Finn.
Deixo o som do meu carro ligado baixinho enquanto dirijo lentamente para casa. Minha mente está descansada pela primeira vez em muito tempo, pois apesar de ter dormido a noite inteira no chão, não tive nenhum pesadelo.
A sensação parece de tranquilidade, uma serenidade que não dá para explicar sem conseguir visualizar o rosto de Millie na minha mente. Tudo o que ela me disse, a força que me deu ao confiar em mim, mesmo que não tenha aceitado voltar comigo. Essa última parte ainda me dói e me dá raiva de mim mesmo, mas também me impulsiona. Como prometi, não vou desistir. Ela pode até não me dizer o que eu preciso fazer, mas vou descobrir. Vou melhorar por ela. Vou merecer seu amor.
Minha casa está completamente vazia quando eu chego. O que não faz nenhum sentido já que são seis horas da manhã e Sarah ainda deveria estar se arrumando para ir para a escola. Vou para seu quarto primeiro, achando tudo muito estranho e então verifico que a mochila e o uniforme do colégio estão a postos em cima da cama, mas o resto de todas as roupas estão bagunçadas e o quarto inteiro está uma zona.
Meu coração acelera e eu entro em completo desespero.
-Sarah? -Grito, saindo correndo do quarto esperando que ela esteja em algum outro cômodo.
Vou até o meu quarto, verifico o quarto de hóspedes, a cozinha, todos os banheiros e a área de serviço. A casa está completamente vazia e Sarah despareceu.
Tento controlar o tremor súbito que me atinge e pego o meu celular levando-o rápido com o carregador até a tomada pois a bateria está zerada e ligo para Margareth, a babá, a única pessoa que deixei em casa além de Sarah na noite passada. Fico andando em círculos até onde o cabo extensor me permite, sentindo meus nervos faiscando dentro de mim a cada segundo que se passa e ela não me atende.
Não consigo respirar direito, pois um nó grosso entope minha garganta enquanto os pensamentos castigam minha cabeça. Ontem quando eu saí, estava tudo em ordem e Sarah estava se preparando para fazer a lição de casa... De repente algo surge em minha mente e eu estremeço.
Susan.
Tiro o celular do carregador com dois por cento de bateria e saio correndo em direção a porta, mas ela se abre antes que eu chegue a tocar na maçaneta. Margareth leva a mão ao peito tomada pelo susto ao me ver, ela está com uma bolsa no ombro e ainda está usando o uniforme todo branco de babá.
Tento ficar o mais normal possível, mas tudo vai por algo abaixo quando percebo uma coisa.
Ela não está com a Sarah.
-Senhor, bom dia. -A babá diz, guardando a cópia da chave dentro da bolsa quando se recupera do susto respirando fundo.
Ela é tão baixa e rechonchuda que é difícil ficar zangado com ela, mas eu não me controlo.
-Onde a Sarah está? -Pergunto logo de uma vez, sem me importar nem mesmo em pedir que ela entre ou em cumprimenta-la.
Ela hesita, mexendo com as mãos enroladas na frente do corpo. Sua expressão corporal está tensa e isso me deixa ainda mais nervoso.
-Onde a Sarah está? -Repito, mais baixo, pois minha garganta está se fechando cada vez mais.
Apesar de ter falado baixo, ela se assusta de novo, mas dessa vez desperta do que a estava impedindo de falar.
-A levei para a casa da sua mãe. -Diz ela completamente nervosa pela pressão que faço.
Balanço minha cabeça várias vezes sem entender nada, embora saber disso me deixe um tanto mais aliviado.
-Na minha mae? Porque? Ela passou m*l?
Antes que ela responda, enfio logo a mão no bolso para pegar meu celular, preocupado e com uma sensação angustiante dentro do peito.
-Não. Não está. Mas acordou bem cedo falando que não queria mais ficar aqui. Estava bem triste. -Ela responde vindo até mim para segurar meu ombro como se fosse alguém íntima o suficiente para isso.
Paro com os dedos em cima da tela e minha mente entra em verdadeiro colapso quando me deparo com a expressão de pena no rosto da babá.
-Que história é essa que ela não quer ficar aqui? Aconteceu alguma coisa ontem a noite?
Ela olha para o lado como se quisesse se lembrar ou não quisesse. Sua demora em responder a minha pergunta só me deixa mais nervoso ainda e a um passo de sacudi-la para fazê-la falar de uma vez.
-Não. Estava tudo bem. Ela fez lição de casa, jantou e tomou banho para dormir e então a Sophia veio aqui e...
-Ei, espera! O que você disse? A Sophia? - a interrompo, cada vez mais irritado e sem entender nada.
-Sim. Ela veio aqui. Disse que queria ver a Sarah e..
-E você deixou? Eu acho que deixei muito claro que não quero ninguém na minha casa além da minha mãe e do meu irmão! -Esbravejo, me afastando dela, talvez para sua própria segurança.
Ela vem atrás de mim, com seus passinhos rápidos e irritantes
-Eu sei, mas ela é sua amiga e a Sarah quis que ela ficasse.
Respiro fundo e passo a mão pelo rosto. Não gosto nada dessa história de Sophia ficar em cima da minha irmã desse jeito.
-O que ela fez? Dormiu aqui?
Margareth deixa seus ombros caírem, e lhe dou um certo crédito pois parece arrependida, embora pareça realmente não entender qual foi o seu erro.
-Sim, dormiu com a Sarah. Eu fui dormir no meu quarto e quando acordei a Sarah já estava com uma bolsa arrumada dizendo que não queria mais ficar aqui e a Sophia me mandou leva-la até sua mãe.
Não sei o que pensar. A cada segundo que passa não entendo mais nada. O que merda Sophia fez?
-E porque você não me avisou? Como pode simplesmente pegar minha irmã e levá-la daqui sem o meu consentimento? -Perco a cabeça e esbravejo de novo contra a babá.
Ela pestaneja se afastando de mim,, na defensiva.
-Eu tentei ligar, mas o seu telefone estava desligado. Eu jamais iria fazer algo assim, mas a menina insistiu, estava chorando muito a coitadinha. -Diz ela com a voz e o rosto cheio de pena.
Fecho meus olhos e cerro o maxilar. Não consigo nem imaginar Sarah nesse estado e o pior de tudo é que nem sei o que diabos a fez ficar assim.
-Não sei o que aconteceu, se as duas conversaram ou algo assim, mas fiz o que achei melhor na sua ausência. -Ela tenta explicar de novo e vejo até mesmo largrimas nos seu olhos escuros.
Em outro momento sentiria pena, mas estou revoltado demais e ainda não compreendo o que aconteceu. Só preciso encontrá-la.
-Vou atrás dela.
Sou quase inconsciente de que a mulher coloca a mão no meu ombro e se joga bem na minha frente em mais uma ação de i********e e isso me tira do sério.
-Sai da minha frente, eu preciso sair...
-Não sei se você está em condições para...
-Você não me conhece... É melhor sair. -A ameaça simplesmente sai, não sei mais me controlar.
Ela deglute e assente, só agora se dando conta do medo que está sentindo. Eu não encostaria um dedo nela, mas se é preciso que ela pense o contrário para me deixar sair, não me importo
Mal sinto o volante em minhas mãos quando o seguro e ligo o carro. Todo meu corpo está eletrizado como se eu estivesse a todo instante passando por várias ondas de choque. Ainda não faço ideia do que diabos Sophia fez para deixar Sarah tão assustada a ponto de querer sair de casa, mas sei que foi algo terrível e a odeio a cada batida do meu coração.
O trânsito pela hora da manhã não ajuda no meu estado intenso de euforia e enfio o carro por cada espaço vazio que encontro sem me importar de sair raspando com os outros carros. Me sinto tão fora de mim que é como se estivesse possuído pela raiva. Sarah é a única pessoa que precisa de mim para tudo, sou tudo o que ela tem e não posso deixar de me culpar por cada segundo que passei longe dela, em que não a protegi de todo mundo, inclusive de Sophia que nunca achei que pudesse fazer nada contra minha irmã.
Quando finalmente chego, estaciono o carro de qualquer jeito no meio da rua e vou correndo até a porta de casa. O carro da minha mãe está na calçada e isso me alerta e tranquiliza ao mesmo tempo. Ela já devia ter saído para o trabalho, mas se está em casa significa que está com Sarah. Ou é isso que espero.
A maldita porta não abre quando empurro a maçaneta. Está trancada e eu não estou com a minha copia. Nem penso em tocar a campainha, só começo a socar a porta chamando por minha mãe, por Nick e por Sarah.
Me sinto prestes a arrebentar a madeira quando ela finalmente se abre. É minha mãe que atende. Ainda está de pijama e seus olhos estão inchados claramente de choro recente, o que só piora meu estado de ansiedade.
-Mãe, o que aconteceu, cadê a Sarah? -Falo primeiro, esticando o pescoço para ver por cima de sua cabeça.
Ela coloca as mãos na cintura, barrando minha passagem quando tento entrar em casa.
Que merda é essa?
-Cadê. A. Sarah. -Pergunto de novo, por entredentes para evitar gritar.
Ela levanta a mão para mim, de um jeito que sugere que eu cale a boca.
-Entra, mas fale baixo! -Alerta ela, entoando a voz de um jeito frio, como se estivesse se preparando para esse momento a horas.
Confirmo com um gesto de cabeça, apenas para fazê-la sair da minha frente.
Ela me deixa entrar com um movimento hesitante e fecha a porta no instante que passo. A sala está meio bagunçada, alguns brinquedos estão jogados pelo chão e há uma coberta cor de rosa em cima do sofá, mas Sarah também não está lá.
Vou em direção as escadas, sabendo que o único lugar onde ela pode estar é no quarto, mas minha mãe segura meu braço.
-Você não vai subir lá em cima. -Diz ela com firmeza prendendo seus dedos no meu braço com muita força.
Minha respiração fica cada vez mais acelerada, mais quente, mas consigo me controlar ao ponto de não apenas puxar meu braço. Não estou entendendo p***a nenhuma.
-Ela está lá em cima? -Decido perguntar, embora a resposta esteja muito clara. Ela não responde, apenas me olhando, parada, sem mexer nenhum músculo. Há um misto de pena com preocupação evidentes em seu olhar. -Mãe, o que foi que aconteceu, da pra você me explicar?
Com isso ela me solta completamente, junto com uma respiração dificultosa e pesada dando também um passo para trás colocando uma mão sobre o cabelo.
-Ela sabe de tudo.
Minha pulsação para de repente, cessando a velocidade numa parada abrupta.
-Sabe de tudo o que? -Tenho que perguntar, mas lá no fundo, o medo está sendo mais forte do qualquer vontade que eu tenha de escutar a resposta.
Ela vai até o sofá e afasta gentilmente a coberta de Sarah para se sentar e segurar a cabeça entre as mãos. Não quero acreditar no isso parece, pois só posso estar tendo o pior pesadelo da minha vida. De novo.
-Sabe que você é irmão dela. Que a Susan tentou matar o Marvin, mas que ele está vivo. Sabe que seu pai...
-Não. -A interrompo. Movendo minha cabeça de um lado para o outro recusando cada palavra que escuto. -Não, p***a! Não é verdade!
Vou até ela e pressiono as mãos em seus ombros, fazendo com que seu tronco vá ligeiramente para trás. Espero que ela fique com raiva e diga que disse isso para me castigar, mas está chorando e isso é a confirmação que não quero ter.
-A Sophia contou tudo. -Ela diz, ainda lutando contra as lágrimas em seus olhos.
A solto depressa. Minha cabeça vai explodir.
-Nao. Não não. -Seguro os dois lados das têmporas esperando que a dor pulsante dentro da minha cabeça passe.
A dor de saber que Sarah descobriu é intensa, mas a raiva de Sophia se torna bem maior do que tudo. Ela sabia que eu não tinha contado, que eu precisava de um tempo para pensar e chegar em uma forma melhor de dizer isso e mesmo assim, depois de tudo...
-Ela quer de vingar de mim! -Grito comigo mesmo quando chego a essa conclusão e me afasto de minha mãe.
As coisas se tornam tão claras em minha mente que agora, mesmo que eu não queira, consigo ver tudo. Sophia ficou furiosa quando eu disse que não podíamos mais nos ver, quando contratei outra pessoa para ficar com Sarah e isso só piorou depois que encontramos com Millie naquele prédio, quando corri atrás dela.
-Porque ela queria isso? O que você fez com ela? Meu Deus, eu não consigo entender. -Minha mãe chora ainda mais, movendo sua cabeça também num gesto negativo.
-Eu não fiz nada! -Grito de volta. -Ela quis ficar comigo e eu não quis, foi só isso!
Não sei pra que ainda tento me defender. É claro que minha mãe pensa que sou um monstro, que provavelmente fiz uma coisa horrível com Sophia para que ela pudesse ter coragem para fazer isso, mas sinceramente, se ela acredita ou não, não me importa.
Quando dou por mim, estou correndo para as escadas, subindo a toda velocidade enquanto ignoro os gritos da minha mãe que me pedem para não fazer isso. Que se dane. Sarah já sabe, nada vai me parar até que eu veja que ela está bem, que não me odeia.
Minha mãe não chega a tempo de me impedir quando simplesmente abro a porta do meu antigo quarto e encontro Sarah deitada em cima da cama. Está dormindo toda encolhida, mas seu rosto demonstra o quanto deve ter chorado até pegar no sono. O quão vulnerável ela é. O quão pequena e solitária está em cima da minha cama.
Fico parado observando, impactando com a visão tão delicada da minha irmã ali e então minha mãe consegue me alcançar e puxa meu braço.
-Saia daqui! Ela não quer ver você. -Ela sussurra, me empurrando para que eu saia da porta do quarto.
Suas últimas palavras me inflamam como brasa, esticando e machucando minha pele.
Ela não quer me ver?
-Me solta. Ela vai embora comigo! -Tento fazê-la me soltar mas só uso força o suficiente para não machuca-la.
Ela me empurra com mais força ainda.
-Não. Ela vai ficar aqui! -Diz ela com determinação furiosa ainda tentando não gritar para não acordar Sarah.
Não entendo isso. Como ela pode estar com raiva de mim? Vendo que não vou conseguir fazê-la me soltar grito, em completo desespero e sem opções:
-Sarah! Acorda! Nós vamos para casa!
Minha mãe para de me empurrar e Sarah se mexe na cama. Estamos os dois lutando por espaço no vão da porta, mas ninguém se mexe mais. Sua mão está apertando meu punho e a outra está agarrada no batente
Sarah ergue a cabeça num movimento lento e preguiçoso, mas seus olhos se arregalam rápido quando ela olha para nós dois na porta. Olha para mim.
Ela se senta encolhendo as pernas e seus lábios começam a tremer.
-Não. Eu não vou. -Diz ela firme, embora esteja nitidamente assustada.
Minha mãe solta um suspiro. De pena, mas de alívio também, como se quisesse ouvir exatamente isso. Não dá para acreditar. É impossível.
-Vai sim. Levanta daí e vamos! -Insisto, controlando minha voz para ser firme, embora tudo em mim esteja se desfazendo com essa rejeição. Não aceito isso. Não dá.
Sarah vira o rosto para o lado como se não conseguisse mais ouvir minha voz nem me olhar.
-Pronto. Ela não quer ir, agora saia daqui. -Minha mãe volta a falar, dando um empurrão que me faz sair para o lado de fora do vão dá porta.
Olho bem para ela, sem conseguir compreender como ela pode ser tão incompreensiva desse jeito, como ousa retirar a autoridade que eu tenho. A única coisa que eu tenho. Como ela pode querer afastar minha própria irmã de mim. De repente percebo, estou com raiva de tudo e dela principalmente.
-Quem você pensa que é para me dizer o que eu tenho que fazer? Sai da frente, ela vai comigo!
Agarro seu braço com força, mas solto depressa no mesmo instante. Não posso me descontrolar ainda mais, só quero que ela não continue fazendo isso.
-Ela não quer ir! -Dessa vez ela grita, depois de encarar o punho que eu tinha apertado a poucos segundos atrás.
-Ela não tem que querer. Ela mora comigo, sou responsável legal por ela, posso fazer o que eu bem entender!
Minha mãe sacode a cabeça de um lado para o outro completamente decepcionada comigo, com minhas palavras, mas não sou mais capaz de me importar. Foi ela que me fez chegar a tanto. Quando ela não responde, enxergo a oportunidade de finalmente sair daaqui.
Consigo me enfiar por baixo de seu braço e entro dentro do quarto. Sarah continua virada de lado, mas está tampando os ouvidos.
-Sarah, eu não vou falar de novo! Levanta daí, você vem comigo!
Quando chego a tocar o seu ombro ela grita. Não um grito qualquer, um grito cheio de medo e horror seguido por um choro intenso que me parte ao meio e me paralisa.
-Olha o que você está fazendo? Está assustando ela!
Minha mãe me dá um empurrão com o ombro e eu vou para o lado. Ela corre para cima da cama e pega Sarah em seus braços e começa a balança-la, mas mantém seus olhos em mim o tempo todo.
-Sai daqui. Você não vai chegar perto dela. -fala somente mexendo os lábios, sem dizer uma palavra para que Sarah não escute.
Minhas mãos se fecham em punhos, mas sei que preciso sair. Preciso ficar longe pelo menos até que Sarah se acalme, pois nem mesmo sei o que diabos estou sentindo ao ve-la assim. Tão triste, tão desesperada para ficar longe de mim.
Saio do quarto batendo a porta com força e desço até a sala de estar onde começo a andar em círculos tentando também me acalmar. É apenas uma reação natural. Ela não está com medo de mim. Não está com raiva. Só está chateada e vai entender. Vai entender tudo assim que parar de chorar e vir comigo.
Minha mãe fica lá em cima por um longo tempo até que os barulhos de choros sumam e minhas pernas já estão cansadas de andar de um lado para o outro. Quando ela desce, está com a cara mais fechada do mundo, mas só consigo me focar no fato de que Sarah não está com ela. Paro de andar e respiro fundo.
-Cade ela? -Pergunto baixo. Não quero mais brigar, nem conversar, só quero Sarah.
Ela cruza os braços ainda parada no topo das escadas, me olhando de cima como se fosse capaz de me matar só com seu olhar. Nunca a vi tão fria desse jeito.
-Ela vai voltar a dormir, e vai ficar aqui.
Bufo, e puxo um punhado de cabelo. Ela não desiste nunca.
-Chega tá, mãe. Pode parar com isso mande ela descer e...-Me interrompo quando a vejo descer as escadas rápido vindo na minha direção.
-Sim, já chega. Você, vai embora da minha casa! -Ela passa por mim como um vulto e vai direto para a porta de casa.
Fico tão surpreso que não posso acreditar quando ela realmente abre a porta e aponta para fora, querendo me enxotar. Não tenho como evitar, vou lá e fecho, puxando a porta de seu alcance.
-O que deu em você? Ela não é nada sua!
Ela tem um tremor no rosto. Parece que vai explodir também e quase chego a me arrepender do que eu disse.
-E você não é dono dela! Não é possível que não se dê conta do que está fazendo. -Ela me empurra de novo e eu já estou cansado disso, seguro sua mão no ar.
-Ela é minha irmã, você não pode me impedir de fazer nada. O que é? Você nem gosta dela, se acha que vou embora e vou deixa-la aqui com você, está completamente louca!
Meu rosto vira violentamente para o lado quando ela me dá um tapa com a mão bem aberta. Sinto o ardor começar a se espalhar pela região, mas nenhuma dor me atinge, só a surpresa.
Seguro o lado do rosto atingindo e olho para ela sem acreditar nisso.
Ela está com o peito subindo e descendo, olhando para mim com o rosto contorcido em uma careta de desprezo, misturado com nojo, mas nenhum tipo de arrependimento.
Ninguém diz nada por um longo tempo, mas sinto que esse gesto acabou de nos dividir, nos separou muito mais do que antes.
Quando sua respiração se acalma ela dá um passo para trás e segura a maçaneta, sem abrir e sem tirar os olhos de mim.
-Você odeia tanto o seu pai por ter mentido a vida toda sobre a Sarah, mas age igualzinho a ele. Teve a oportunidade de evitar tudo isso, mas o que você fez? Mentiu, enganou, escondeu igual a ele.
Isso dói muito mais do que qualquer tapa que ela poderia ter me dado. É onde tudo acaba. Para sempre.
-Como você ousa me comparar com ele? -Minha voz sai diferente de qualquer coisa que já ouvi na vida. Minha boca está seca, amarga e eu não consigo mais enxergar direito pois lágrimas turvam minha visão.
-Estou cansada de te tratar como uma criança que não pode ouvir a verdade. Estou cansada de pisar em ovos com você e tentar te proteger de tudo. Você é um homem feito. Tem vinte e quatro anos e já está mais do que na hora de encarar as consequências dos seus atos, não é mais minha responsabilidade. -Diz ela, com a voz tão fria quanto a minha.
Somos dois desconhecidos um na frente do outro e não há nenhum vínculo de mãe e filho existente.
Pisco os olhos para me livrar das lágrimas e assim e ela acompanha com o olhar as que escapam dos meus olhos. As únicas. As últimas.
-Você vai mesmo fazer isso? Tirar a única coisa que eu tenho de mim? -Faço a pergunta definitiva.
Ela faz que não, mas abre a porta outra vez.
-A Sarah precisa de tempo. Quando ela quiser e se ela quiser você pode vir buscá-la, enquanto isso não apareça na minha casa de novo.
Dessa vez ela não se contém e sua voz treme. Traindo suas próprias palavras. Nunca pensei que um dia ouviria isso, nunca pensei que dentre todas as pessoas ela iria se virar contra mim.
Uma voz dentro de mim insiste em me dizer que ela tem razão apesar de tudo, a voz que estou tentando conter e não escutar a muito tempo e que agora parece cada vez mais insistente.
-Se você não sair...
-Eu já vou. -Corto de repente, surpreendendo ela e eu ao mesmo tempo.
Minha vontade é de ignorar essa culpa,, de jogar tudo para o alto e subir para pegar minha irmã. Mas não consigo mais encarar seu olhar de desprezo, não consigo mais fingir que isso não me machucou e que não está doendo. Não consigo conter o remorso e a dor.
Quando saio escuto com nitidez o barulho de suas costas se arrastando na porta quando ela desmorona no chão dentro de casa e sinto uma força interior me puxar para ir até ela. Pedir perdão, pedir perdão a Sarah, a todo mundo. Mas então me dou conta. Não adianta mais. Ninguém vai querer me ouvir, ninguém vai acreditar porque cada vez que alguém acredita, eu vou lá acabo com tudo de novo.
O que foi que eu fiz?
Millie deixou isso claro, que não posso pedir desculpas se vou fazer outra vez e eu não escutei. Não dei bola. Ela provavelmente vai me odiar também, assim como todo mundo. Achei que estava me recuperando, que Millie tinha me dado força quando depositou sua confiança em mim, mas tudo é só ilusão, pois não dá para fugir do inferno quando você é o próprio d***o.