Capítulo 01

1295 Words
Cecília Blackwood Contas e mais contas estavam chegando até as nossas mãos, revelando a realidade de que, mais uma vez, estávamos atrasados com a hipoteca da casa, mas sinceramente, esse podia ser o menor dos nossos problemas. E saber disso fazia a minha cabeça latejar. — Ceci, venha me ajudar! — Saí do meu devaneio quando ouvi minha mãe me chamando, o meu corpo se levantando logo após. Deixei a carta da hipoteca em cima da cômoda e, pegando a minha bolsa, saí do meu quarto para descer as escadas. — Já estou aqui — falei quando cheguei ao último degrau, os meus olhos procurando pela minha mãe enquanto eu andava pela casa, para finalmente encontrá-la na cozinha. — Bom dia, minha princesa! — ela disse com um sorriso nos lábios, os seus braços se abrindo para me receber. — Bom dia, mamãe. — Me aproximei e a abracei. — Que cheiro gostoso — falei enquanto as minhas narinas se inflaram com o cheiro delicioso da massa de panquecas recém-pronta. — Em que você quer que eu ajude? — Sirva a mesa pra mim, por favor. — Ela apontou com o rosto para a mesma, sem tirar sua atenção das panelas. Me aproximei de um dos armários e abri a porta, pegando os pratos para servir a mesa.  — Me dê um prato, por favor — falou, pegando um dos pratos que estavam na minha mão, tirando as panquecas que estavam na frigideira de uma única vez e criando logo uma torre deliciosa. — Cadê o pai? — perguntei enquanto terminava de preparar a mesa para tomarmos café, porque até aquele momento, eu não havia o visto em nenhum lugar. — Ele ainda não chegou — ela disse, suspirando profundamente, nitidamente cansada. Mas, no fim… todos estávamos cansados. — Ele passou a noite fora novamente? — Terminei de pôr a mesa e me sentei enquanto esperava que ela me respondesse, mesmo que uma parte minha já soubesse exatamente qual a resposta que ela iria me dar. — Deve estar jogando — minha mãe ponderou enquanto colocava o café, as panquecas e, por último, pegou o mel, para se permitir sentar-se à mesa, junto de olhos pesados. — Ele prometeu que não iria mais colocar a nossa família em risco, como ele pode estar jogando? — Senti um aperto no meu peito, porque uma parte minha queria muito acreditar no meu pai, em suas palavras. — Cadê o Brendon? — O seu pai vai cumprir com o que disse, querida, em… algum momento. — disse com os olhos já marejados. — Já, Brendon, continua dormindo. — Como está a glicose dele? — perguntei preocupada, porque embora meu pai fosse minha preocupação principal, meu irmão era alguém com quem deveríamos tomar muito cuidado. — Está bem por enquanto, controlada, mas precisamos de mais adesivos — concluiu e secou uma lágrima que ameaçava cair. — Precisamos comprar mais frutas para sua alimentação, mesmo que não possa ingerir açúcar, ainda deve manter uma alimentação saudável. — Vou pedir um adiantamento para Claire — fiz uma pausa ao falar aquilo. — Mas, mãe… o papai sempre diz a mesma coisa, só que sempre acabamos desse jeito… — desviei o olhar, tentando não deixar emoções fortes tomarem conta de mim — a senhora não se lembra da vez que eu fiquei no hospital por conta da pancada na cabeça? Do tratamento que eu quase não tive, pela falta de dinheiro? — Ele ficou muito m*l quando tudo aquilo aconteceu — minha mãe falou, sentando-se ao meu lado na mesa, segurando uma das minhas mãos. — Pensamos que iríamos te perder, esse foi um dos motivos para ele largar tudo isso, então, acredite quando eu digo, filha, seu pai mudou. — Não sei se consigo acreditar… — Respirei fundo naquele momento, os meus dedos jogando os meus fios para trás. — Ao menos dê uma chance a ele… — ela estava praticamente implorando e eu me sentia m*l de dizer não. Mas o meu pai tinha um péssimo problema com jogos e álcool. Ele acabou brigando com um homem, da última vez, e quando eu entrei no meio para tentar apaziguar a briga, acabei levando um soco no rosto. Com o impacto, acabei caindo e batendo a cabeça no meio-fio. Isso me rendeu alguns dias no hospital, e com tudo o que aconteceu, ele prometeu que não iria mais jogar, só que a palavra de um alcoólatra viciado em apostas não era exatamente confiável — mesmo que eu desejasse muito que fosse. Já havíamos ficado várias vezes a ponto de perder nossa casa, da última vez tive que fazer um empréstimo para que isso não acontecesse, e para piorar, a situação do meu irmão não era boa. Todos os dias eu me perguntava quando o meu pai acordaria para a vida e entenderia onde havia nos metido, mas, no fim, éramos apenas eu e a minha mãe. Apenas nós duas contra o mundo. Exceto quando ela insistia em permanecer ao lado dele. — Logo ele chega em casa. — Ela tentou me passar confiança, obviamente na esperança de acobertar os erros dele outra vez, só que… eu estava ficando cansada disso também. — Preciso ir, mamãe, Claire precisa que eu abra a loja hoje — disse me pondo em pé, deixando aquele café para trás, já sem fome alguma. Por que toda aquela conversa? Já havia deixado o meu estômago completamente embrulhado. — Não vai terminar de tomar seu café? — me encarou junto de um semblante preocupado. — Hoje não era o turno dela? — Estou sem fome — falei, porque era a mais pura verdade. O fato de saber que o meu pai estava, provavelmente, jogando de novo, me causava ânsia e, por mais que minha mãe quisesse confiar nas palavras do homem com quem ela se casou, sei que ele não cumpriria com o que prometeu, porque ele nunca conseguiu tal feito. — E, sim, é o turno dela, mas como ela está em um segundo emprego, chegará atrasada, e para a Mel não brigar, farei esse favor — expliquei. — Não fique assim, seu pai não vai nos decepcionar — ela disse, tentando me animar, e eu depositei um beijo em sua testa, já sem ânimo para discutir ou tentar convencê-la do contrário. — Está bem, mãe… eu vou indo. — Dirigi-me até a porta, sentindo o cansaço sobre os meus ombros, mesmo o dia nem tendo começado direito. — Se cuida, Ceci — minha mãe pareceu pedir com um leve aceno de mão. — Até à noite, mamãe — falei sem olhar para trás, pegando a minha bolsa, o meu corpo saindo daquela casa sem vontade alguma. Atualmente, eu trabalhava em uma loja de joias que era bem famosa entre a elite, o que fazia o salário ser bom, de certo modo, porém… as coisas não continuariam assim por muito tempo, e esse era mais um dos motivos para a minha cabeça latejar. A loja trocaria de dono, todos os funcionários aviam sido avisados disso, o que fez uma certa preocupação pairar por todos nós. O motivo? Que nem sempre os novos patrões mantinham os funcionários antigos, e se esse fosse o caso da minha alma azarada, eu perderia o emprego, também o dinheiro que era tão necessário dentro da minha casa. Minha mãe não sabia de nada disso — claro, por mim, continuaria não sabendo na verdade, porque eu estava à procura de um novo emprego, de um jeito quase frenético. Um dos clientes até tentou ajudar, oferecendo uma vaga em seu estabelecimento — que, se eu não me engano, se chamava valete —, mas… mesmo que ele fosse amigo do dono da loja, ainda era uma proposta um tanto quanto difícil de se aceitar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD