Luno adentrava na caverna sem saber para onde estava indo. Seguia em frente, entrando nos corredores escuros, úmidos e frios, apenas com um lampião iluminando poucos metros dos seus passos. Ele estava com medo, mas nada o faria parar.
(Trecho do livro Pequeno guerreiro da Lua, grande valente na Terra, de Antonella Bella Valentini).
∞∞∞
- Bella?
- Papai! - o abracei me levantando da cama.
- Você está se sentindo melhor minha querida? - disse ele com um beijinho na testa.
- Ainda estou com dores. Afinal de contas, cair das escadas não é algo agradável, mas saiba que agora que o senhor chegou me sinto muitíssimo melhor. Talvez fosse a saudade - disse rindo.
- Quando não estiver bem é só fechar os olhos, pensar em alguma coisa boa e segurar isso - disse ele me entregando um pequeno relógio pendurado sobre um cordão - E quando estiver com saudade sinta a pulsação do relógio como se fosse o meu coração, pois ele bate por você meu amor.
- Ti amo papà - disse abraçando-o.
- E eu te amo mais do que a minha própria vida! - fez uma pausa para enxugar as lágrimas - Nem posso acreditar que a minha pequena está fazendo quinze primaveras. Espero viver para ver muitas outras, minha Bella!
-Oras, papai! É Claro que verá.
...
Acordei com os olhos empossados, sentindo o ritmo do meu relógio entre os dedos. Regulei a vista e, por um breve momento, esqueci onde estava.
Eu apoiava a cabeça sobre os ombros de um homem que nunca vira. Daí as memórias voltaram como uma enxurrada.
Retirei a cabeça quase instantaneamente e enxuguei as lágrimas.
Olhei de relance o homem para ver se tinha notado e para minha sorte, ele estava dormindo segurando uma caderneta, marcada com um grafite entre as folhas.
Minha curiosidade estava me vencendo. Queria saber por que estava marcado naquela página e o que tanto escrevia durante todo o trajeto.
"Talvez se eu puxasse o caderninho delicadamente ele nem perceberá".
E assim fiz.
Só que ao invés de ser delicada eu puxei tão rápido que a caderneta caiu no chão e o homem acordou.
"Socorro" - internalizei.
Eu tinha que me controlar mais.
Fui direto ao chão pegar o objeto e o homem fez o mesmo. No movimento, nossas testas colidiram e paramos no meio do caminho ambos com o braço estendido para o chão.
Estávamos tão próximos que eu conseguia sentir sua respiração quente sobre a minha face fria, enquanto ele me fitava com seus olhos de obsidiana.
Aquele olhar era tão intenso que parecia poder ver minha alma por detrás dos meus olhos. Peguei a caderneta rapidamente e num gesto bruto me voltei a encostar-se ao assento.
Tentei controlar meu estômago, pressionando-o com a palma da mão, que se agitava como se eu tivesse engolido borboletas.
Já o homem ainda estava na mesma posição parecendo encarar o nada.
- Acho que isso é do senhor! - disse quebrando o encanto.
"Eu só podia estar com a sanidade mental comprometida para me encantar por um homem como aquele."
- Obrigada - disse ele se recompondo - Por que tentou roubar minhas anotações?
O quê? O safado achava que eu era uma ladra. Eu podia ser curiosa, mas ladra não.
Meu corpo agiu inconscientemente e a caderneta foi como um tiro de encontro ao seu abdômen.
- Ugrr! - resmungou. - Nunca mais ouse me chamar de ladra. Eu estava apenas te ajudando para que não perdesse suas "preciosas" anotações - "Se é que um homem sem educação sabia escrever."
- Como disse? - Rosnou.
”Aquilo havia saído da minha boca?”
- Nada.
"Che cavolo! (Porcaria!)”.
- A senhorita poderia parar de murmurar frases difamadoras sobre mim!
“Que atrevido!”
- Não, se eu quiser murmurar isso é problema meu! - declarei enfática.
Eu nunca fui deselegante com ninguém, mas aquele indivíduo parecia despertar meu pior lado.
- Faça como quiser então. - rendeu-se. Pensei que a discussão já tinha terminado até ele continuar - Mas porque quis ver minhas anotações? - perguntou com um sorriso curioso.
- Hã… Por nada! Eu apenas achei curioso - declarei.
- Então a senhorita admite que a caderneta não escorregou, mas que você a pegou não é?! - agora ele me desafiava.
Eu só podia ser burra pra ter caído na isca daquele ridículo.
- Haa... Por favor! Que espécie de mulher acha que eu sou? - nem mesmo eu sabia depois das minhas últimas atitudes.
- Uma mulher muito inteligente, de fato! - ao ver meu espanto ele prosseguiu - A maioria das damas nem notariam que eu tinha uma caderneta, apenas focariam em minha presença. Afinal, um homem em vigor como eu, não se passa despercebido.
“Além de atrevido o indivíduo era convencido”.
- E por isso você deduziu que eu fosse inteligente?- rosnei.
- Sim! Você não parece ser - declarou convicto.
- Como assim não pareço? E por acaso, os inteligentes se parecem com o quê? - perguntei irritada.
- Bom… Uma dama com uma beleza tão extraordinária dificilmente teria outras qualidades. Mas pelo que pude ver eu estava errado. - ele disse com um sorriso atrevido e olhos reluzentes.
Parei de responder depois que meu rosto ficou no tom de um tomate.
"Ótimo! Agora eu parecia uma mocinha indefesa".
- Que outras qualidades esta bela dama tem? - perguntou como se questionasse a um engenheiro, o que aquela geringonça que ele criara era capaz de fazer.
Madre mia, quando aquele libertino poria um fim naquele diálogo?
- Muitas outras das quais prefiro não comentar. Afinal, que diferença faz?
- Tem razão! Apenas me deixaria mais desconfortável diante da raridade desta joia ao meu lado.
Ele não poderia parar de falar simplesmente?
- Ella? A senhorita está bem? - perguntou Romeu me salvando do constrangimento.
- Sim Sr.Gatti, obrigada por se preocupar. O pobre homem ao meu lado apenas está se sentindo desconfortável.
Romeu analisou o impertinente, procurando por algum sintoma ou sinal de m*l estar. Ao perceber que o homem parecia bem, voltou seu olhar a mim.
- Está com fome? Posso pegar alguns dos biscoitos de Filomena se quiser. - disse ele segurando no estômago, como se fizesse a pergunta para si mesmo.
- Sim! Eu gostaria muito Dr. Gatti! - declarei com um sorriso gentil.
Os biscoitos eram sempre bem vindos, até quando meu estômago estivesse cheio, pois eram tão leves e saborosos que se podia comer uma fornada e ainda sim não se sentir satisfeita.
- Dr.Gatti, é? - murmurou o impertinente ao meu lado enquanto Romeu procurava os biscoitos em sua bolsa - Gostei dele - declarou cruzando os braços - Ele me deu o seu nome. Ella, não é?
- Para os amigos, é sim - respondi.
- Ella… - disse parecendo degustar a forma como o nome soava em sua boca- Muito parecido com Bella não acha? - perguntou.
- Realmente! Porque de fato é Bella - dei de ombros.
- Nossa! Eu sou mesmo bom nisso - declarou satisfeito.
- Na verdade é Antonella Bella. - disse só para contrariá-lo.
Quando eu deixara de ser reclusa e envergonhada ao conversar com homens? Eu nunca nem sequer havia contrariado meu irmão, muito menos um homem que eu nunca vira.
O que estava acontecendo de errado comigo afinal, para me importar tanto em responder às perguntas sarcásticas?
Romeu me despertou do devaneio e entregou os biscoitos.
- Obrigada - falei pegando a trouxa amarrada, com as preciosidades de Filomena em seu interior.
- De nada! - respondeu ele enquanto comia alguns biscoitos.
Eu não tinha percebido o quanto eu estava com fome até os biscoitos chegarem ao meu estômago.
Aquilo era o paraíso.
Tinha um sabor de mel e alguns toques de baunilha que se dissolviam na saliva. Era tão leve e saboroso que fazia a mão instintivamente levar mais unidades à boca.
- A senhorita faz jus ao seu nome de fato! - disse o vizinho tendo a ousadia de pegar um dos biscoitos sobre o meu colo.
- Ei... - reclamei. - Queria saber se é tão bom quanto parece. A senhorita come como se fosse a sétima maravilha do mundo. Precisei conferir.
Eu não disse nada.
Depois de um tempo o homem soltou um som muito parecido com um arroto.
- O senhor poderia demonstrar um pouco de decência? - perguntei.
- Como disse? - perguntou satisfeito, como se tivesse feito aquele barulho de propósito, só para chamar minha atenção.
- Não se arrota na frente de uma senhorita. Nem mesmo meus irmãos fazem isso.
- Então a senhorita tem irmãos? - perguntou em curiosidade.
- Sim, tenho dois e são muito cavalheiros, devo acrescentar! - declarei.
- Eu não duvido que sejam. Visto que, para aguentar uma moça tão exigente como a senhorita, eles devem ser irreais.
"Agora o impertinente queria me ofender?"
- Bom, eu digo o mesmo para o senhor, caso tenha irmãs. - ao que parecia eu não tinha aprendido a responder à altura e a situação estava cada vez 'melhor'.
- Sim, tenho uma, mas se quiser saber ela não é nem um pouco paciente comigo - riu.
- Nem a conheço e já a admiro! - disse rindo e olhando para outra direção.
- Pode conhecê-la quando chegarmos!
"Quando o homem iria parar com aquilo?”.
- Obrigada pelo convite! Mas infelizmente devo recusar - disse, já que isso significaria ter que reencontrá-lo após aquela viagem.
- Vou avisar isso a ela! - declarou rindo, me olhando de soslaio.
Um longo silêncio retornou, até que ele novamente o quebrou.
- Antes que eu me esqueça - fez uma pausa- gostaria que me desculpasse pelos meus modos pouco cavalheirescos. Eu não sou como está imaginando - disse ele convicto.
- E como acha que eu estou o imaginando? - curiosa.
- A senhorita imagina que eu sou um príncipe que saiu dos livros de histórias encantadas e por isso não sabe como reagir tão próxima a mim. - declarou.
Fiquei pasma, tentei abrir a boca várias vezes para contradizer o indivíduo, mas nada saía.
- Aceito o pedido de desculpas. O resto prefiro excluir da minha memória! - disse pondo um fim naquilo.