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4746 Words
Finn.  Minha mãe ficou olhando para mim confusa, mas não fez nenhuma pergunta. Talvez tentando processar tudo aquilo tanto quanto eu queria que não fizesse. Susan saiu também sem dizer nada e entrou no primeiro táxi que passou levando Sarah consigo. Esperei até ouvir a batida da porta para falar novamente. -Vamos entrar. Por favor. Ela assentiu, balançando a cabeça de uma forma exagerada querendo sair do estupor e me seguiu enquanto subimos para o apartamento.  Fizemos tudo em silêncio. A chave na maçaneta demorou a abrir por que ainda estava emperrada, ou talvez eu ainda estivesse tremendo muito com as mãos deslizando devido o suor.  Sentia que estava fazendo um caminho rápido direto para o precipício que me mataria. Estaria tudo bem se eu fosse sozinho, o problema era que inevitavelmente eu acabaria levando tudo comigo.  Quando abri a porta, deixei que ela passasse na frente e foi o que ela fez com passos lentos e comedidos. Parecia que era a primeira vez que ela entrava ali, seus olhos passando de um lado para o outro como se não reconhecesse mais o lugar. Por um acaso, não havia tanta bagunça, mas os brinquedos de Sarah ainda estavam espalhados pelo chão e o que antes  talvez fosse somente uma dúvida para minha mãe, agora ela tinha a mais absoluta certeza. -Voce quer uma água? -Perguntei para quebrar o silêncio e fazê-la parar de reparar nas coisas. Ela negou com a cabeça ainda sem olhar para mim, tirando o casaco grosso dos ombros. -Quero que me explique isso. Por que tem brinquedos espalhados por aqui? Respirei fundo me perguntando de onde tiraria força para contar tudo a ela. Depois de oito anos nunca imaginei que um dia precisasse fazer isso, mas agora não havia mais solução. Fechei a porta e caminhei até ela.  -Mãe. Sente-se, por favor. -Pedi apontando para o lugar no sofá. Ela observou com cuidado, quase como se estivesse encarando a casa de um estranho, mas por fim se sentou. Ela sempre foi muito tranquila e não gostava de brigas, por isso tive certeza de que me ouviria, só torcia muito para que por um milagre talvez ela entendesse o que eu estava prestes a revelar.  Me sentei no outro sofá, na sua frente. Queria manter o espaço e precisava dele. Fiz uma longa pausa, pensando no que diria. Ela colocou o casaco ao seu lado e juntou as mãos em cima das pernas, esperando pacientemente. De alguma forma, ela parecia saber que o que eu ia contar era grave.  -A Susan está morando aqui comigo, a Sarah também, a filha dela. É garota que você viu lá embaixo. Ela levantou as duas sobrancelhas, não tão chocada quanto eu pensei que ficaria. Por que na verdade aquilo era muito óbvio. -Não entendo.. como? Por que isso aconteceu? A Susan sumiu daqui a cinco anos. Engoli em seco, tentando pensar nas próximas palavras. Aquela história me doía, contar para minha mãe e presenciar a sua reação seria demais e eu tinha absoluta certeza de que ela nunca iria entender, iria se culpar, pensar que aconteceu por sua negligência. E ela era boa demais para isso. Boa demais para a verdade. Eu tinha que pelo menos ir mais devagar.  -Ela se separou do Marvin, logo depois ele morreu em uma missão do exército. Ela ficou sem nada e voltou para cá, por que estava precisando de ajuda. Ela levou a mão a boca, completamente atordoada com o que eu havia acabado de contar. Seus olhos me encararam.  -Meu Deus... Ele morreu? -Passou a mão pelo cabelo, olhando para o lado, tentando digerir aquilo. Depois olhou para mim novamente. -Como ela te encontrou? Como lembrou de você? Quando ela saiu daqui você era uma criança. -Não. -Neguei com a cabeça. -Eu já tinha dezessete anos, não mudei muita coisa. -Fiz uma pausa, para decidir que realmente não diria a verdade, não tinha coragem. -E ela não me procurou. Nos vimos por acaso na festa da Kelly, lembra? Ha duas semanas atrás. Ela estava trabalhando como garçonete e me reconheceu. As mentiras saíram com tanta facilidade da minha boca que eu me assustei.  -Garconete? Isso não pode ser verdade. Ela é professora, tem livros publicados, você sabe disso. -Minha mãe refutou, nenhum pouco convencida.  -Eu sei, mas ela teve problemas para arranjar um emprego na área e só conseguiu a vaga como garçonete por causa de uma amiga. Era com ela que Susan dividia um apartamento até pouco tempo, mas essa garota vai se mudar e ela não teria mais lugar para ficar, não podia pagar por um sozinha. -Ela te contou isso? E aí você decidiu traze-la para cá? -Me perguntou, de novo olhando apenas para o apartamento. Ela era muito intuitiva, e graças a isso eu sabia que não precisaria entrar em muitos detalhes. Ela poderia facilmente me pegar na mentira se fizesse. -Sim, foi isso. -Falei aliviado por aquela desculpa ter colado tão rápido e me recostei no sofá. -Coitada dela, meu filho. -Ela suspirou, me imitando para se acomodar no sofá. Suas sobrancelhas se juntaram em seguida. -Só não entendo por que você fez isso e não me contou. Você m*l a conhece querido, ela era muito próxima a mim mas nunca foi de você. Desviei o olhar sentindo meu coração começar a acelerar dolorosamente. Ela não fazia a menor ideia do que estava dizendo e isso me deixava mil vezes mais culpado. -Como eu disse... Foi por acaso. Talvez se tivesse encontrado outra pessoa ela não tivesse recorrido a mim, mas... Parece que eu estava no lugar certo, na hora certa. Ela manteve seus olhos em mim. Podia ver claramente que eu estava nervoso e desconversando.  -E por que você não me contou? Por que ela não me procurou depois de te encontrar? Eu poderia ter ajudado, sem você e o Nick a casa ficou com dois quartos vagos, aqui m*l cabe você sozinho. Passei a mão pelo rosto, escondendo o suor e a tensão. Já era difícil ter que mentir, ela fazendo todas aquelas perguntas me deixava simplesmente apavorado. -As coisas aconteceram rápido demais. Eu ia falar, mas fiquei ocupado tentando dar um jeito de ajudá-la. Quanto a ela... Acho que não queria ser um estorvo pra você, nem lhe deixar preocupada. -Ora. Isso não faz sentido. -Ela ralhou e eu gelei com medo de ser descoberto. -Mas... Eu entendo. Fingi uma tosse, apenas para tentar recuperar o fôlego com aquelas últimas palavras que me pegaram desprevenido.  -Entende? -Tive que perguntar, por que não acreditava. -Entendo sim. Imagina o que essa mulher passou com essa criança. -Ela disse, balançando a cabeça com negação.  Concordei com um maneio de cabeça. Ela não sabia nem metade da história e já estava se compadecendo. Se soubesse de tudo... Se soubesse o que Marvin fazia com Susan, acho que não suportaria. -Pois é. É uma história bem ferrada. Por isso precisei de tempo para pensar sobre tudo isso. -Falei, observando-a com seu rosto cheio de compaixão. -Tudo bem. -Ela falou, juntando as mãos. Estava nitidamente pensando em mais alguma coisa. -Mas não gosto dessa situação. Você não deve dividir uma casa com uma mulher viúva e uma criança, sabe que se acontecer alguma coisa vão culpar você. Franzi o cenho e me aproximei mais dela tirando as costas do sofá.  -Como assim? Do que está falando? Ela levantou, como se o que iria me dizer fosse difícil. Colocando as mãos na cintura ela começou a andar de um lado para o outro. -Finn, vocês não são nada um do outro. Eventualmente eu tenho certeza de que ela deixaria ou até mesmo já deixou a garota sozinha com você. E isso é errado. -Mãe, você não está pensando que eu... -Me calei, incapaz de verbalizar o que estava imaginando. Ela me encarou com certo desespero e se sentou ao meu lado. -Não meu filho. É claro que eu sei que você nunca faria nada de r**m, pra ninguém. Você é incapaz de fazer isso. Só acho que isso não é saudável, as pessoas falam demais. Deus me livre pensarem uma coisa dessas de você. Fiquei calado, pensando naquilo. Na verdade nunca havia me ocorrido isso antes. Quer dizer, eu realmente nunca seria capaz de fazer absolutamente nada contra Sarah, mas me lembrei da noite no supermercado em que o segurança achou que eu estivesse a atraindo para sair comigo. Senti um gosto amargo na boca e engoli em seco tentando desviar daquele pensamento nojento.  -Você tem razão. É muito errado. -Concordei. -Mas isso é por pouco tempo, ela vai embora depois que arranjar um emprego. -Taí mais um motivo para você ter me dito isso antes. Eu poderia ter conseguido algo pra ela na faculdade. -Disse ela desapontada, esfregando a testa.  Apesar da grande maioria do que eu disse ser uma grande mentira, me senti aliviado e orgulhoso dela. Minha mãe era a melhor pessoa do mundo. -Você faria isso? Quer dizer, não está com raiva dela? Ela virou o rosto na minha direção, como se não tivesse me ouvido direito. -Claro que não, Finn. Por que eu teria raiva dela? Francamente, só quero ajudar, ainda mais sabendo de tudo o que ela passou. A Susan foi minha melhor amiga durante três anos, isso não posso ignorar. Imagina, perder o marido e o emprego e ainda cuidar de uma criança sozinha... Balancei a cabeça sutilmente. A morte de Marvin na verdade tinha sido a única notícia boa que Susan havia trazido. Quis explicar a minha mãe que quanto a isso ela não tinha com o que se preocupar, mas se entrasse no assunto eu nunca mais ia poder sair.  -Eu vou alugar um apartamento pra ela. Logo. Estou planejando fazer isso desde que concordei em aceita-la aqui. -Você está pagando por tudo sozinho? Quer dizer, está sustentando as duas? Não a encarei, sentindo um pouco de vergonha em admitir aquilo, embora eu não soubesse explicar o por que. Minha mãe assumiu meu silêncio como uma confirmação e respirou fundo. -Tudo bem. Você fez o certo. Quer dizer, deveria ter me contado tudo antes, mas estou orgulhosa de você. Ela passou a mão pelo meu cabelo, tive certeza de que foi capaz de sentir o suor em minha testa, e esperei que ela pensasse ser do calor e não do meu nervosismo. Ouvir que ela estava orgulhosa de mim me deixou ainda pior. Para variar.  -Desculpe ter escondido. -Murmurei, mas queria poder dizer muito mais. Ela deu um sorriso condecendente e encostou a cabeça em meu ombro. Ficamos um tempo em silêncio, só depois ela voltou a levantar a cabeça. -Vocês... Vocês dois dormem juntos? Senti meu rosto esquentar e me afastei.  -Não. Claro que não. Eu durmo aqui na sala. As duas dividem o quarto. -Me apressei em explicar. Ela me olhou desconfiada, levantando uma sobrancelha. -Eu não quis insinuar nada... Só pensei que... Olha, eu sei que você tinha uma quedinha por ela quando era jovem e a Susan continua muito bonita. Me afastei de seu olhar e me levantei, incapaz de respirar. Cada vez que ela se aproximava da verdade era como se eu perdesse a cabeça e tudo em mim se revirava.  -Mãe, não! Nunca houve nada entre nós e não vai acontecer! -Fiquei nervoso quase gritando. -So fiz o que fiz por você, por que sabia que ela era importante pra você! Minha mãe fez um gesto com as mãos para que eu me acalmasse, ela estava muito surpresa com a minha revolta. Eu não deveria fazer isso. Estava dando muita bandeira. -Eu sei, querido. Você ainda era uma criança naquela época. Deus sabe que nunca poderia ter se envolvido com ela e graças a ele isso não aconteceu. -Ela disse levantando a mão para cima.  Ouvir aquilo foi como um soco no estômago. Senti meus dedos começarem a escorregar do suor que escorria dos meus braços e fui até a cozinha. Agora nem um balde de água gelada conseguiria me acalmar. Peguei uma garrafa de água e bebi quase tudo de uma vez. Ela veio atrás de mim e ficou atrás do balcão, mas eu não me virei. -Finn, tem algo que você não está me contando. Não tem? -Não respondi, ela continuou em seguida  - Eu acho que faço ideia do que seja e você não precisa ficar tão perturbado dessa forma. Parei de engolir a água e abaixei a garrafa encarando o vapor que escapava para fora da geladeira. Não tive coragem de perguntar o que ela estava pensando, por que talvez já fosse tarde demais e ela já soubesse apenas pelo meu comportamento. Ela esperou, como não respondi, continuou: -Foi por causa dela que você e a Millie terminaram, não foi? -O que? -Perguntei tão baixo que nem ouvi minha voz, mas ela sim. -É a única explicação. Logo que a Susan aparece vocês dois terminam do nada. É compressível, não é qualquer uma que entenderia de repente o namorado ter que morar com outra mulher. Tampei a garrafa e coloquei de volta na geladeira. Em outro momento ela brigaria comigo por fazer aquilo mas não disse nada.  Ela quase acertou em cheio. Respirei, tentando me acalmar.  -Isso ajudou, mas eu e a Millie já tínhamos alguns problemas antes. Não foi por causa da Susan. -Menti.  A ouvi suspirar, aceitando minha resposta vaga. Quase desmoronei de alívio. -Ok. -Ela voltou para a sala e apanhou um ursinho cor de rosa do chão. -Enquanto você não arranja um lugar e ela não consegue o emprego vou levá-la comigo, não quero que passem mais nenhuma noite juntos aqui. Voltei para a sala, vendo-a encarar o brinquedo, como se estivesse falando com ele. -Esta falando sério? -Perguntei enfiando as mãos suadas nos bolsos. -Sim. Muito sério. Aqui não é lugar para ela e para uma menina, além disso é melhor que tenha uma outra mulher como companhia do que você.  Concordei ainda um pouco relutante. Tinha planejado arranjar um apartamento o mais rápido possível, mas como minha mãe se propunha a ajudar, eu não negaria, embora o pensamento das duas juntas me desse calafrios nervosos. -Tudo bem, vou conversar com ela. -Ah não. Não precisa. Eu vou ficar e conversar eu mesma. Ela volta logo, não é? Foi deixar a menina na escola? -Foi. Mas você não precisa ficar, posso levá-la mais tarde. -Falei depressa. Precisava de tempo para explicar para Susan. Ela negou com veemência e sentou no sofá cruzando as pernas. -Faço questão de esperar. Vá se arrumar, está ficando tarde. Abri a boca para dizer que não quando alguém bateu na porta. Me virei imediatamente, Susan não batia, ela tinha a chave, mas logo me dei conta de que ela não entraria de uma vez. Me apressei em ir atender, mas minha mãe levantou indo antes de mim. Fiquei parado observando seus passos rápidos mas na minha cabeça tudo passava muito devagar, como se meu cérebro tivesse entrado em estado de negação automaticamente. Ela abriu a porta e Susan a encarou primeiro. Seu rosto ficou branco de pavor e ela deu um ligeiro passo para trás. -Entre querida. -Minha mãe alcançou seu ombro com o braço a puxando para dentro. Os passos de Susan eram hesitantes, preocupados. Ela olhou para mim, como se não estivesse entendendo nada. Eu fiquei calado, com minha mãe ali era impossível que eu conseguisse dizer alguma coisa. As duas se sentaram no sofá e minha mãe ficou de frente para ela. -Susan, o Finn me contou o que aconteceu. Susan olhou direto para mim horrizada. Tentei demonstrar que estava tudo bem mas estava paralisado. -Ele... Contou? -Ela perguntou se virando outra vez para minha mãe. -Contou sim. Falou sobre a perda do seu marido e que as coisas ficaram complicadas depois disso. Ele me disse que vocês se encontraram por acaso. Parecia que eu nem estava mais no lugar.  Era apenas o telespectador inútil vendo aquele filme de terror em que minha mãe repetia minhas mentiras para a mulher que eu havia prometido ajudar e que por causa dela a minha vida toda estava ruindo.  Susan engoliu em seco, parecendo substancialmente mais aliviada. -Foi... Nos encontramos por acaso. -Murmurou dando um sorriso fraco.  Para meu alívio ela era boa em mentir, coisa que eu não era. Minha mãe assentiu e segurou suas mãos. Apesar da diferença de idade, as duas eram um pouco mais parecidas agora do que eram a oito anos. Quando Susan apareceu pela primeira vez parecia uma garota e minha mãe continuou do mesmo jeito.  -Tudo isso vai passar, agora que eu sei da verdade também vou te ajudar. -Ela disse, passando confiança em seu tom protetor. Senti vontade de vomitar. Não imaginava que teria uma reação tão r**m daquela forma. Engana-la era a coisa mais difícil do mundo e mesmo que esconder a verdade fosse o melhor para todo mundo eu não conseguia me acostumar com isso. Susan ficou com o olhar perdido, envergonhada, pensando em algo para dizer. Ela não ia dizer a verdade, eu sabia, não podia fazer isso. Minha mãe começou a fazer um monte de perguntas, as quais Susan respondeu com a verdade ocultando as partes que me envolvia. Vendo que tudo já estava muito fora do meu alcance me afastei dizendo que ia me arrumar para sair. Me tranquei no quarto, torcendo para que Susan não deixasse minha mãe desconfiada. Enquanto tomava banho me perguntei se aquilo era mesmo real, se de fato Susan e minha mãe estavam ali na sala do outro lado da porta. Por que de alguma forma, não parecia verdade, parecia fazer parte de um grande pesadelo.  Vesti a calça rápido, e estava escovando os dentes quando ouvi batidas na porta. -Pode entrar. -Falei, depois de cuspir o conteúdo do creme dental na pia. Susan entrou e veio direto a mim. Seus olhos estavam vermelhos, derramando lágrimas e ela m*l conseguia respirar. Passei a toalha no rosto depressa.  -Ei, o que foi? -Perguntei, segurando seus ombros que tremiam. Ela tentou responder, mas tudo o que conseguiu emitir foram sons sem sentido. A levei para o quarto e a fiz se sentar na cama, depois sai e fui até a sala. Estava vazia, me dizendo que minha mãe já tinha ido embora. Enchi um copo com água e levei para Susan. -Tome. -Ela aceitou ainda tremendo, passando a mão pelo peito. Parecia que tinha corrido uma maratona. Comecei a ficar muito preocupado com seu comportamento. Quando ela engoliu tudo, soltou uma grande exalação limpando as lagrimas. -Sua mãe quer que eu vá pra casa dela. Disse que vem me buscar mais tarde. -Falou me devolvendo o copo. Eu o coloquei sobre a mesa de cabeceira. -Ela me disse. Eu achei que fosse o melhor também. -Falei com cautela, vendo o rosto de Susan se apavorar novamente. -Eu não vou. Não posso. De jeito nenhum. -Ela soluçou, cortando a frase para tentar respirar. De tudo o que eu pensei que pudesse estar lhe perturbando não fazia ideia de que seria ir para a casa dos meus pais. -Por que não? Lá é melhor para vocês duas. -Não é! Eu não vou! -Gritou reiniciando a sequência do choro mais exagerado que eu já vi na vida. -Ei. Acalme-se. -Voltei a segurar seus ombros. Ela estava descontrolada. -Não estou entendo qual o problema disso. Ela abaixou a cabeça e levantou as pernas colocando a testa sobre o joelho. Não tinha a visto tão m*l daquele jeito desde a primeira noite em que tinha voltado. Algo estava muito estranho. -Eu não posso. Não posso ir morar com seus pais. Não tenho coragem. -Falou com a voz abafada nas pernas. Respirei fundo. -Eles não sabem de nada, Susan, você viu, eu inventei que nos encontramos por acaso. Não tem com o que se preocupar. Ela levantou a cabeça, parecendo indignada, seu nariz estava escorrendo e ela passou a mão depressa para limpar.  -Não é por isso. -hesitou, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas ficou calada apenas olhando para mim. -Então diga o que é! -Insisti, quando vi que ela não diria mais nada. Ela olhou para os lados tentando encontrar as palavras. -Não posso. Depois de tudo, ficar vendo sua mãe diariamente, eu não vou conseguir fazer isso. Senti que ela estava mentindo ou omitindo. Mas logo outra coisa veio em minha mente e eu esqueci aquilo temporariamente. -Se você não for, não sei o que vai acontecer. Ela não quer que fiquemos juntos aqui, nem mesmo mais uma noite. E se você se recusar a ir ela vai desconfiar. Susan afastou os cabelos para trás, entrando em desespero, mas fez uma pausa para pensar.  -Voce pode ir no meu lugar. Eu fico aqui com a Sarah e você volta pra casa. Vai ser temporário, não é? Me levantei recusando a ideia. Eu, na casa dos meus pais de novo? De jeito nenhum.  -Não Susan. Eu não vou voltar. Eu moro aqui, isso não tem o menor cabimento. Ela vai te ajudar a conseguir o emprego, é você quem deveria ir. Ao ouvir minhas palavras ela chorou ainda mais. Não entendia o que estava acontecendo, a única coisa que conseguia pensar era que ela estava prestes a explodir a medida que eu me tornava irredutível.  -Por favor, Finn. Não deixe que ela me leve. Eu não vou aguentar ficar lá. Eu... Prefiro ir pra rua. -NÃO! -A silenciei com um grito que saiu de repente ao escuta-la.  Ela estremeceu e eu me sentei ao seu lado de novo, arrependido por ter gritado. Quando eu pensei que as coisas estavam melhorando, ela sempre dava um jeito de complicar. Contra aquilo eu não podia lutar, mesmo que quisesse me afastar nunca deixaria que ela ficasse sem ter onde morar. Eu poderia insistir, mas sabia que com Susan era completamente inútil, especialmente vendo-a daquele jeito. -Está bem. Eu vou. -Falei depois de ter tirado um tempo mínimo para pensar.  Talvez eu não quisesse admitir, mas a minha culpa não podia se comparar com a dela. Aos olhos dos outros ela seria a única errada. A única a sofrer as consequências. Sem que eu esperasse ela se jogou em cima de mim, me abraçando. -Obrigada. -Disse enquanto voltava a desmoronar agarrada em meus braços. Não retribui o abraço, fiquei parado, sentindo cada parte do meu corpo rejeitar aquele contato, mas não a afastei de imediato. Odiava vê-la chorar, e se eu não deixasse que fizesse aquilo, não ia parar. Quando sua respiração acalmou empurrei seus ombros suavemente sentindo meu ombro olhado por suas lágrimas.  -Ok. Fique calma. -Me levantei, esfregando as mãos no rosto. Ainda era muito cedo e eu já me sentia completamente exausto. Mal conseguia acreditar que tinha cedido tão depressa. Voltar para a casa dos meus pais nunca tinha passado pela minha cabeça como algo meramente possível e lá estava eu como sempre fazendo tudo o que nunca imaginei fazer. Me dobrando para satisfaze-la.  Fui até o guarda roupa e puxei uma camisa do cabide. No meio daquilo tudo não reparei que estava somente com a calça. Susan me seguiu com os olhos. -Desculpe, não queria te aborrecer, só que é muito difícil pra mim isso tudo. Sua mãe é tão gentil e isso me faz ficar péssima. -Eu sei. -Respondi automaticamente, abotoando a camisa, por que me sentia exatamente da mesma forma. -Venho aqui mais tarde pegar algumas coisas. Amanhã vejo se consigo alugar um apartamento pra você. Ela não disse nada. Quando a olhei de novo ela estava me encarando, na verdade encarava meu pescoço. Eu estava fechando os últimos botões quando me lembrei das marcas que Millie tinha deixado ali. Me virei de costas fechando o restante o mais rápido possivel. -Você.. passou a noite com ela? -Susan perguntou com um tom contido, quase como se a pergunta tivesse saído sem querer. Pensei em mentir, mas do que ia adiantar? Ela já sabia a resposta. -Sim. -Levantei um pouco a gola da camisa e me virei para ela. Mesmo estando de costas antes ela continuava olhando para mim. -Ainda dá para ver. -Apontou para meu pescoço, dando um sorriso desconfortável.  Passei a mão pela marca sentindo a pele sensível levemente machucada. Fui até o banheiro olhar no espelho e constatei que mesmo fechando todos os botões da camisa as marcas ainda eram muito visíveis. Ouvi um barulho vindo do quarto, depois Susan passou pela porta trazendo uma maleta pequena mas mãos. -Posso cobrir com maquiagem se você quiser. -Falou ela olhando diretamente para meu pescoço outra vez. Mesmo que agora eu estivesse na sua frente parecia que ela não conseguia me olhar nos olhos.  Me mexi um pouco desconfortável passando a mão para cobrir o lugar mas assenti, ou então todos no escritório veriam. Voltamos para o quarto e Susan me indicou para que eu sentasse na cama, quando fiz isso ela se aproximou e desabotoou os três primeiros botões da minha camisa. Engoli em seco com aquela súbita aproximação, mas não tive ação para afasta-la. Susan mexeu na gola da minha camisa, afastando para o lado com delicadeza. Seus dedos passaram por cima de onde eu senti a sensibilidade aumentar e devo ter emitido algum som de protesto pois ela se afastou despertando de sua distração. -Um pouco de base já deve resolver. Ela virou para pegar alguma coisa na maleta, quando voltou levantou meu queixo com um dedo e começou a passar algo frio em meu pescoço com uma espécie de esponja. Apesar disso continuou olhando apenas para meu rosto. Com ela em pé na minha frente não tinha muito o que eu pudesse fazer para não olhar então me fixei em um ponto abaixo de sua sobrancelha onde via o aparecimento de um pequeno sinal. Era melhor do que olhar para seus olhos, com certeza. -Fico feliz que vocês tenham se resolvido. -Ela disse, dando um sorriso estranho. Não gostava de falar sobre Millie com ela. Parecia errado. Continuei olhando firme para o sinal, rezando para que ela acabasse logo. -Ficou tudo bem, eu acho, mas não voltamos a namorar. Ainda. -Destaquei a palavra para que ela entendesse. Susan assentiu ainda com o rosto meio inexpressivo. -E você acha que isso vai mudar? Quer dizer, quando eu sair daqui, vocês vão voltar? Fechei os olhos para respirar mais fundo. Millie tinha dito que só estaria realmente tudo bem quando Susan fosse embora, mas confessar aquilo para ela parecia c***l demais. -Não sei. Talvez. A Millie ainda está magoada comigo. -Inventei, com o máximo de verdade que poderia passar. Não gostava de culpa-la embora indiretamente fosse sim culpa dela.  Susan suspirou e eu permaneci com os olhos fechados, esperando que ela terminasse o que estava fazendo. Seus dedos continuaram a arrastar a base em meu pescoço e com movimentos sutis ela tocou meu rosto devagar, senti sua respiração próxima, próxima demais, então abri os olhos, ela se afastou de surpresa e desceu as mãos por meu pescoço, disfarçando. Senti um calafrio na espinha.  -Você terminou? -Perguntei, já afastando sua mão de mim. -Sim. Está pronto. -Ela disse se virando de costas depressa para disfarçar seu nervosismo. O que tinha acabado de acontecer? Ela ia me beijar? Balancei a cabeça afastando aquele pensamento e voltei para o banheiro para fechar a blusa. A marca havia sumido do meu pescoço, pelo menos. Antes de sair de casa, reparei em Susan deitada no sofá enquanto lia um livro distraída demais para olhar de novo para mim. Ou talvez envergonhada pensando no que tinha quase feito. Saí e não disse mais nada.  Enquanto dirigia pensei em tudo o que tinha acontecido naquela manhã horrível e me perguntei até quando teria que ser daquele jeito. Uma notificação soou na tela do meu celular e eu apanhei para verificar a mensagem. Era de Millie. Até sexta-feira S2 Dei um sorriso involuntário. Acho que o primeiro desde que tinha me afastado dela logo cedo e um alívio imediato me relaxou.  Estou contando as horas. Nesse momento faltam exatamente 167 horas e 40 minutos. Depois de um tempo não muito longo ela respondeu. Agora são 167 e 38 minutos. Dei uma risada. Dessa vez com mais vontade, com mais saudade ainda, a medida que também olhava para o relógio vendo os números mudarem lentamente. Queria poder acelerar o tempo. Respondi:  Eu te amo. 167 e 37 minutos.  E até que eu chegasse no trabalho ela foi contando comigo por mensagens e  uma vez na vida eu senti esperança.  167 e 36 minutos... E eu te amo mais. 
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