode entrar querida. - Eu só queria deixar estes papéis que o Sr. Marks solicitou que eu revisasse - expliquei. - Ele pediu que “a senhorita” os revisasse? - perguntou incrédulo, como se não tivesse escutado o que eu acabara de dizer. - Sim! - respondi. - Bom, neste caso peça que o Sr. Robs os analise. - disse ele como se estivesse rindo de algo que eu comentara. “Então o sujeito sabia sorrir?” - Algum problema senhor? - rosnei. - Não senhorita, apenas não gostaria que revisasse nossos papéis. “Ele ouviu a parte que Tomás me mandara fazer aquilo?” - Desculpe se não o agradei, mas posso garantir que sou perfeitamente qualificada para este serviço. - retruquei. - Se for ou não qualificada, não muda a minha decisão. Durante os dias que trabalhar para mim ficará encarregada em organizar meu escritório e servir café. - respondeu seco, sem olhar para mim. - Mas senhor… - insisti. - Está dispensada! Faça o que te mandei e quando voltar traga-me um café. - terminou me encarando irritado. Eu me senti tão insultada como nunca antes. "Qual era o problema em tratar bem os demais?" Fui respirando fundo e contando até dez conforme me aproximava da mesa do Sr. Robs. O pobre devia ser um estagiário, pois tinha tantos papéis sobre a mesa que m*l se podia ver seu rosto atrás da pilha. Os entreguei dando as instruções, enquanto ele não parecia ter ouvido uma palavra sequer, apenas assentiu rapidamente para que eu o deixasse em paz. Na hora do almoço, apesar de ter apenas vinte minutos de descanso, sai do jornal e sentei num banco próximo a fachada do prédio. O assento era coberto por uma árvore de ipê branca. Aquilo, de certa forma, fez me lembrar de casa e das margaridas de minha mãe. Na tentativa de me auto motivar, eu repetia a frase que ela me dissera: "Ella, quando as coisas ficarem difíceis, e vão ficar, lembre-se do por que do início, o que te fez estar ali. E tudo ficará bem!" - Senhorita? - perguntou uma moça enquanto eu enxugava as lágrimas. Ela tinha os olhos e cabelos castanhos e um ar de elegância inexplicável. Algo nela fazia me lembrar de alguém. - Está tudo bem? - disse ela se aproximando do banco. - Está sim. - respondi antes que ela se preocupasse. - Alguém a magoou não é? - disse ela como se pudesse ler minha mente. - Não senhorita, eu apenas me emocionei… - Foi um homem não foi?! - disparou antes que eu terminasse de falar. - Bem… Não exatamente como a senhorita deve estar imaginando. - fiz uma pausa. – Mas sim! Foi um homem do meu local de trabalho. - O que ele disse? - perguntou como se lesse meu semblante. - Disse que eu estava ali apenas para servir café e organizar seu escritório. O que não teria problema caso eu tivesse sido contratada para isso. - confessei como se estivesse conversando com uma amiga de longa data. - Acho que a senhorita é perfeitamente qualificada! -declarou. - Porque acha isso? - questionei curiosa com sua análise precipitada. Ela deu de ombros, como se a resposta fosse óbvia. - Bom, a senhorita disse que foi contratada para realizar uma tarefa, que pelo visto é importante. Então, não seria contratada para isso se não achassem que a senhorita de fato é capaz. - explicou satisfeita. - Obrigada! Palavras certas no momento certo - me acomodei recostando melhor no banco e continuei - Sabe o que é pior? - perguntei. - Não - respondeu ela. - É que meu verdadeiro chefe só voltará daqui alguns dias, ou talvez semanas. - bufei. - Sinto muito que esteja passando por um dia difícil. - declarou segurando minhas mãos em consolo. - Mas se a conforta, saiba que também não estou tendo um dia muito bom. - disse ela, caindo sobre o encosto do banco. - Se me permite perguntar, o que houve? - perguntei curiosa. - Bem… Acabei de ter o quinto encontro, que na verdade foi um pesadelo, com meu noivo. - respondeu soltando o ar com força. - Como assim quinto encontro? - Meus pais praticamente me obrigaram a casar com um homem que m*l conheço. Tudo porque nossas famílias querem unir os negócios e também por minha reputação não ser das melhores. - explicou soltando outra bufada de ar. - Se me permite perguntar, o que aconteceu? -questionei curiosa. - Eu desisti do meu outro noivado. - disse ela como se tivesse tirado o peso dos ombros. - Nossa família não tem um histórico muito bom com essas espécies de cerimônia. - e me fitou irritada. - Acredita que meu ex-noivo conseguiu me enganar por cinco meses dizendo ser o que não era? - e balançou a cabeça como se tivesse feito a pergunta para si mesma. - Um completo mentiroso - concluiu. - Sinto muito. - respondi dando de ombros, sem saber o que falar. - Não sinta. Talvez eu tenha exagerado um pouco quando disse que só me encontrei cinco vezes com meu atual noivo. Ele era meu vizinho quando criança, então eu já o conhecia por algum tempo. Porém, depois que me mudei, nunca mais o vi. E de repente, ele resolve aparecer! - concluiu parecendo rir da própria situação. - Mas por qual motivo tem que se casar? - perguntei ainda sem entender o porquê daquela decisão precipitada. - Bem… Pra falar a verdade eu nem sei como cheguei a isso. Mas pode-se dizer que fomos pegos numa situação comprometedora. Na realidade não estávamos fazendo nada de errado. - falou rapidamente. - Foi na verdade um infortúnio. - ela fez uma pausa tentando relembrar os acontecimentos. - Eu havia encontrado ele em um baile e começamos a conversar. Ele é muito bonito e extremamente simpático. – acrescentou. - Na noite do baile o salão estava muito quente, então pedi que fossemos para um lugar mais fresco. Ele me acompanhou até o jardim e ficamos andando e conversando. As horas não parecem passar quando conversamos, entende? Eu assenti e ela continuou. -Tudo estava sendo perfeito, até que tudo foi arruinado por um coelho que saiu de um arbusto e me assustou. Eu pulei em cima do meu noivo e caímos numa espécie de depressão no jardim. Quando abri meus olhos para ver o estrago meu pai estava nos encarando furioso e eu estava com o vestido sujo e rasgado de forma muito vergonhosa. - Ela corou, abaixou os olhos para o anel em seu dedo e prosseguiu. - Para não comprometer ainda mais minha reputação ele me propôs em casamento. Afinal de contas, eu já tenho 27 anos e mais um escândalo não seria facilmente perdoado. - Ela fez uma pausa e fitou a árvore. - Eu sei que não parece verdade, mas foi. - Sinto muito - e segurei em suas mãos em consolo -Desculpe a intromissão, mas não acha que é melhor avaliar melhor a situação? - comentei. - Não, acho que não. Pensei muito sobre isso e meu irmão também tentou me fazer desistir da ideia de casar com um estranho. - ela abriu um parêntese - Ele é muito bom pra mim e diferentemente do resto da minha família, era o único que estava preocupado se eu seria realmente feliz com esse arranjo. - e fez uma pausa. - Porém, não quero mais desfazer outra decisão. E pelo que eu pude ver meu noivo não é tão r**m assim. É bonito, inteligente e parece ser confiável. - e deu uma risada nervosa. - O problema é que todas as vezes que nos encontramos algo totalmente incomum acontece. Hoje mesmo, eu derrubei minha sopa quente sob ele, depois que um mosquito pousara no meu prato. - fez uma pausa. - Ele não ficou irritado, na verdade, tirando o fato de ter se queimado, achou a situação engraçada. - terminou. - Então ele realmente parece ser um bom homem! Já vi noivados serem desfeitos por muito menos. - comentei. - A senhorita acha? - perguntou como se necessitasse da minha opinião. - Acredito que sim. - dei de ombros. - Mas não posso julgá-lo sem conhecê-lo. - acrescentei. - Tem razão. - disse ela pensativa fitando o nada. Depois de alguns minutos em silêncio, senti o ritmo do relógio dentro do bolso do vestido. O peguei e quando vi o horário, já estava atrasada há cinco minutos, na verdade há seis. - Oh Mio! - fiz uma pausa. - Senhorita foi um prazer conhecê-la. Mas eu tenho que ir, estou muitíssimo atrasada. - disse como um tiro. - Claro. - respondeu ela, enquanto eu já disparara para dentro do prédio. Cheguei à recepção e vi uma moça despejando um pouco de café em uma xícara. m*l pensei duas vezes e praticamente a roubei. Não dei tempo nem para que ela pudesse raciocinar que eu havia pegado sua xícara de café, pois corri como em uma maratona até a sala de Nikolai. - Sr. Alves, seu café. - disse entregando o café rapidamente, antes que ele percebesse meu atraso. - Espere querida! - disse ele fazendo-me girar os calcanhares e fitá-lo. - Achou que eu não notei o seu atraso? - rosnou. - Sr. Alves eu… - Guarde suas desculpas!- disse ele, cortando-me. - Quero que obedeça aos horários deste escritório. Caso contrário, pode se considerar desempregada. Sua presença já não é mesmo requisitada neste local. - fez uma pausa. - Agora, pode ir! E traga-me outro café, pois este já está frio. - e me estendeu a xícara. - Tudo… - antes que eu terminasse a fala, quando fui pegar a xícara de suas mãos ele a soltou, fazendo a triscar sob a ponta dos meus dedos antes de ir ao chão. - Tenha mais atenção senhorita! - gritou. - Eu… - Não quero saber de mais nada. Limpe isso e faça o que eu te mandei, irei ao toalete e quando voltar quero este lugar brilhando. - e saiu sem esperar que eu respondesse. Naquele momento senti muita falta do meu chefe verdadeiro. Por mais que Tomás fosse irritante, era um irritante bom. Ele era carismático e isso fazia com que trabalhar para ele fosse algo prazeroso, mesmo estando apenas três dias trabalhando já podia constatar isso. Tomás nunca havia me perguntado se eu sabia escrever ou se era capacitada para editar um manuscrito, simplesmente acreditou. Ele era realmente um homem admirável.
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