- Luno, onde está indo? - perguntava seu pai.
- Vou caçar borboletas brancas - dizia ele tentando esconder a mentira.
- Não vá muito longe está bem?- Luno assentiu e saiu rapidamente em direção caverna proibida.
(Trecho do livro Pequeno Guerreiro da Lua, grande valente terrestre, de Antonella Bella Valentini).
∞∞∞
Acordei literalmente sem querer.
Duas mãozinhas puxavam as minhas pálpebras.
- Humm… Lucaa! - puxei ele sobre a cama para abraçá-lo, mas ele resistiu. - O que foi rapazinho? - perguntei com as mãos enquanto meus lábios gesticulavam a pergunta.
Ele se abaixou ao lado da cama para pegar alguma coisa. Quando se levantou, segurava uma cartinha entre os pequeninos dedos e seu ursinho sobre os braços.
Ele me indicou primeiro a carta para que eu lesse.
"Oi Ella! Mamãe me contou que você vai viajar. Eu não sei o porquê irá me deixar, mas não quero que você se esqueça de mim. Então estou te dando o Rocco, ele vai te proteger em meu lugar. Obrigada por cuidar de mim e volte pra casa logo.
Amo você!
Seu cavalheiro, Luca Valentini e mamãe"
Depois que terminei aquela carta fiquei sem reação. Luca pensava que eu iria deixá-lo e que fosse esquecê-lo.
Ele não compreendia totalmente o que estava acontecendo, pois algumas situações eram simplesmente impossíveis de explicar usando a língua dos sinais que ele ainda não dominava completamente.
Meus pais só começaram a desconfiar que ele pudesse ter alguma deficiência a partir dos seus três anos, pois ele nunca ouvia quando chamávamos e nunca dissera mamãe ou papai, ou palavra alguma. Era uma criança reclusa e solitária.
Então, depois de algumas consultas, meus pais descobriram que Luca era deficiente auditivo. No início foi difícil pensar que ele seria incapaz de ser educado, mas nossa família não desistiu.
Meu pai ouviu falar sobre uma escola para surdos no Rio de Janeiro, não podíamos nos mudar para lá, pois os negócios da família estavam em São Paulo. Sendo assim, meu pai ficou lá por alguns meses estudando o método aplicado na escola e o implantou em casa.
Em menos de um ano Luca já conseguia se comunicar através da língua dos sinais. Esta língua era muito complexa, não envolvia apenas movimentos com as mãos, mas também expressões faciais juntamente com a gesticulação dos lábios. Além disso, não existiam tempos verbais, o que dificultava mais ainda a situação, pois a marca temporal era feita pelos advérbios, como ontem, hoje e amanhã. Dessa forma, ensinar a língua portuguesa a ele era um desafio ainda maior, sendo ainda mais difícil que ensinar um nativo de outro país.
Mesmo assim, Luca estava se empenhando muito e já conseguia escrever frases completas.
Quando meu pai não retornou foi muito difícil de explicar a Luca o que acontecera. Era horrível ver seu semblante esperançoso, mesmo após os seis meses, ainda acreditando que papai voltaria.
Na língua dos sinais: - Amo você Luca, meu bravo cavalheiro! Saiba que eu não vou te deixar nem te esquecer. - o abracei por um longo tempo até que ele decidiu sair do quarto para mim me arrumar, mas antes me deu um beijinho e colocou o Urso Rocco ao meu lado.
Ana já tinha saído ao que parecia fazer bastante tempo e deixara um bilhete avisando que fora buscar os vestidos.
Era um dia frio e garoava sem parar. Então, vesti um dos vestidos mais quentes que eu tinha, não queria pegar um resfriado antes de chegar ao meu destino.
Terminei de me organizar quando alguém bateu na porta.
- Bom dia Ella! - era Luigi terminando de tomar seu café. - Posso falar com você por um instante?
- Claro! - disse, indicando que ele se sentasse.
Ele colocou a xícara sobre a mesinha e olhou para mim.
- Sei que não temos conversado muito, pois tenho ficado ocupado nesses tempos. - e colocou as mãos no bolso. - Entretanto, sei o quanto estava animada para que tudo desse certo. E de fato deu. - fez uma pausa, olhando para o outro canto do quarto - Então, quero que você fique com isso - e me estendeu o canivete que meu pai lhe dera.
- Luigi, você enlouqueceu? Eu nem sei usar isso.
- Não precisa saber usar, apenas use se for necessário. Leve-o consigo em todos os lugares, nunca se sabe quando você precisará se defender - explicou sem permitir uma negativa como resposta.
- Tudo bem! - puxei a lâmina que estava escondida no interior da cápsula de metal a fim de ver como aquilo funcionava.
Assim que compreendi o simples mecanismo, com extremo cuidado, guardei-a. Afinal, não queria perfurar ninguém até o momento.
A porta de repente se abriu.
- Ella, consegui achar esses! - entrou Ana com uma pilha enorme de roupas que obstruía sua visão.
- Srta. Bakker deixe-me ajudá-la! - disse Luigi já indo segurar o monte de tecido.
- Hã… Obrigada Sr. Valentini! E me desculpe, não vi que o senhor estava aqui. Atrapalhei alguma coisa? - perguntou Ana envergonhada.
- Não senhorita! Por favor, não se desculpe. Fique a vontade, eu e Ella já terminamos. - Luigi deixou a pilha sobre a cama.
Antes de sair, ficou constrangido ao esbarrar sem querer em Ana, o que o fez fechar a porta sem dizer adeus.
- Oh mio! Ana são muito lindos- falei levantando o vestido para vê-lo melhor- Alguns eu nunca a vi usando! - constatei.
- Hãm... Sim, Ella! - disse ela, voltando a se recompor - Encontrei apenas cinco. Pelo menos terá mais opções durante a semana. - terminou satisfeita, curvando os lábios para cima.
- Esse vermelho é muito nobre para eu ir trabalhar. - indiquei o tecido vermelho.
- Esse é para ocasiões especiais! - e me deu uma piscadinha, com um sorriso lateral.
- Hã... Acho que não vou usá-lo. – constatei. - Mesmo assim muito obrigada por se preocupar Ana.
- Graag gedaan! - respondeu um "de nada" em holandês.
Ela me ajudou a colocar tudo dentro das duas malas que pareciam explodir a qualquer momento. Ana foi à frente levando uma delas, enquanto eu resolvi demorar mais um pouco observando pela última vez o meu quarto, o lugar aonde eu ia quando escrevia, quando chorava e sonhava.
As janelas estavam com várias gotículas se desprendendo do vidro como se estivesse em prantos.
Fechei a porta, coloquei as luvas, o chapéu e prossegui descendo as escadas. Este gesto me fez perceber que uma nova fase havia começado e outra se acabado e a cada passo que eu dava me aproximava ainda mais da despedida.