Millie
Se passam horas desde o momento que Finn adormeceu em meus braços agarrado a mim como se eu fosse seu bote salva vidas, mas eu não consigo dormir.
Minha mente fica repassando todos os últimos acontecimentos em looping infinito e a sensação que tenho é de que nunca vou conseguir esquecer de nenhum segundo nem de todas as coisas que vi e ouvi dele.
Há muito tempo soube que Finn estava perdido, mas não fazia ideia do quão profundas eram suas feridas. O homem c***l e indiferente que conheci não passava de uma fachada para disfarçar e sustentar o garoto quebrado que estava lá dentro o tempo todo implorando por uma salvação.
Vi com nítida clareza o momento em que suas forças ruíram e ele caiu no fundo do poço. Não por minha causa, nem pelo que eu disse ou fiz, mas por causa de tudo, da avalanche de coisas ruins que aconteceram com ele, as quais ele se culpa, e que o derrubaram completamente. Eu apenas dei um fim a isso. Apenas fui a cereja no topo do bolo, embora saiba que para ele não foi bem assim.
Apesar do intenso cansaço físico, não me sinto fraca, nem mesmo triste. É como se ao invés de me destruir, o que eu vi, me revitalizou e me encheu da força que achei que já tinha se esgotado.
Depois de um longo tempo que não sei precisar exatamente quanto, ouço batidas no lado de fora da porta do quarto. Finn não de mexe e continua com a cabeça apoiada em meu peito, mas as batidas recomessam e meu celular começa a tocar também, perdido em algum lugar do quarto.
Me movendo lentamente consigo tirar o braço de Finn de cima de mim e ele resmunga sem acordar quando me afasto. Deixando sua cabeça delicadamente sobre o tapete felpudo do quarto.
O toque do meu celular não cessa mas vou primeiro atender a porta já que tentar achar o celular vai ser a tarefa mais demorada. Quando abro, é David que está lá fora com o celular no ouvido. Ele me vê e solta uma exclamação de surpresa desligando em seguida o telefone fazendo com que o toque do meu celular pare também.
-Meu Deus o que aconteceu? Vocês estão aí dentro já fazem horas! -Diz ele com um tom alarmado cheio de preocupação.
Olho por cima do ombro Finn se remexer no chão a minha procura e meu coração aperta. Fecho a porta nas minhas costas e empurro suavemente o ombro de David para que se afaste.
-Fale baixo. O Finn está dormindo. -Murmuro entredentes.
David franze o cenho se afastando de mim como se fosse incapaz de me compreender, depois balança a cabeça em um gesto nervoso.
-Dormindo? Como assim?
Suspirando abano a mão para que ele vá mais para longe em direção ao corredor do andar, onde acho ser menos perigoso que Finn acorde com o som das nossas vozes.
-Nós conversamos... -Começo a dizer quando estamos mais distante, mas não consigo terminar me voltando para trás para encarar a porta do quarto.
David toca meu ombro e eu o encaro de novo. Ele não faz nenhuma pergunta e por alguma razão ver sua expressão confusa me deixa sem fôlego e eu o abraço para chorar em seu peito.
Lá dentro enquanto Finn estava desabando em cima de mim, me mantive forte para não desabar com ele, mas agora o peso de tudo o que aconteceu me sufoca e eu desmorono.
-Ei... Fica calma.. me diga o que aconteceu. -Ele pergunta depois de um tempo, erguendo minha cabeça para limpar minhas lágrimas.
-Ah David... Ele está tão acabado... Está totalmente destruído. -Lamento, me segurando nos braços de David querendo muito que essa dor passe de uma vez.
Perto dos elevadores há um sofá, ao lado de uma mesinha com um vaso de plantas e ele me leva até lá para que eu me sente.
-Tome. -Ele pega no bolso um lenço e me entrega para que eu limpe as lágrimas.
David retira o paletó e o coloca em cima do sofá, aproveitando para afrouxar o nó da gravata também.
Limpo meus olhos esfregando toda a maquiagem que fiz deixando meu rosto provavelmente borrado, mas essa é a última coisa que passa por meus pensamentos confusos. David espera pacientemente até que eu consiga voltar a respirar novamente e só então toca meu braço.
-O que ele falou? -Pergunta ele com curiosidade misturada com aflição genuína.
Não sei se devo contar tudo o que Finn me disse, mas preciso por para fora o que vem me consumindo a horas.
-Ele me contou tudo... Disse que estava tentando me afastar por que tem medo que eu me machuque. -Paro ao encarar a expressão de choque que passa a tomar o rosto de David.
-Ele.. acha que vai machucar você? Fisicamente?
Assim que ele diz, sinto todo o sangue sumir do meu rosto ao perceber que ele acha que Finn seria capaz de me ferir dessa forma, o que não é completamente infundado já que Finn nitidamente tem problemas em controlar sua raiva e força física.
Balanço minha cabeça com veemência.
-Não. Ele não acha que é ele quem vai me ferir e sim a Susan. -Explico, sentindo um nó profundo se formar em minha garganta ao pensar nisso outra vez.
David ergue uma sobrancelha, mas está nitidamente mais aliviado.
-Isso não vai acontecer. -Diz ele com precisão.
É o que eu venho tentando dizer para mim mesma, já que isso nunca passou pela minha cabeça antes. Mas Finn estava tão atormentado ao falar sobre o pesadelo que me sinto realmente inclinada a cogitar a possibilidade.
-Quem garante? O Marvin disse que ela já fugiu uma vez do hospital, pode muito bem fugir de novo.
-Bem, mas agora é diferente. Ela não está mais só internada, a polícia está envolvida, Millie e não é tão fácil assim fugir de um lugar como aquele. Além disso, você tem seus seguranças, não sai de casa sem eles.
Concordo com um movimento de cabeça, mas logo depois n**o outra vez.
-Não estou preocupada com isso. É o Finn que me preocupa. Ele... Se culpa por tudo, David, até por isso que nem tem chance de acontecer. Ele está profundamente magoado consigo mesmo, não consegue se perdoar nem esquecer o que aconteceu.
David deixa seus ombros caírem quando finalmente consegue entender onde eu quero chegar. Ele mais do que ninguém acompanhou todos os piores momentos da vida do sobrinho e sei que lá no fundo também se culpa pelo que aconteceu.
-Você quer ajudá-lo nisso. -Constata ele, erguendo dessa vez as duas sobrancelhas.
Eu não hesito, apesar de não fazer a menor ideia de como fazer isso.
-Sim, eu tenho que ajudá-lo. O que eu vi hoje me deixou sem chão. Ele está caindo em si, mas ainda falta muito e ele não vai conseguir fazer mais nada sozinho, não sem a minha ajuda.
Ele balança a cabeça em um movimento discordante mas ao mesmo tempo pensativo.
-A Mary já tentou de tudo, Millie, até terapia ela arranjou pra ele. Nada ajudou, como você vai poder fazer isso mudar?
Fico calada por um tempo, cutucando as unhas tentando encontrar uma resposta, mas sei que não tem, pelo menos não agora.
-Vou conversar com ele. Ver até que ponto ele já teve alguma melhora e decidir no que eu posso ser útil. -Digo, rezando para que de alguma forma isso faça algum sentido.
-Ele te pediu perdão? -David solta de repente, como se a pergunta estivesse entalada ali desde que chegou.
Penso no momento de desespero em que Finn me agarrou clamando por desculpas, naquela angústia que ele sentia para poder me ter de volta como se fosse morrer se eu não o desculpasse. Quando me perco em pensamentos, David toca suavemente minha mão.
-Isso não é importante, o importante é: você perdoou?
Meus olhos começam a arder com o esforço que eu faço para responder a aquela pergunta simples, da mesma forma que me senti quando Finn me pediu perdão. As palavras simplesmente não saem de mim.
-Ele precisa de mim. -É tudo o que eu consigo dizer.
David assente com a cabeça num gesto de compreensão cheio de compaixão por mim.
Quero perdoa-lo, mais do que qualquer coisa, mas não consigo esquecer o que ele me fez. Não consigo me esquecer das noites em claro me culpando enquanto ele fazia de tudo para me mostrar que eu era realmente culpada. Finn teve seus motivos e consigo entende-los, mas não posso compreender como ele deixou que eu ficasse naquele estado e sei que existiam formas melhores de ele ter me afastado e nenhuma delas incluem mentir e me tratar daquele jeito.
-Você não voltou com ele, então. -Constata ele outra vez.
Faço que não com a cabeça, sem conseguir confirmar com as palavras.
-E você acha que ele vai aceitar sua ajuda desse jeito? Ele estava desesperado por você, Millie... Não acho que vai ser o suficiente ter só sua amizade.
-Se eu voltar com ele David nada vai ser resolvido. Ele vai achar que sim e ignorar todo o resto e isso vai fazer com que ele se acabe ainda mais e acabe comigo também. -Levo minha mão ao peito para enfatizar minhas palavras.
David passa a mão pelo rosto, parecendo cansado e descrente. Não posso exigir que ele me entenda, mas só eu sei o que eu vi e o quanto preciso retardar isso. Lá no fundo, a parte egoísta de mim também não aceita que eu volte tão depressa, essa parte quer mais do que um pedido de desculpas e juras de amor infinitas. Quero Finn de volta, mas ele precisa me merecer antes.
-Não sei se isso vai dar certo. Você está em uma fase complicada, precisa focar no seu trabalho e na sua carreira. Os problemas do Finn são extensos e exaustivos, você não vai dar conta de tudo sozinha.
Viro meu rosto para David, desapontada e furiosa com o que ouvi e mais ainda quando vejo sua expressão sem um pingo de arrependimento.
-Vou dar conta sim. Isso não tem nada a ver com meu trabalho, você está me subestimando. -Digo irritada afastando a lágrima de raiva que escorre do meu rosto.
Preciso de motivação, não de alguém que me tire ainda mais as forças e usar meu trabalho contra mim é um jogo muito sujo.
David se apressa em segurar meu braço quando tento me levantar.
-Não estou subestimando você. Sei o quão forte você é, mas você também é um ser humano Millie, não pode fazer tudo por ele e esquecer de si mesma.
Mais lágrimas rolam, mas dessa vez não são de raiva e de repente abro um sorriso.
-Não estou fazendo isso só por ele é por mim também. Eu o amo, David, quero passar o resto da minha vida com ele e posso até não conseguir fazer isso, mas você está louco se pensa que vou desistir sem lutar até minhas últimas forças.
Ele claramente fica abalado quando me escuta e pela primeira vez desde que o conheci vejo David emocionado.
-Achei que você já tinha chegado ao seu limite. -Ele diz abrindo um sorriso sem graça piscando para se livrar das pequenas lágrimas que se acumularam nos olhos.
Dou risada, achando irônico que eu mesma já tinha dito aquilo umas mil vezes antes.
-Eu também achei, mas estava enganada. Está muito longe de isso acontecer e o Finn vai me ajudar, vai lutar por mim também, você vai ver.
Finalmente David assente com mais confiança e faz um terno carinho em meu braço.
-Tenho que admitir que você me surpreende mais a cada dia, menina. Não vai ser uma tarefa nada fácil, mas tenho certeza de que você vai conseguir. Acho que você é a pessoa mais forte que eu conheço.
Não me aguento e me jogo por cima de David para abraça-lo. Sei que lhe custa muito me dar apoio estando tão preocupado com meu desempenho para o filme, mas ter sua confiança aumenta a minha própria.
Ficamos abraçados por um longo tempo, até pelo menos o celular de David vibrar no bolso de sua calça e então eu me afasto.
Ele lê a mensagem que chegou e solta um suspiro.
-Tenho que voltar para casa. Já deixei a Lily e o Romeo em casa e a Rose também. Vim aqui só para ver como as coisas estavam.
Quando ele diz isso eu ergo as sombrancelhas sem me dar conta de que não pensei em mais nada desde que subi com Finn para o quarto.
-E a festa? Como foi?
Ele dá uma risada entendiada e preocupada ao mesmo tempo.
-Ainda está rolando. Só que agora só tem um monte de adolescentes chapados lá em baixo. Seu tio fez um discurso exagerado e a Lily conseguiu uns dez contatos para doação... -Ele hesita, passando os dedos pela testa. -Mas Fred e seus primos passaram a noite toda perguntando por você... Eles viram o que aconteceu na pista de dança, e o pessoal estão pensando que você e o Finn estão namorando de novo, provavelmente isso vai estar nos tablóides assim que o dia amanhecer, tinha gente com câmeras e tudo o mais.
Ao mesmo tempo que isso me deixa ansiosa, eu não me importo tanto quanto achava que me importaria. Não vai ser nada além de uma manchete sensacionalista provavelmente me chamando de tola que volta com o namorado problemático e agressivo depois de ele ter dado uma surra em Louis e me exposto na internet dizendo que nunca tivemos nada um com o outro.
-A essa altura sua mãe também já deve estar sabendo. -David fala quando eu não respondo.
Dou de ombros quando escuto, mas fico rapidamente furiosa.
-Quero que ela se dane. Você não vai acreditar no que ela fez...
-Não pagou a Rose, é, ela me contou quando fui deixá-la em casa. -Ele completa, parecendo tão irritado quanto eu.
-Você pode imaginar o que merda se passa pela cabeça dela? Nossa, eu tenho vontade de esgana-la as vezes. -Espremo as mãos com força uma na outra.
David supira e mexe a cabeça de um lado para o outro.
-Deixa ela voltar e vocês conversam e resolvem isso. Quanto a Rose, eu já adiantei uns três salários para ela, você não precisa se preocupar com isso.
Ele me olha deixando claro que Rose contou do meu surto em pedir que ela levasse qualquer coisa minha como p*******o. Me sinto constrangida e envergonhada e passo a mão pelos cabelos.
-Obrigada, mesmo...Mas ela me paga, David, vai ouvir muito quando chegar aqui.
Ele concorda piscando o olho para mim, sabendo que vai ser inútil tentar tirar qualquer ideia da minha cabeça depois levanta dando a mão para mim.
-Você vai ficar por aqui então pelo resto da noite? São duas da manhã. -Diz, encarando o relógio em seu pulso.
-Sim, vou ficar... Você pode... Sei lá, avisar a Mary que o Finn está aqui comigo?
Ele confirma com a cabeça e me leva até a porta do quarto de novo. Antes de entrar eu seguro a maçaneta, de repente com receio de entrar lá dentro. Se Finn estiver acordado...
-Tente dormir está bem? Não sei se o Finn veio de carro, mas se você precisar, chame o Samuel que ele vem pegar vocês mais cedo. Ou eu.
-David... -O paro antes que ele se distancie, mas não sei o que dizer.
Ele vê algo em minha expressão e me dá um abraço beijado minha testa suavemente.
-Esta tudo bem, Millie. Você vai conseguir.
Não sei exatamente do que ele está se referindo, mas confirmo com um gesto de cabeça enquanto tenho controlar as batidas do meu coração.
Quando entro no quarto de novo, solto o ar que estava prendendo ao ver Finn ainda adormecido no chão. Encolhido com as pernas fletidas e os braços abraçando o próprio corpo, como ele estava comigo a poucos minutos atrás. Fico um tempo só olhando para essa cena, imaginando o que ele deve estar sentindo. Não está tendo pesadelos, é claro, mas ainda parece atormentado durante o sono.
Seus cabelos estão quase ralos na parte de trás da cabeça e os cachos na parte de cima tampam parcialmente sua testa e seus olhos. O terno está todo amassado e eu lamento por não conseguir me lembrar direito de quando ele não estava desse jeito, mas sei que deveria estar lindo.
Fico tentada a acorda-lo para manda-lo dormir na cama, mas não faço isso. Pego as várias cobertas e travesseiros em cima da cama e ajeito sobre ele da forma que parece ser o mais confortável possível. No final, quando estou prestes a me deitar na cama, dou a volta e me ajoelho diante dele no chão.
Não posso deixar as coisas irem muito longe, mas quem sabe, só por essa noite eu posso me dar o alívio de dormir ao seu lado. Puxo o zíper lateral do meu vestido, de forma que ele fique aberto apenas para aliviar a pressão, mas não o tiro completamente e me deito ao seu lado.
Instantanemente seus braços me envolvem e ele se aconchega atrás de mim enfiando o rosto na parte de trás dos meus cabelos e suas mãos se prendem em minha cintura. Adormeço, rezando para que não veja o mundo ruir outra vez quando acordar.
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