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Finn..
Millie parece estar em algum lugar perdido entre as sensações de choque e pânico que são bem evidentes em sua expressão. Seus olhos estão brilhando para mim, refletindo as luzes que pairam sobre nós em tons de pink e vermelho.
Seus lábios estão meio abertos deixando escapar uma respiração suave, desacelerada e calma.
Estou completamente entregue ao momento, segurando seu corpo comigo enquanto mantenho um ritimo lento em meio ao balanço da música, embora a tranquilidade seja algo superficial que venho tentando manter desde que pus meus pés aqui dentro.
Ela foi a primeira pessoa que vi quando cheguei e mesmo com a pouca iluminação ainda fui capaz de reconhece-la. Estava de costas, dançando com o cara que acabei de dispensar daqui e o qual não conheço, mas que já detesto. Ele estava com as mãos nela. Não de um jeito sugestivo, mas de um jeito que também não gostei. Como um apoio do qual Millie estava precisando e não pude controlar o ciúmes possessivo que tomou conta de mim naquele momento.
Experimentei o gosto amargo do sentimento de perde-la, algo que vim lutando a vários meses para não sentir. Vi que enquanto eu estive fora de mim achando que estava fazendo o melhor para nós dois, na verdade estava perdendo-a cada vez mais de um jeito irreparável. Colocando uma barreira entre nós que ainda não sei se consigo ultrapassar, nem mesmo agora que a tenho em meus braços.
O medo me deixa aflito, com a sensação de que esse momento de paz antes de Millie se dar conta do que está acontecendo está próximo do fim e que quando ela cair em si, vai me rejeitar e me mandar ir embora.
Tomado pelo desespero aperto seu corpo ainda mais contra o meu, aproveitando cada segundo que parece insuficiente para deixar seu cheiro invadir meus sentidos. Coloco seu cabelo para o lado e enfio o rosto em seu pescoço sorvendo com o nariz e com os lábios cada partícula de sua fragrância doce, faminina e quente onde minha respiração bate contra sua pele arrepiada.
Ela sente isso também. As chamas que ardem entre nós como um incêndio. Sei disso pela forma como seus dedos apertam meus ombros a ponto de fazer com que eu sinta as pontadas de suas unhas mesmo por cima do meu terno. Sua respiração se acelera e ela deixa a cabeça o mais inclinada possivel afim de que eu continue com os beijos.
O som da música ao nosso redor parece distante, como se estivessemos sozinhos enclausurados dentro de uma bolha de sabão suspensa no ar, longe do chão e de qualquer outra pessoa.
Não faço ideia do porque ela me permite fazer isso. Talvez seja por causa da surpresa, que a impede de raciocinar logicamente, ou ainda um impulso maior do qual ela não consegue escapar e me aproveito disso sem nenhuma vergonha do que faço.
Me privei de seu contato por muito tempo e sinto que sou incapaz de deixa-la de novo. Preciso disso, como preciso do ar para respirar. Nesses últimos dias vivi a base de algo substancial que ficou em mim, mas que agora não é mais suficiente para me manter vivo e é por isso que necessito dela. Como um doente que passa anos respirando por aparelhos e que quando acorda quer roubar cada pedaço de ar puro que consegue. Estou fazendo isso. Acordando de um coma, sem mais sobreviver e sim louco para viver. E viver junto com ela.
Esse momento dura uma eternidade em minha mente, mas a realidade ressurge quando percebo que as luzes da festa estão mudando para cores mais vividas, a música lenta está sendo subistuida por batidas mais agitadas e o som das vozes e risadas das pessoas estão se tornando cada vez mais nítidas em meus ouvidos.
A nossa bolha estoura pulverizando no ar em mil pedaços e Millie empurra meu peito me deixando sem meu suprimento de oxigênio.
-Você é louco! Me larga! -Ela resmunga entredentes cheia de raiva enquanto tenta novamente me afastar.
Permaneço com os olhos fechados. Rezando para que aquele momento não tenha chegado ao fim tão depressa e não a solto. Não posso fazer isso. Não quero. E não vou.
-Esta todo mundo olhando. Se você ainda tem um pingo de respeito por mim é melhor me soltar. -Ela avisa de novo e eu abro meus olhos.
Estamos apenas nós dois no meio do tablado de vidro. As luzes e a fumaça desapareceram e todas os convidados da festa formaram um círculo aberto a nossa volta. Estão olhando em nossa direção e eu permaneço agarrado a cintura de Millie e ela mantém suas mãos em meu peito mas está com a cabeça abaixada e distante. Está com vergonha e está cheia de raiva também.
Não consigo me mover. Me sinto desesperado e congelado. Só vejo duas mulheres cochichando uma para a outra com as mãos tapando a boca quando soltam risadas m*l disfarçadas. Estão rindo de mim, mas sei que não. Se fosse não me importaria. Estão rindo dela. Porque a alguns meses atrás participei de um programa de Tv onde falei para o mundo todo que Millie e eu nunca tivemos nada.
Uma outra mão toca meu ombro.
-Esta tudo bem aqui?
É David que chega sussurrando, mas só está fazendo isso porque não quer chamar mais atenção ainda, pois seu rosto me diz que quer mesmo é gritar.
Millie levanta a cabeça e olha para ele.
-Tire ele daqui. Ele está fazendo o maior vexame. -Suplica ela colhendo as mãos que antes estavam se apoiando a mim.
David solta uma respiração pesada. Está irritado e embaraçado. Lá no fundo enxergo que além disso está morrendo de pena de mim.
-Esta bem, Finn, vamos parar com isso. Solte ela. -Pede ele, forçando sua mão pesada ainda em meu ombro.
Encaro Millie na minha frente e ela só consegue mover sua cabeça com desgosto sem olhar diretamente para mim ainda completamente envergonhada.
Minhas mãos relutam quando tento me afastar, mas consigo abrir as palmas e Millie dá um passo para trás imediatamente para fugir e vai para os braços de David. Toda a determinação que construí para vir até aqui vai se transformando em um denso vazio.
-Vem aqui. Vamos conversar a sós. Nós três. -David avisa, ainda protegendo a cabeça de Millie em seu ombro e não espera por uma resposta minha.
Sai andando rápido dando suporte a ela por causa da bota. Eu os sigo. Mais porque não consigo mais ficar longe dela do que por causa do constragimento.
Enquanto passamos as pessoas continuam olhando interessadas e sinto vontade de gritar com elas, perguntar o que estão olhando ou mandarem se foderem, mas não faço isso. Sigo calado com a cabeça abaixada para não ter nenhum registro disso guardado em minha mente.
David vai até a frente do hotel, onde tem o balcão com o posto dos seguranças. Estão todos preparados, tocando seus bolsos como se fossem sacar armas a qualquer momento. Sinto a adrenalina começar a reativar meu corpo, achando que vão me expulsar da festa ou pior, me dar uma surra. Mas estão vejo mais pessoas ali. A namorada de David, Oliver, Rose e o sujeito com quem Millie estava dançando.
Estão preocupados. Dá para ver pelas caras de espanto. Assim que David se aproxima e chega até eles eu paro de andar a uns dois metros de distância. Millie abraça Lilian e um dos seguranças deixa seu posto como se fosse para vir na minha direção, mas para quando David coloca a mão em seu braço.
-Esta tudo bem. Ele está comigo. -Diz ele para o segurança.
-Sim, é meu convidado. -Oliver completa, apesar de nitidamente não estar nenhum pouco feliz em ter que me defender.
Mas ele tem que fazer isso. Não só por causa de Millie, mas porque sabe que posso estragar sua vida se contar o seu segredo.
O segurança relaxa e volta a ficar parado como uma estátua atrás do balcão junto com os outros.
David passa a mão pelo cabelo, parecendo exausto e furioso. Rose e Lilian se ocupam em ficar em cima de Millie, mas ela não está chorando. Só está parada olhando para frente confirmando com um a aceno de cabeça quando alguém faz alguma pergunta.
-Por que é que quando vocês dois estão juntos sempre acontece um escândalo? -David vocifera depois que as portas dos dois lados são fechadas deixando-nos sozinhos no ambiente.
A pergunta não é para ninguém exatamente. É mais como um lamento. Algo que ele constatou e que não precisa de resposta.
-Vamos manter a calma. Não aconteceu nada demais. -Lily tenta amenizar a situação com David. Depois olha para o cara esquisito que está encostado na parede com os braços cruzados. -Romeo, o que foi que aconteceu?
Ele olha para mim com as sobrancelhas juntas, depois olha para Millie. Me sinto estranho no mesmo segundo, pois percebo que minha desconfiança não é totalmente infundada. Ele tem sentimentos por ela.
-A Millie não estava se sentindo bem. Estávamos tentando encontrar vocês e esse cara chegou e puxou ela de mim.
Parece que recupero a voz e os sentidos. Meu sangue ferve. Do jeito que faz quando não consigo mais me controlar.
-Como é que é? -Berro para ele já caminhando em sua direção.
Ele não se retarda. Não tem nenhum pingo de medo de mim e isso é um estímulo maior ainda.
-Foi o que aconteceu. -Repete ele. está com menos raiva do que eu, mas não me importo.
-Foi o c****e! Não puxei ninguém p***a!
Chego perto, mas David me para segurando meu ombro. Me viro para ele que está com seu rosto com uma coloração anormal de vermelho. Ele bate o dedo contra meu peito, furioso para defender o imbecilzinho que ainda não faço a menor ideia de quem seja.
-Olha aqui, se você fizer qualquer coisa...
-Parem com isso.
Viramos todos ao mesmo tempo quando ouvimos Millie pedir. Ela não grita. Só pede com um tom baixo. Lily sai de sua frente e eu posso vê-la de novo. Não está irritada, nem triste, nem p***a nenhuma. Parece apenas exausta com os braços cruzados na frente da barriga e o rosto olhando para o nada.
-Millie, vamos para casa. -David diz saindo de perto de mim para ir até ela.
Ela move a cabeça negativamente.
-Não. Eu vou conversar com ele. -Afirma ela com precisão.
Eu conseguiria me sentir feliz em ouvir isso, se não fosse por sua falta completa de expressão. Ela se volta para o tio e estende a mão.
-Quero a chave de algum dos quartos. Não vai demorar muito.
Oliver levanta bem as sobrancelhas, surpreso com o pedido. Depois encara David e a mim, como se quisesse saber se deve fazer o que ela está pedindo.
-Vai. Se ela quer ir... -David desiste depois de ficar o tempo todo em silêncio.
Oliver pega o celular no bolso e manda uma mensagem para alguém.
-Tenho que voltar. A Gia vai ter que descer as escadas e vou entrar com ela para a festa. A recepcionista vai vir deixar a chave do quarto então usem o terceiro elevador. Ele está travado para que ninguém use então não vão se encontrar com nenhum dos hóspedes. -Instrui ele passando a mão na testa limpando o suor que ficou ali.
Ele se volta para Millie e segura seus ombros.
-Fred e os meninos estão aqui. Se você estiver se sentindo bem, depois desça para cumprimenta-los, está bem?
Millie confirma com um aceno de cabeça e abraça forçadamente o tio. Não faço ideia de quem sejam essas pessoas que ele acabou de citar, mas como ele usa isso como um estímulo para que Millie volte para a festa desconfio que sejam o tio e os primos dela que vieram de Londres.
Antes de Oliver sair, ele vem até mim. Está emburrado, mas tenta disfarçar com uma tosse.
-Tome cuidado com o que está fazendo. Se sair mais um milímetro de controle não posso fazer mais nada para ajudá-lo. -Ele alerta baixo, para que só eu escute.
A ameaça embora verdadeira é completamente infundada. Ele vai fazer qualquer coisa por mim.
-Não vai ser do controle. -Mesmo assim o tranquilizo.
Assentindo ele ajeita a lapela do terno e sai fechando a porta logo em seguida.
-Não acho que seja uma boa ideia. A Millie não estava se sentindo bem. -Romeo diz, antes de sermos abençoados pelo silêncio.
Permanece de braços cruzados e parece um i****a com cabelo grande ridículo nada a ver com a quantidade de tatuagens em seus antebraços. Odeio esse cara, mas me preocupo com o que ele diz.
-Você está se sentindo melhor, querida? -Lily pergunta, passando a mão suavemente pelo braço de Millie.
Ela assente com a cabeça abrindo um sorriso educado. Fico menos tenso quando ela confirma, mas sei que boa parte disso é fingimento então a sensação não dura muito. Pelo menos serve para calar a boca do i****a, que vira o rosto claramente não gostando nada disso. Problema dele. Millie quer e vai conversar comigo.
Quando a recepcionista chega com a chave do quarto, Millie pega rapidamente sem esperar que a mulher pelo menos entre dentro da sala.
Ela passa por mim como um vulto sem dizer nada para ninguém indo em direção ao corredor dos elevadores. Eu vou atrás, mas deixo uma distância considerável entre nós no meio do caminho.
A ansiedade vai me tomando cada vez mais e quando estamos sozinhos dentro do elevador solto um pouco do ar que nem sabia que estava prendendo. Ela fica na minha frente, com os braços cruzados e a perna boa batendo contra o piso.
-Ei, você...
-Cala a boca. Só vou conversar com você lá dentro e depois acabou. -Me corta ela deixando que a raiva e a impaciência tome conta de suas palavras.
Eu me calo realmente, não porque ela pediu, mas porque fico pensando no que disse. Como assim depois acabou? O que acabou?
As portas do elevador se abrem no vigésimo andar e Millie sai em disparada mexendo na chave em sua mão a procura do número do quarto. Ela encontra a porta que fica no final do corredor e tem dificuldades para conseguir abri-la de início.
Fico com vontade de pedir para ajuda-la, mas ainda estou tentando não ficar maluco com o fluxo com o qual as coisas estão acontecendo.
Depois de umas duas tentativas ela finalmente consegue girar a chave na fechadura e a porta se abre.
O quarto é grande. Talvez um dos maiores do hotel e é altamente luxuoso. A decoração é clean, cinza e branco com um grande quadro de uma pintura amarronzada em cima da parede onde a cama está encostada.
Espero que Millie entre mais para dentro para poder entrar e fechar a porta. Ela vai direto até ao frigobar preto perto da cama e se abaixa para ver o que tem lá dentro. Ela mexe em tudo até descobrir que não tem nada do seu agrado e grunhi pegando uma bandeja com várias miniaturas de frascos de bebidas.
Vai ate a cama e coloca a bandeja nas pernas. Abre o primeiro frasco, um Bourbon com um vidro verde escuro e vira todo o conteúdo para dentro bem rápido em uma só engolida.
Faz isso com as próximas cinco garrafinhas e eu assisto a cada movimento sem dizer nada mas cheio de angústia por vê-la dessa forma. Quando ela vai abrir a sexta garrafa, não posso mais ficar olhando.
Vou até onde ela está e puxo a bandeja de suas pernas quando fico de joelhos na sua frente
Ela passa o braço pelos lábios para limpar os resquícios de bebida e joga a garrafa que estava em sua mão de volta na bandeja. Não encontrá-la chorando é um alívio, mas vê-la dessa forma impassivel me deixa muito preocupado.
-O que você pensa que está fazendo? -Pergunta ela calmamente sem gritar, mas cruza os braços novamente deixando sua cabeça erguida para me encarar.
Engolindo em seco por finalmente conseguir fazer com que ela falasse alguma coisa, deixo a bandeja no chão.
-Eu quero conversar. -Respondo sem levantar minha cabeça. Agora que isso começou, não sei mais como agir.
-Conversar o que?
-Com você, sobre nós dois e tudo mais.
Millie começa a rir. Como se eu tivesse acabado de contar a melhor piada do mundo então eu olho para ela de novo. Isso não é efeito da bebida, tenho certeza.
-Cadê a Sophia? -Pergunta ela de repente, quando para com seu ataque de risada, mas mantém um sorriso estranho no rosto.
-Como eu vou saber? Eu estou aqui. Com você. -Enfatizo bem a última parte.
Ela bufa de forma descrente e levanta da cama. Quando passa por mim sinto o tecido fino de seu vestido roçar em meu braço.
-Você não trouxe ela? Que grosseiro. Ela deve ter ficado muito triste com isso.
Me levanto do chão também, vendo que ela está parada perto da janela, bem distante de mim. Esperei que em algum momento o assunto de Sophia fosse surgir, mas não que isso fosse ser a primeira coisa que ela falaria.
-Eu e ela não estamos juntos. Não tinha porque trazê-la aqui.
Millie balança a cabeça negativamente, como se estivesse discordando de mim e decepcionada. Ela dá um passo lento na minha direção, analisando bem meu rosto e ergue o dedo para mim:
-Você me disse que não tinha nada a oferecer para mim, mas para ela você tem não é? A sua companhia, suas conversas, deixou que ela te tocasse, que ficasse com você! -De repente ela grita até seu rosto ficar vermelho e perder o fôlego.
Fico assustado com a mudança brusca de humor e desesperado ao ouvir essa acusação. Sem pensar direito vou até ela e seguro sua mão.
-Estou aqui agora. Conversando com você. Deixando que você me toque! - Digo arrastando sua mão em meu peito.
Ela encolhe os dedos para se soltar e grunhe entredentes quando eu não alivio a pressão.
-Me solta. Agora já é tarde. Você estragou tudo... -Ela quer parecer firme, mas sua voz treme sinalizando que está bem perto de começar a chorar.
O som de sua voz trêmula me deixa com a garganta apertada e com a mesma sensação do Pânico quando escuto seu choro em meus pesadelos. Não posso deixa-la chorar ou vou entrar em desespero e sair correndo.
Solto sua mão bem rápido para segurar seus braços antes que ela escape de novo. Ela mantém a cabeça abaixada e seus ombros começam a sacudir, mas nenhum som escapa.
Seguro seu rosto com as mãos e começo a limpar as lágrimas qua escorrem bem depressa.
-Não chora. Por favor, eu imploro.
Millie franze o cenho e deixa um soluço escapar.
-Você vai me mandar calar a boca de novo? É isso?
Ela tenta se afastar de mim, mas eu a seguro.
-Não. Não é nada disso... -Faço uma pausa, decidindo que dizer a verdade é a única saída para conseguir me explicar, embora saiba que ela pode não acreditar em mim.
-E o que é então? -Insiste ela tentando me empurrar de novo.
Todos os flashes do pesadelo retornam na minha mente e eu me afasto soltando seus braços. Me virando de costas começo a balançar a cabeça tentando me livrar das imagens, mas elas nunca vao embora.
-Estou tendo pesadelos com você. Seu choro me faz lembrar e isso está acabado comigo. Estou louco. -Explico puxando um punhado do meu cabelo tentando aliviar a confusão da minha mente com a dor.
Ela não diz nada por um tempo, mas para de chorar. Não sei se foi por que eu pedi ou porque simplesmente não quer mais, mas me sinto grato pois as imagens vão se dissipando da minha mente.
-Como são esses pesadelos? -Pergunta depois.
Abro meus olhos descobrindo que as palmas das minhas mãos estão completamente suadas e que minha respiração está muito acelerada.
Só depois de uns segundos me viro para ela. Millie voltou a ficar perto da janela e está agarrando o próprio braço.
Vou andando até me sentar na cama e passo a mão pelo cabelo úmido de suor tentando controlar minha respiração. Não quero explicar o sonho, não quero entrar na merda desse assunto, mas se ela quer saber, preciso fazer isso.
-É a Susan. Ela aparece para... Matar você.
Millie solta uma exclamação de horror e tapa a boca com a palma da mão. Seus olhos voltam a se encher de lagrimas, mas não consigo identificar bem do que elas são, se de medo, raiva ou de pena de mim. Na melhor das hipóteses, são de surpresa.
-É por isso que não aguento ouvi-la chorar. Por isso que estive com medo de ficar perto de você... De deixar que essa merda chegue pelo menos próximo de poder ser real. Eu não quero que se machuque, Millie, não quero que nada de r**m aconteça com você. -Continuo a falar. Ansioso para que ela comece a tentar pelo menos entender, já que eu não entendo e nem ninguém.
Ela fica em silêncio, ainda parada na mesma posição como se não conseguisse se mexer. Vou me sentindo cada vez mais pesado, com algo apertando meu peito depois dessa confissão que demorei tanto tempo para fazer e que vem me atormentando todos os dias.
Depois de um longo tempo ela retira a mão da boca, se recuperando parcialmente do choque.
-Porque você não me disse isso antes? Porque preferiu esconder e me magoar tanto até agora se tinha um motivo para tudo isso? Você não faz ideia do quanto eu sofri... Do quanto você me machucou ao me fazer pensar que me odiava!
São tantas perguntas e acusações que só consigo me concentrar em uma especificamente.
-Eu não odeio você. Como eu poderia fazer isso se tudo o que aconteceu foi só minha culpa?
-Foi o que você me fez pensar! -Ela berra jogando a mão para o ar completamente furiosa.
Não consigo rebater. Porque não me sobra mais nenhum argumento então espero por mais. Sempre tem mais.
Ela dá um giro para trás e passa a mão pelo rosto e pelo cabelo claramente tentando se acalmar e digerir o que ouviu. Não posso apressa-la e nem posso julgar seu comportamento. Chega em um ponto em que nem mesmo a melhor explicação do mundo é capaz de apagar as burradas que eu fiz e acho que estou próximo de chegar a esse ponto.
-Você veio aqui... Por que fez isso? O que mudou pra você decidir me contar isso assim? -Pergunta ela, ainda de costas.
Consigo ver pelo movimento de seus ombros que sua respiração está acelerada, demonstrando seu medo em ouvir minha resposta.
Me levanto da cama e vou até ela sendo atraído pelas lembranças que vem em minha mente.
-Quando nos beijamos naquele dia... Eu percebi que não posso mais renegar o que eu sinto. Preciso de você, Millie. Preciso que me dê uma segunda chance, ou vou enlouquecer.
Sua respiração muda de novo, mas dessa vez sei que está lutando para não chorar. A amo mais ainda em saber que está fazendo isso por mim, por causa do meu medo nem que seja de forma inconsciente. Ela se vira com toque de surpresa ao ver que estou bem atrás, mas não se afasta.
Está com os olhos cheios de lágrimas, com a respiração forte e os lábios tremendo.
-Você pode vir atrás de mim quando precisa de mim... Mas e eu Finn? Quando eu precisei de você, onde você estava?
Sou pego desprevenido pela pergunta que não esperava e não consigo achar uma resposta a tempo. Ela espera até não conseguir mais conter as lágrimas e elas rolam de seus olhos.
-Eu sinto muito por tudo que aconteceu com você e na sua vida. Se pudesse teria evitado tudo, mas eu não pude e não posso esquecer o que você fez comigo mesmo com os seus motivos... Foi demais.
Quando sinto seu corpo se distanciando perco todo o resto do meu controle e desabo de joelhos no chão. Como o Dr. Philips me disse, não parei para pensar na hipótese de não ser perdoado, de ela não me aceitar de volta e perceber isso dói como um inferno. Muito mais do que qualquer outra coisa que já senti em minha vida inteira.
Millie de repente se abaixa para ficar de joelhos comigo e me puxa à força para um abraço que eu não quero. Não quero p***a nenhuma mais. Tento afasta-la, mas ela não desiste e se agarra nas lapelas do meu terno me puxando de volta.
-Sai...Não quero que sinta pena de mim. -Digo entredentes, sufocando e tentando afastar sua cintura.
Ela me prende com mais força e segura minha nuca para me imobilizar.
-Não estou com pena de você. -Diz ela perto do meu ouvido, está chorando, mas se controla -So quero abraçar você. Me deixa fazer isso.
Não consigo entender mais nada. É inconsistente e com certeza não faz sentido, mas estou ficando sem forças e me agarro a esse último momento. Paro de resistir e a abraço de volta m*l percebendo quando começo a chorar como um i****a em seu ombro. Nem sei o que estou sentindo, mas estravazo tudo que estive guardando. Toda pelo que aconteceu, do que eu fiz, do tempo que passei sem poder me dar um segundo para desabar fingindo o tempo todo ser forte enquanto era isso que eu precisava. E eu perdi tudo.
Perdi meu pai.
Me distanciei da minha mãe e do meu irmão.
Perdi meus amigos.
Perdi minha irmã por cinco anos e até agora não consigo dizer a verdade a ela.
Perdi minha felicidade.
Perdi meu autocontrole.
Perdi minha sanidade.
E agora estou perdendo a mulher da minha vida.
-Me perdoa, Millie. Não consigo viver sem você. -Começo a pedir, entrando em desespero agarrando com toda força os lados do seu vestido.
Ela não diz nada, então seguro sua cabeça e entre as lágrimas beijo seus lábios molhados.
-Não desiste de mim. Eu preciso tanto de você. -Imploro por cima de sua boca fechada.
Meu corpo está doendo inteiro e não consigo respirar.
Ela segura meu pescoço, mas está me puxando para trás e começa a limpar meu rosto enquanto eu só preciso que as merdas dessas lágrimas saiam todas de uma vez.
-Finn! Me escuta! -Ela pede enquanto tento de novo me aproximar. -Eu não vou desistir de você!
Quando ela se altera e grita eu paro olhando seu rosto se deformar por trás das minhas lágrimas. Ela parece certa do que está dizendo, mas não está feliz então não sei como me sentir.
-Não posso voltar com você... Não enquanto você não melhorar e se livrar de todas essas coisas ruins. Você precisa viver por você e não por mim. -Diz ela desesperada para que eu entenda ainda segurando meu rosto.
-Não... -Digo gemendo com a dor vem me dilacerando por dentro. -Se você ficar longe de mim...
-Eu não vou. Estou aqui agora. Sempre vou estar com você. -Ela me corta pegando minha mão para levar até o seu peito onde sinto as batidas fortes contra minha palma. Ela deixa escapar um soluço e beija suavemente meus lábios trêmulos. -Mas precisamos de um tempo, vou te ajudar a se curar disso e depois... Se tudo der certo... Podemos tentar de novo. -Diz com a voz entrecortada pelos soluços.
Não quero nenhum tempo. Não quero esperar nem mais um segundo, mas lá no fundo sei que ela tem razão. Que não adianta voltar para mim enquanto todo o resto da minha vida está destruída. Isso não funcionária. A constatação me faz cair em prantos ainda mais, agora por aceitar essa realidade c***l que eu mesmo causei entre nós.
Ela se abaixa para deitar comigo no chão e deixa minha cabeça sobre seu peito.
Choro até perder as forças agarrado na barra de seu vestido como uma criança com medo de que ela me deixe para morrer sozinho. Quando estou completamente exaurido de tudo meu corpo simplesmente vai perdendo a capacidade de me manter acordado e vou ficando sem consciência contra minha vontade, mas antes de deixar isso acontecer, me aninho em seu corpo colocando a mão sobre seu peito.
-Você vai me deixar quando eu acordar? -Faço a pergunta quase perto de cair no sono.
Ela leva a mão até a minha e entrelaça nossos dedos, enquanto a outra faz carícias em meu cabelo.
-Eu vou me casar com você.
Eu adormeço, sem saber se o que ouvi foi mesmo verdade.