Abelardo
— Padre, perdoe-me porque eu pequei.
— Diga-me filho o seu pecado. Para se redimir deles.
— Padre eu pequei, peco, e continuarei pecando, não quero redenção pelos meus pecados, quero ser absorvido deles.
— Impossível! Abelardo, isso é inconcebível. Todos nós queremos ser redimidos dos nossos pecados. Onde se viu querer ser livre e não pagar o preço?
Padre Juventino conhecia todos os Monteios. Mais que um sacerdote de Cristo, também era um grande amigo da família. Conheceu os meus pais quando eles eram ainda muito jovens, antes deles se casarem e formar uma família. Ele é um Senhor de idade, tem uns setenta anos, mas com muita disposição para ajudar os necessitados, realizar as missas, cuidar dos fiéis e das ovelhas desgarradas e incrédulas, como eu.
Senhor Abaquque Monteios e a Senhora Valentina eram bastantes religiosos, não perdiam uma missa. Já eu conforme fui tomando consciência do quê era o pecado, pouco a pouco me afastava de Deus.
Por causa disso estou sem confesar há vários anos. Sou praticamente ateu.
Aceitei o meu pecado com fervor, o alimentei durante anos inteiros. Momentos intermináveis de uma paixão lascívia, proibida, minutos sem fim adorando a menininha dos meus olhos. Perdido e achado, alegria e sofrimento, perdição e redenção. Sentimentos, emoções e sensações, tudo se mesclavam e viravam uma coisa só, viva e necessitada.
Havia dias que nem conseguia respirar por causa dos turbilhões de coisas que passavam dentro da minha cabeça, corpo e coração.
Ninguém disse como era doloroso amar alguém proibido e ainda por cima ser tudo o que um dia sonhava em ter. Sufocava, e às vezes era libertador.
Quando ganhei idade, com adolescência veio a puberdade, ai sim ficou mais difícil suporta as dores físicas. Meu corpo pedia, gritava, implorava por alívio, esperando encontrar libertação.
Não podia tê-la nos meus braços, então depois que completei dezoito anos, meu pai disse para mim: "filho você agora, já é adulto, use isso ao seu favor, não disperdice a responsabilidade da maturidade. Seja um homem, mas se proteja, não faça nada que possa se arrempender depois."
A primeira vez que transei foi com uma mulher de trinta anos, não era daqui, veio a passeio. Nem me recordo do seu nome. Ela me ensinou que poderíamos separar prazeres sexuai.s do amor. Fiquei com a mulher por três noites de estadia dela no hotel.
Uma aventura sadia sem vínculos emocionais, sem amor, apenas pelo alívio sexua.l.
Nunca namorei sério, não podia.
Quem me agradava aos olhos eu apenas olhava despreocupadamente, casualmente, e a mulher em questão deitava na minha cama. Prontas para deixar eu fazer de tudo, tudo mesmo.
Acho que acabei ficando um pouco mulherengo, minhas preferências eram mulheres parecidas com Eliza, minha irmã. Um fantasia erótic.a era doma-las de quatro e fazê-las chupar até a garganta. Era bruto na cama, perverso, sobretudo nunca forcei uma mulher. Gostavam o que era oferecido, e eu encontrava conforto em seus braços, pelo menos por alguns minutos, ou horas. Depois sentia um imenso vazio. Entrava numa solidão profunda.
Tinha uma imensa curiosidade em beijar apenas Eliza. Um beijo quente, molhado na região íntim.a, no meio das suas pernas... coxas... Entre os seus quadris.
Isto, jamais fiz em uma mulher.
— Padre Juventino venho informá-lo que daqui há uma semana irei me casar com a minha irmã, Eliza. Você e mais ninguém ira me impedir de finalmente tê-la só para mim.
Saio da cabine de confissões as pressas, sabendo que viria atrás do pobre pecador.
— Só por cima do meu cadáver, Abelardo. Isso é um incesto!
Virei de frente lentamente, sorrindo para o sacerdote.
— Não peço sua aprovação e tem mais, vou me casar aqui!
— Não realizarei esse casamento abominável. A lei te proibi essa sua insensatez. No fundo suspeitava seu interesse na menina Eliza. Mas não queria acreditar no que os meus olhos estavam vendo, achava que era coisa da minha cabeça. — Disse-me aturdido.
A igreja se encontrava vazia, pois a missa não havia começado. E entre as imagens de santos, de Jesus crucificado na cruz pendurado na parede perto do altar, disse-lhe sem reservas.
— Nada entre o céu e o inferno me deterá. Sou eu que mando aqui nessa cidadezinha pequena, pacata do interior de Minas Gerais, chamado Serra Vinhal. Nome dado pelos fundadores, pelos meus tataravós por causa da minha fazenda de Vinhedo.
Abri os braços, mostrando toda a falta de humildade.
— Sempre se sentiu dono e Senhor daqui, mas pensei que fosse para o bem do povo. Você ajudou a igreja, trouxe comida aos que tinha fome e passavam grandes necessidades financeiras, empregou muita gente na sua fazenda e fazenda vizinhas. Me diga o por que de tudo isso? — Indagou abalado. Os olhos cansados, adornados com um óculos de grau.
— Será que nunca percebeu? Eu estava apenas expelindo a minha sujeira, limpando os meus pecados. Estou absorvido deles, mesmo que o Senhor não tenha me liberado. Pensei que poderia contar com sua aprovação, mas já que não posso, passe bem, irei me casar em outra cidade.
Andei alguns passos mas sua voz sabia me fazer parar quase na porta.
— Eliza não concorda com isso, sei que vai se casar a força. Responda para o padre que viu você nascer, tomará a sua irmã a força? Sua vilânia se prestará a tanto, Abelardo?
Fechei as mãos em punhos, apertando tanto, mais tanto que achava que as veias a qualquer momento iriam se romper. Rebati na defensiva sem precisar olha-lo.
— A ideia de tê-la em sacrifício não é o que tenho em mente. Depois do casamento com carinho e dedicação vou conquista-la.
— Sabe que posso denuncia-lo por isso. Atreva-se a essa crueldade e terás um inimigo, não vou descansar até tirá-la das suas garras malignas. Está possuído pelo demônio!
Fitei-o pelo ombro e o que ele viu nos meus olhos deveria ter sido algo terrível, pois deu uns passos para trás fazendo o sinal da cruz. Enxerguei naqueles olhos assustados o reflexo do próprio demôni.o.
— Tente... e terás toda a força de um homem possuído pelo ódio extremo. Acabarei com tudo na minha frente. Não cometa seu próprio suicídi.o padre, eu não recomendo. — Respirei fundo, passando-se uns segundos, expurguei; — Benção padre.
Sai da igreja casualmente como se nada tivesse acontecido.
Avistei pessoas na praça conversando, alguns casais tomando sorvete, namorado. Outros trabalhando fazendo suas coisas normalmente. A vida em andamento; crianças brincando de pique, andando de bicicleta, patins e pipa. Um verão escaldante, muito quente. Ninguém aguentava ficar dentro de casa por tempo demais, essa hora ficava muito abafado.
***
Entrei no casarão sentindo um enorme silêncio. Cadê os empregados?
Corri na direção da porta do quarto de Eliza, mas antes de entrar, bati e na segunda batida, percebi que a porta não se encontrava mais trancada.
Fiquei furioso ao entrar, arregacei seu guarda-roupa, constatando a falta de algumas peças de roupa.
Passei às mãos nervosamente pela cabeça, quase puxando o cabelo. Gritei, chamando todos os meus empregados.
Em questão de segundos todos eles, homens e mulheres da fazenda Monteios se encontravam enfileirados na minha sala de estar.
— Quem libertou, Eliza? Não quero perguntar pela segunda vez, as consequências podem ser piores... Sempre fui um ótimo patrão para todos vocês, meus pais em vida e depois de um ano das suas partidas. Quero saber qual de vocês traíram a minha confiança?
Enquanto falava fingindo uma paciência passiva, andava de um lado para o outro bem devagar, olhando para cada um deles.
Sabia que Inácio, Jesse e Cleiton, nunca iriam me trair, eles são os meus braços direito e esquerdo. Os três miravam dentro dos meus olhos, gostava disso, mostravam a integridade, lealdade.
— Os três podem ser retirar e voltem ao trabalho. Cuidem bem das nossas uvas... E caso vejam ela escondida no meio da plantação, peguem-a, e tragam para mim. Os outros também podem ir.
Estava me referindo aos outros vinte trabalhadores da plantação. Para uma colheita perfeita tinha que ter muitos empregados, eles eram bem pagos, nunca me deram dor de cabeça. Bons trabalhadores, só não tinha vínculo de amizade com eles. Tirando os três homens que mandei se retirarem, não confiava em mais ninguém para conversar. Conhecia o nome de cada empregado e eles podiam contar comigo para o que eles precisarem.
Quando todos os homens sairam, fiquei de frente para as cinco mulheres trabalhadoras de dentro do casarão.
Rute: cozinheira chefe. Fernanda: ajudante de cozinha, Ricarda: senhora governanta. Essa nos viu nascer, a respeito como uma mãe. Josefina e Marroquina: empregadas domésticas.
— Senhoras, sei que uma de vo....
— Fui eu, Senhor Abelardo Monteios. Pode me mandar embora. Se quiser. — Confessou a senhora Ricarda seriamente.
Fiquei decepcionado com ela, não esperava por essa apunhalada pelas costas.
— Todas vocês, por favor, nos deixe sozinhos.
As empregadas se foram ficando somente eu e a governanta.
— Por que?!
O tom saiu misturado com raiva e mágoa. Logo ela fazer isso comigo, não podia acreditar.
— Por que?! Você ainda me pergunta o por quê? Eu ajudei a criar vocês dois, os amo como meus filhos. Percebi que tinha algo de errado quando sem querer a porta do quarto de Eliza estava trancada. A menina gritava chorando desesperada, pedindo a minha ajuda para liberta-la.
Disse ela chorando emocionada.
— Quando achei a chave reserva, a libertei. A menina me abraçou aflita dando graças a Deus e começou a fazer a mala, não levou muita coisa, levou até o seu violino elétrico. Perguntei a razão da sua partida assim do nada, tive que fazê-la se acalmar um pouco pra contar o ocorrido.
O dedo cutucou o meu peito, desafiando-me.
— Contou do suposto afer do seu irmão, e do beijo do pecado... Abelardo ficou louco?!
Soltei o ar preso nos pulmões. Estava desesperado.
Tentei segurar seu dedo, mas ela o retirou rapidamente.
— Espero que eu a encontrei logo, pelo tempo não deve ter indo muito longe. Torça para que nada aconteça com ela.
Dei as costas, indo apressadamente contratar uns homens para buscá-la. Sabia que podia acha-la.
— O que pretende fazer? Ela é sua irmã! Toma juízo!
— Vou casar com ela, Ricarda. — Respondi tranquilamente.
Confessei antes de atravessar a porta, escutando o grito de horror abafado. Não me preocupava com a opinião de ninguém, só queria a minha Eliza, somente ela me interessava.