— E desde quando você sabe cozinhar, Solomon?
— Isso é que é falta de fé em mim, dona Kiara! Aprendi a cozinhar quando estava no reino do rei Alexandre Mandrack. A gente saía muito em missões, então cozinhar era importante, e acabei desenvolvendo essa habilidade. E, modéstia à parte, eu cozinho muito bem. Aposto que até melhor do que você. — Dou um beliscão no seu braço, e ele começa a passar a mão para aliviar a dor. Solomon me olha com cara feia. Eu realmente estava perdendo a moral no grupo, se até ele ousava fazer piada com as minhas habilidades culinárias.
— Chata!
— Chega disso! Não te chamei aqui para falarmos sobre como você é bom na cozinha.
— Então diga o que você quer. Não sei se reparou, mas ainda não aprendi a ler pensamentos. — Realmente, hoje não era o meu dia. A vontade de estrangular Solomon crescia a cada segundo que passava ao seu lado.
— Você tem reparado no comportamento de Elisa ultimamente? — Vejo a sua expressão mudar. Ele fica sério e, assim como eu, parecia ter percebido algo de errado nela.
— Sim! Tenho ficado de olho nela ultimamente. O comportamento dela não me parece normal.
— Tem algo que está me incomodando, Solomon. No dia em que Alder morreu, não me lembro de ter visto Elisa perto de nós.
— Talvez você não tenha visto porque estava concentrada na festa, mas ela estava perto de nós. Não se lembra que foi Nana quem encontrou o corpo de Alder?
— Você está certo, eu tinha me esquecido desse detalhe.
— Mas ainda tem algo nessa história que não me agrada. Preciso investigar um pouco mais. Isso tudo está muito esquisito.
— Concordo com você. O comportamento dela realmente não está normal ultimamente. Estou ficando preocupada.
— Não sei te dizer ao certo, Kiara, mas tenho observado Elisa. Tem algo estranho. Ela sai quase todas as noites e retorna pouco depois. Ainda não vi para onde ela vai, mas vou começar a segui-la a partir de agora.
— Tome cuidado. Não podemos deixar que ela perceba o que estamos fazendo. Pode ser perigoso. Afinal, não conhecemos bem Elisa.
— Tem algo que venho pensando ultimamente. Será que ela tem envolvimento com o último ataque que o príncipe Lien sofreu? Há a possibilidade de que alguém esteja passando informações, e pode ser ela.
— Eu não descartaria essa possibilidade. O comportamento dela realmente mudou muito. Mas o melhor que podemos fazer no momento é investigar mais, para termos certeza de que ela está realmente envolvida.
— Pode deixar. A partir de hoje, vou ficar de olho em todos os passos que ela der.
— Solomon! Você lembra daquele soldado que capturamos vivo? Sabe se ele foi interrogado? Não me lembro de ter perguntado isso ao meu pai.
Vejo ele pensar um pouco e, então, sua expressão muda, como se tivesse se lembrado de algo.
— Infelizmente, Kiara, não tivemos a oportunidade de interrogá-lo. Iríamos fazer isso no dia seguinte, mas ele foi assassinado dentro da cela. Pelo que observamos, foi veneno. Ainda não sabemos o que aconteceu. Os guardas que estavam de plantão foram drogados, e ele foi morto. Não sabemos quem foi o responsável.
— Mas como esses guardas foram drogados? Não é tão fácil adulterar a comida ou bebida deles para que isso acontecesse. — A cada novo fato descoberto, eu tinha mais certeza de que havia alguém infiltrado no nosso meio. Não era possível que tantas coisas acontecessem ao mesmo tempo por mera coincidência.
— Testamos o que eles comeram e beberam naquele dia, e ficou comprovado que foi a água. Quem estava cozinhando era Sofia, e a única pessoa que estava com ela na cozinha era Elisa. Por isso começamos a investigá-la, mas ainda não temos nada concreto.
— Teremos que ter mais cuidado a partir de agora, perto dela. Não podemos deixar que saiba que está sendo investigada.
— Não se preocupe. Já temos alguém trabalhando nisso. Você não precisa se preocupar mais com ela. Apenas tome cuidado e evite falar algo que possa dar pistas sobre o que estamos fazendo.
— Serei cuidadosa a partir de agora. É bom saber que está tudo indo bem.
— Sim! Assim que tiver mais alguma notícia, chamo você num lugar mais reservado e conversamos.
O que mais me intrigava em toda essa história era que quem estava atacando Lien não dizia o motivo pelo qual o perseguia. Esses ataques não faziam sentido para mim, e isso me deixava com os nervos à flor da pele. Seja lá quem for, estava obviamente querendo se vingar dele, mas não nos deixava nenhuma pista sobre o motivo dessa vingança.
Estávamos num beco sem saída e, a qualquer momento, seríamos obrigados a agir, independentemente de saber ou não quem estava por trás disso. Neste momento, nossa melhor aposta era Elisa. Quem sabe investigando ela descobriríamos quem estava por trás de tudo isso. Pensando em como as coisas estavam fugindo do nosso controle, acredito que chegou a hora de fazer uma visita a um velho amigo e cobrar um favor que ele me devia há algum tempo.
Vou até o estábulo e peço para selar Relâmpago. Reúno alguns guardas e parto em direção à floresta, por um caminho que só eu conhecia.
Flashback
Memórias de um dia específico inundam a minha mente. Naquele dia, eu estava chateada. Tinha por volta de 14 anos e queria desbravar loucamente o mundo, mas meu pai não permitia. Afinal, eu tinha um nome a zelar e um reino a governar no futuro. Mesmo assim, num ataque de rebeldia, lembro-me de montar no meu cavalo e sair louca pela floresta. À medida que avançava, as árvores ficavam maiores e mais sombrias. Os raios de sol já não penetravam naquela parte como antes. Não havia vestígios de animais ou sinais de que alguém tivesse passado por ali. Era um lugar sombrio dentro da floresta, onde ninguém em sã consciência se atreveria a entrar.