P. V. Princesa Kiara
Dizer que os meus dias se tornaram maçantes seria um eufemismo. O tédio corroía-me até o pescoço. Já estava quase pronta para uma rebelião. Papai estava cuidando da minha segurança, e o seu cuidado excessivo quase não me deixava respirar. Já havia se passado uma semana desde a partida de Lien, e eu sentia terrivelmente a sua falta. Às vezes me pegava pensando nos nossos momentos juntos para dissipar a saudade. Ainda bem que eu tinha Sofia para me distrair. Elisa ainda não estava muito bem, então, ultimamente, temos deixado ela em paz. Mas Sofia ninguém controlava; ela era como um furacão, chegando de repente. Hoje, eu iria vê-la no campo de treino.
A encontro, como sempre, na cozinha. Entro e jogo-me no banco à sua frente.
— Tudo bem, qual é o drama desta vez? — ela me olha com os braços cruzados e a sobrancelha arqueada.
— Não aguento mais o tédio deste lugar. Preciso de um pouco de ação. — Sua expressão me diz que talvez, só um pouco, eu esteja exagerando.
— Já pensou que talvez não seja o lugar, mas a falta de um certo príncipe bonitão? — Pelo sorriso no rosto dela, eu sabia que não venceria essa conversa. Então faço a minha melhor cara de tristeza para ver se amoleço o seu coração.
— Essa sua carinha de cachorro abandonado não cola comigo, Kiara. — Pelo seu olhar sério, eu sabia que era verdade. Só me restava conformar-me com o meu destino.
— Eu sinto falta dele. Com ele aqui, as coisas ficam mais agitadas. — Ela me olha como se eu fosse louca. Tudo bem, talvez eu realmente fosse um pouco, mas não era para tanto.
— Será que devo chamar o curandeiro para te examinar? — diz, dando um tapa na minha testa.
— Sofia!
— Não reclame. Ainda bem que tudo está mais tranquilo. — Ela se senta à minha frente, pegando uma fruta na mesa. — Se você quer ação, por que não vai caçar com o rei?
Já havia me esquecido de que papai iria caçar hoje. Mas, não adiantaria: nem se eu implorasse de joelhos ele me levaria. Já imaginava as desculpas que ele daria: "Você é uma princesa, Kiara. Haja conforme a sua posição. Já abri muitas exceções para você." E mais blá-blá-blá. Fazer o quê? Teria que deixar para treinar o meu arco e flecha outro dia.
— Está tendo treino com as mulheres do reino. Por que não vai lá? — Pelo olhar que lancei a ela, não precisei dizer mais nada.
— Ah, claro! A princesa que, segundo eles, nunca pegou numa espada. O que devo dizer após derrotar todas elas? “Me desculpem, devo estar possuída por um espírito ancestral?” Tá de brincadeira, né, Sofia?
— Nossa! O seu humor hoje está insuportável. Quando o príncipe Lien voltar, ele vai me pagar. — Era engraçado ver o seu rosto corado de raiva, mas era bom atormentá-la um pouco, descontar as últimas que ela aprontou comigo.
— Vem. — Ela me puxa pela mão, arrastando-me para fora. — Me ajude a coletar algumas ervas.
— Será que tem alguma venenosa por perto?
— Quem você quer matar?
— Várias pessoas, mas isso não vem ao caso. Preciso aprimorar os meus dardos. — Lembro-me de quando comecei a usar dardos com veneno. Foi uma invenção positiva e muito útil, compensando a minha força inferior. Numa luta com um inimigo real, eu não poderia me dar ao luxo de ser exigente; só precisava ser rápida e eficaz.
— Você não estava pesquisando com o curandeiro?
— Sim, mas tem algumas plantas que envenenam aos poucos. Queria fazer alguns testes. — Ela me olha surpresa. Sofia sabia que eu usava veneno, mas não conhecia a extensão das minhas pesquisas.
— O que você está planejando? — Seu olhar sério me diz que não acredita totalmente no que eu disse. Não posso culpá-la por isso.
— No momento certo, vou te contar.
Entramos na floresta, e Sofia começa a procurar por ervas e cogumelos. Ela os utilizava com bastante frequência na cozinha, mas eu procurava uma planta venenosa da qual pudesse extrair o veneno e adicionar às minhas armas. Após andar uma longa distância, encontro o que procuro. Junto a outras ervas daninhas, lá estava ela: um pé de mata-lobos. Pego um lenço e, com cuidado, arranco a planta.
— O que é isso? — diz Sofia, aproximando-se.
— É mata-lobos. Uma planta extremamente venenosa. Só o contato com as suas folhas já é suficiente para causar alguma reação.
— Eu não sabia disso. E olha que sempre vejo essa planta onde colho ervas.
— Então tome cuidado.
— Mas como ela funciona, Kiara?
— A parte mais venenosa está na raiz, mas as folhas e flores também são. Quando ingerido, com o tempo, provoca danos internos. Os seus órgãos param de funcionar, e você tem uma morte dolorosa. — Ela estava espantada. Poucos conheciam essa erva, e a maioria se envenenava sem ao menos saber o que era.
— É bom saber que ela é venenosa. — Ela para e me olha séria. — Fique longe de mim com essa coisa.
— Não se preocupe. Quero ela apenas para estudar. — Pesquisar plantas venenosas estava se tornando um hobby. Gostava de como plantas aparentemente inofensivas podiam causar tantos danos à saúde.
Após coletar a planta, despeço-me de Sofia e volto para o castelo. Vou direto para o quarto onde faço as minhas pesquisas. Havia várias ervas espalhadas em prateleiras e alguns equipamentos para trabalhar com elas. O meu objetivo com o mata-lobos era criar um veneno em pó que pudesse ser diluído ou usado como estava. Concentrada nos meus resultados, passo o resto do dia no quarto.
— Kiara. — chama o meu pai, batendo na porta.
— Pode entrar, pai. — Ele entra e vem até mim.
— Qual foi a descoberta desta vez? — Pela sua expressão, ele parecia se divertir vendo-me trabalhar.
— Estou trabalhando num veneno de mata-lobos. — Sua testa se enruga em preocupação, enquanto os seus lábios se comprimem numa linha reta.
— Sabe que não gosto que mexa com venenos.
— Sim, mas estou tomando cuidado. E tenho o antídoto. — Mostro a ele um frasco na mesa.
— Posso saber para que você quer esse veneno? — O encaro com um sorriso no rosto.