Capítulo Vinte e três — Mistérios Estranhos 

2146 Words
Capítulo Vinte e três — Mistérios Estranhos Ponto de Vista de Henry Reymond Encaro a prancheta em minhas mãos com algumas informações que me foram passadas sobre minha paciente. Começo a analisar o caso, pensando em quais técnicas melhor seriam utilizadas para realizar uma abordagem amigável. Ao me relembrar sobre a primeira vez que a vi, tentando fugir do loca, me traz a extrema certeza de que ela não gosta daqui, e pode não cooperar com a entrevista. Optarei, assim, por meios menos invasivos para que ela se sinta maior confiança e conforto em mim, uma vez que eu mesmo sei bem o quanto este lugar está fora de ser algo agradável. Seguindo meus passos para uma ala afastada da qual fui informado, meus pensamentos voam alto quase me afastando do que eu realmente deveria estar me concentrando. Pelo menos, em meio disto tudo, eles atenderam meu pedido sobre retirar minha paciente do corredor sinistro e claustrofóbico, levando-a para um quarto mais amplo e com janelas. Ao enfim, parar na frente da porta de número vinte e quatro, novamente reanaliso todos os meios, e assim, ao me julgar pronto, adentro ao local. Ao primeiro momento, abro um sorriso satisfeito em ser recepcionado pelos raios solares que atravessam o grande vidro da janela, notando que a imagem que transfere é de um belo jardim, e mais ao fundo conjunto de árvores em florestas. Algo bom a trazer a natureza para mais próximo de minha paciente, a quem está sentada em uma cadeira de rodas, com seu olhar fixo a paisagem à frente. — Bom dia, senhorita... — Digo, mas logo noto que eu não me recordo de seu sobrenome, fazendo-me guiar novamente minha atenção para as informações na prancheta. — Alice Bianchi. Porém, Alice continua calada, sem nem ao menos direcionar seu olhar a mim, permanecendo-o fixamente atento sob a paisagem na janela a sua frente. Apesar de sua recusa ao me cumprimentar, analiso que em suas expressões não possui nenhum deboche ou apatia por minha presença, fazendo-me me aproximar. Sua expressão está pensativa, e apenas demonstra que sua quietude faz parte de uma personalidade reservada. Ao analisar, franzo o cenho em confusão pela cadeira de rodas. Quando eu a vi pela primeira vez, ela estava exercendo bem suas pernas. Cerro meus olhos ao anotar a primeira informação curiosa, parte de mim quer torcer para que só seja oriundo de alguma doença que ela deva ter, mas outra parte me alarma sobre sua inimizade com Megan, a quem momentos atrás também me ameaçou. Preparo-me para uma boa abordagem para iniciar minha pergunta, mas ela toma a palavra antes de mim, quebrando por fim o silêncio. — Me diga que você consegue enxergar aquela mulher ao longe. — Sua fala sai quase como um sussurro. Cerro os olhos na direção em que ela aponta, tentando avançar minha visão para algo despercebido, mas não encontro mulher nenhuma. Apenas estamos diante de um jardim, e ao fundo a floresta. — Você pode me descrevê-la? — Questiono. — Uma bela mulher... — Ela dá uma pausa, com seus olhos enchendo de lágrimas como se ela a conhecesse. Alice suspira pesadamente antes de prosseguir, cessando as lágrimas e as impedindo que caiam sobre seu rosto. — A mulher veste um longo vestido branco, quase igual ao meu, mas aponta para entre as árvores, enquanto me direciona um olhar que poderia me passar inúmeros motivos para eu precise seguir o caminho que informado. — É alguém familiar para você? — Pergunto, tentando me demonstrar o mais compreensível possível para o que ela me informa, sabendo que a mulher parte de alguma criação sua mente, ou, alguma recordação. Percebo que diante de minha fala, ela enfim desvia seu olhar da janela, porém, leva as suas mãos em seu colo, engolindo ruidosamente em seco ao demonstrar seu desconforto com isto. Procuro não insistir, sabendo que ela não está pronta para me contar sobre a moça de branco que vê. Criarei um ambiente mais confiante, e apenas quando ela estiver confortável, abordarei novamente este assunto. Assim que eu menciono em tocar em outros pontos seguindo a prancheta de suas informações em minhas mãos, a luminosidade no local começa a falhar, me levando a guiar meu olhar a lâmpada e observa-la ficar quase em tom vermelho antes de queimar por completo. — Eles voltaram. — Alice diz, chamando minha atenção. — Eles, quem? — Questiono, franzindo o cenho ao não compreender sua fala. — Os demônios atormentadores. — Ela me direciona sua explicação para o ocorrido. — Eles estão famintos, e se alimentarão das almas presas neste lugar. Por um momento, paro para apenas analisar o que é digo. Eu poderia diagnostica-la com algum transtorno, mas diante de tantos acontecimentos estranhos que também andam me acontecendo, temo que sua teoria de alguma forma possa fazer sentido. Afinal, o espiritual realmente existe? E se sim, demônios estão inclusos nisto? Balanço minha cabeça, tentando afastar um pouco dos pensamentos e tentar me manter o mais racional possível. Cogito que as coisas estranhas que aconteceram comigo tenham sido apenas oriundos das mãos de péssimos profissionais, e talvez, não tenha a ver de fato com um paranormal existente. Volto a encarar novamente sua prancheta, analisando o diagnóstico dado para seu caso, enquanto meus pensamentos estão altos em questionamentos. Alguns fatos rondam minha mente, me fazendo novamente me auto questionar sobre a racionalidade disto. Para tirar qualquer dúvida, me aproximo ainda mais da janela, abrindo mais ainda sua cortina, ao cerrar fortemente meus olhos em busca da mulher que foi mencionada por Alice anteriormente. Talvez, seja a jardineira no local, e ela apenas está confundindo. Mas realmente, não consigo encontrar algo de coerente, nem mesmo alguma sombra ou planta que possa estar causando esta falsa ilusão. Suspiro em frustração, mas ao mesmo tempo, anoto mais esta informação sobre sua prancheta. — Ela disse para você sair daí. — Alice toma a palavra, em tom meio apreensivo. — Se afaste da janela. Eles estão vindo. — Ninguém pode... — Procurei por palavras que acalmaria a apreensão repentina que ela adquiriu, mas a vejo afastar sua cadeira de rodas, e pousar suas mãos sobre sua cabeça, como se tentasse se proteger. Sou então, interrompido em minha fala assim que um pequeno estalo no vidro da janela me chama a atenção. Cerro meus olhos analisando, logo notando o morcego preto que se choca contra o vidro, em pleno raiar do sol a fora. Estranhamente, coincidência ou não, seu olhar se fixa ameaçador em mim, fazendo-me até mesmo agradecer mentalmente pelo vidro da janela me afastar desse perigo da natureza. Porém, franzo o cenho ao notar que outro morcego de mesma tonalidade surge e se choca na mesma direção do vidro na ameaça deste vir a se partir. Repentinamente, um trincar chama minha atenção ao me afastar do possível perigo. Estranhamente, escuto um murmuro de choro, oriundo de dentro do quarto, fazendo-me de imediato guiar minha atenção para Alice, porém, noto que ela ainda se encontra assustada, mas não há sinais de lágrimas em seu rosto. O murmuro se torna mais alto, fazendo-me perceber que oriunda de debaixo de sua cama. Engulo ruidosamente em seco, em extrema confusão. Ter-se-ia alguém realmente abaixo desta cama, ou eu estou ouvindo coisas? Estaria a psicóloga Megan correta sobre meu diagnóstico de delírio? Afirmo que eu pareço estar muito bem acordado, fazendo-me desclassificar quaisquer suspeitas sobre um pesadelo novamente. Encorajo-me, e me aproximo da cama, cautelosamente me abaixando, cogitando ser algum outro paciente por aqui escondido, ao passo que o murmuro de choro aumenta gradativamente diante de um desespero também crescente. Cerro meus olhos, forçando minha vista a se adaptar a escuridão abaixo da cama e franzo o cenho ao perceber que há uma menina, em idade de criança, encolhida ao chorar cobrindo seu rosto. Eu tenho uma possível confirmação sobre minha teoria anterior, porém, como consequências também tenho confusão em torno de que eu não sabia que este manicômio abrigava também crianças. — Oi? — Procuro chamar sua atenção. No mesmo instante, como resposta ao meu chamamento, o murmuro choroso cessa. — Está tudo bem? Procuro manter um tom amigável, sem críticas ou repreensão na primeira abordagem, para que possa passar alguma confiança. Mas não ganho respostas, enquanto ela permanece encolhida cobrindo seu rosto. — Ai deve estar muito desconfortável. — Digo, insistindo em uma possível conversa. — Venha para fora. Imediatamente ao fim de minha fala, os estalos no vidro da janela se tornam ainda mais presentes e insistentes, fazendo-me guiar por um breve e rápido momento em sua direção, notando que há inúmeros outros morcegos se chocando sobre o vidro em plena luz do dia. Estranho ao acontecimento, mas minha atenção novamente se volta para a menina debaixo da cama ao escuta uma risada em deboche vinda dela, gerando-me confusão. Cerro meus olhos ao notar que enfim ela me olha, porém, com uma expressão maldosa enquanto seus olhos se transformam em totalmente pretos rapidamente. — Olá Henry. — Sua voz soa extremamente assustadora, como se tivessem inúmeras vozes graves em diferentes tons, mas ameaçadores partindo apenas da menina, enquanto repentinamente uma corrente de gosma preta desce gradativamente por sua boca ao dar um grande sorriso, mas contendo seus dentes sujos com a mesma gosma escura. Assusto-me com a situação que novamente carrega um caráter sobrenatural. Estaria eu realmente delirando? Ao perceber que ela começa a engatilhar em minha direção, me afasto rapidamente por precaução, mas seus movimentos repentinamente se tornam muito mais rápidos que os meus, pegando-me desprevenido ao ter seu corpo jogado bruscamente sobre mim. A menina, segura sobre meu pescoço, causando-me ainda mais susto, mas assim que eu tento me desviar de seus movimentos, estranho a força totalmente descomunal que seu aperto carrega, seria totalmente impossível para o seu tamanho. — Nós queremos sua alma agora! — Ela diz, causando um nó de confusão ainda maior em minha mente. — Estamos famintos. De imediato, ela começa a pronunciar em uma linguagem que eu nunca ouvi falar antes, mas arrisco em dizer que possa ser algo como latim ou alguma língua morta. Por um momento, como consequência a isto, estranhamente, eu vou perdendo o controle de meus movimentos gradativamente. Estranhamente, observo uma fumaça esbranquiçada sair de minha boca, a qual é sugada ferozmente pela menina. Sem compreender o que ocorre, quase desfaleço, porém, antes disto escuto a voz de Alice chamar minha atenção: — Saiam, saiam! — Alice grita como se ordenasse. Ela tenta ficar em pé, mas quase cai sem equilíbrio ao colocar sua mão fortemente sob sua cabeça, denunciando uma forte dor. — Saiam imediatamente, eu ordeno, em nome daquele enviado por nós, em nome daquele que derramou seu sangue por amor a nós. Saiam! Repentinamente, em consequência a sua fala, a fumaça some, porém, a menina guia um olhar furioso para Alice, a quem consigo perceber o forte engolir em seco em medo. A menina afrouxa o aperto, gerando-me uma sequência de tosse, mas eu também foco em uma recuperação rápida no controle de meus movimentos. Obtendo sucesso e aproveitando a distração da menina, vendo que ela trocou seu alvo por Alice, viro-a rapidamente, intencionando imobiliza-la. Mas a risada que ela dá ecoa de forma extremamente assustadora por todo o local, causando-me ainda mais confusão. Seu olhar se guia para a janela, e em um forte estrondo, o vidro se parte em diversos pedaços, fazendo com que os diversos animais voem sob minha direção. Levo minhas mãos ao meu rosto, tentando me proteger dos possíveis ataques, mas eles apenas giram ao meu redor em círculo. Guio meu olhar abaixo, reparando que a menina repentinamente sumiu. Gradativamente, apesar do vento ao meu redor, sinto uma estranha sensação de sufocamento, causando-me uma tosse em descontrole ao tentar estabilizar minha respiração. Caio de joelhos, lutando com todas as minhas forças de permanecer com minhas pálpebras abertas. Repentinamente, escuto uma voz em latim, e em um rápido piscar de olhos, encaro o chão sem conter nada ao meu redor. Imediatamente, noto que Megan adentra o quarto, responsável pelas segundas ditas em latim, enquanto eu guio meu olhar em confusão pelo ambiente. Porém, estranhamente, não encontro mais os morcegos, apesar de o vidro da janela ainda estar espedaçado ao chão. O olhar assustado de Alice é uma das coisas que me garante que não estou louco, ela também presenciou o mesmo fato que eu. Ou, eu estaria delirando junto? Seria possível tudo isto acontecer na realidade racional em que vivemos? — Você não parece tão preparado para o trabalho. — Megan diz, com uma expressão extremamente séria. Por um momento, ao notar que eu estou ao ajoelhado ao chão, e que eu não tive qualquer controle de discernimento sobre uma realidade ou não na situação vivenciada, eu devo concordar com suas palavras. Não, eu não estou preparado para a loucura que eu me meti ao entrar neste local.
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