Um favor

2961 Words
CAPÍTULO III Mas Adam, na verdade, reparara muito bem no tom de convite, e isso o deixara perturbado. Sentira-se atraído desde a primeira vez em que vira Robin Hayle na loja. Ela possuía uma maneira especial de olhar para um homem com franqueza, deixando as emoções virem à tona livremente. Robin Hayle. Tentou suprimir a atração que ela inspirava. A filosofia de vida apache mandava evitar todos os excessos, mesmo de felicidade, e isso sempre lhe fora útil. Conte mais sobre a escavação ela pedia. Era estranho, mas ele tinha v*****e de contar. Estou fazendo pesquisas em Pueblo Bonito. Você conhece as ruínas de lá? Ela inclinou a cabeça e o fitou com seus profundos olhos azuis. Só as mais comuns. Pueblo Bonito é a comunidade mais conhecida no canyon, mas há várias outras. Estou tentando datar os períodos das cerâmicas com mais precisão, ligá-los aos poucos fatos de que temos conhecimento. Robin, devo estar chateando você com esta conversa. De jeito nenhum. Ela apoiara o queixo na mão, o cotovelo sobre a mesa, observando-o atentamente como se quisesse tirar uma fotografia. Ele recostou-se na cadeira, aumentando a distância entre ambos. Bem, não há muito mais para contar. Leciono no Departamento de Arqueologia da Universidade do Novo México, em Albuquerque. Minha especialidade são os índios do sudeste e suas cerâmicas. A garçonete chegou para anotar os pedidos. Robin comia bastante e não tinha vergonha disso: escolheu o maior prato. Adam a fitou, disfarçadamente. O que o atraía tanto naquela mulher? Seu jeito descontraído? Sua beleza, o corpo longo e esguio? O tipo estranho de trabalho que ela fazia? Como você veio parar em Santa Fé? ele indagou, um pouco surpreso pela própria curiosidade. Sua mãe o esperava para o churrasco anual e ele estava atrasado, mas, naquele momento, isso não importava. Eu estive aqui certa vez com uma amiga de minha cidade, Waukegan, em Illinois. Faz três anos. Fiquei apaixonada por este lugar. As possibilidades para meu trabalho são infinitas. E as pessoas... Sabe qual é a impressão que esta terra dá a alguém do meio-oeste? É como um país estrangeiro. Exótico. Já me disseram isso. Ele gostava do entusiasmo de Robin, de seu sorriso cheio de alegria. No entanto, quando ela estava calada, quase parecia uma criança vulnerável, que devia ser tratada com gentileza. O mistério intrigava Adam: aquela mulher alta, confiante e cheia de vida sem dúvida escondia alguma coisa. Podia perceber isso nos olhos dela, quando a pegava desprevenida. O instinto e a experiência lhe diziam que havia dor em Robin Hayle, e dor era algo que ele sabia reconhecer. Adam caiu em si e controlou-se. Aquela curiosidade sobre uma mulher que provavelmente não tornaria a ver era inútil. Nada aconteceria entre eles; não permitiria que aquele encontro resultasse em alguma coisa. Os dois estavam tão longe em seus mundos, separados como o sol da lua. Ela empurrou o prato vazio e suspirou. Ah, sinto-me humana outra vez! Você se importaria se eu fizesse algumas perguntas a seu respeito? Estou muito curiosa. Nunca conheci um índio antes. Ela apertou os lábios e baixou os olhos. Desculpe, mas não sei de que outra maneira posso dizer isso. Adam sorriu da sinceridade dela. Não se preocupe. O que você quer saber? Tudo. Ei, assim fica um pouco difícil! Então... fale dos apaches. Como eles são? Adam sentia v*****e de conversar com Robin. Era como se não falasse com uma mulher interessante há séculos. Que m*l poderia haver em um simples bate-papo? Todos falam dos apaches como guerreiros, mas eles lutavam por necessidade, embora minha tribo, os mescaleros apaches, tivesse uma fama terrível. Na verdade, para nós, a família e o clã são tudo. Nós nos chamamos de Diné, que significa povo. E chamamos esta terra de Dinetah. Dinetah Robin repetiu, saboreando o som. O exército norte-americano lutou contra nós por cinquenta anos. Mas, antes que os espanhóis ou os norte-americanos chegassem, meu povo era formado de pacíficos agricultores e pastores. Agricultores. Eu nunca teria imaginado. Também somos bons com cavalos. E nunca mentimos. Nunca? Nunca. E somos uma comunidade matriarcal. A mãe é a cabeça da família. Quando uma filha casa, traz o marido para o lado materno. Interessante. E eu sempre pensei que os apaches fossem uma sociedade guerreira e machista. Os guerreiros apaches eram violentos na sua época, mas ao contrário do que se acredita, nunca tiraram escalpos. Os apaches têm horror à mutilação, mesmo dos inimigos. Você é violento? Ele a fitou por um momento, surpreso. Eu? Eu sou um índio civilizado. Com diploma universitário e tudo mais. Você tem jeito de poder ser violento ela refletiu. Isso não é algo estranho para se dizer a uma pessoa que você m*l conhece? ele revidou, sério. Acho que sim, mas não consigo parar de imaginar as pessoas em fotografias, com fantasias e cenários. Bobagem minha, não é? Uma das imagens que faço de você é vestido de guerreiro, com uma longa trança, sobre um cavalo. Você tem visto filmes demais. Ela ignorou o comentário e inclinou-se sobre a mesa, fitando-o intensamente. Qual é sua fantasia, Adam Farwalker? Ele ficou frio por dentro. O que havia acontecido com a conversa inocente? Não ligo para fantasias. Mas devia. Pense um pouco nisso. Como você se vê? Adam desviou o olhar e fitou a escuridão. A voz abafada dos outros frequentadores, o som dos talheres, o ruído de uma rolha pulando de uma garrafa de champanhe chegavam a seus ouvidos. Sentia que Robin o observava, curiosa, atenta. Uma súbita v*****e de contar-lhe tudo o invadiu. Podia livrar-se do peso, parar de se esconder, de fingir. Era como se uma mulher desconhecida pudesse ver dentro de seu coração. Não. Nenhuma mulher compreendia o que havia de errado com ele. Violento. Tinha v*****e de rir. Vamos, você já deve ter se imaginado em algum tipo de cena ela insistiu. Detesto ser desmancha-prazeres, mas acho que é melhor irmos embora. Ele olhou para o relógio. Estão me esperando. Ah. Robin baixou os olhos. Desculpe. Você devia ter me dito. Eu posso pegar um táxi. De jeito nenhum, Robin. Eu a arrastei até San Lucas e agora vou levá-la de volta a Santa Fé. Ainda é cedo. Bem, se você tem certeza. Às vezes eu perco a noção de quanto estou falando. Meus amigos já aprenderam a me mandar calar a boca quando eu começo a exagerar. Ela levantou-se, pegou a bolsa e acompanhou Adam para fora do restaurante. O vento da noite entrava pela janela do carro enquanto seguiam em direção à cidade. Adam sentia o aroma familiar da terra onde nascera. Há muito aprendera a controlar cada gesto, cada expressão, cada palavra quando se encontrava com uma mulher. Era preciso manter distância, e ele sabia disso. É pena que não tenhamos conseguido encontrar o homem que fez aquele pote comentou Robin. O que você vai fazer agora? Posso tentar ir até San Lucas e fazer perguntas outra vez. Não pode pedir ajuda da polícia? Não. Não tenho provas além de sua fotografia. Isso não é suficiente para convencê-los de nada. Ele sentiu a hesitação de Robin, como se ela quisesse dizer algo, mas não soubesse se devia. Gostaria de poder rir com ela, colocar a mão em seu braço, tocar seus cabelos claros. Queria ainda ter a liberdade de fazer isso. Mas, a situação era ridícula, absurda. Dez anos antes, ele pegara caxumba de uma prima mais nova. Caxumba, um adulto com uma doença estúpida de criança. Mas, em homens adultos, a caxumba acarretava o risco da esterilidade. E o médico o informara, consternado, que ele nunca poderia ser pai. Assim, tomara a decisão consciente de evitar relacionamentos sérios. Tivera alguns casos amorosos, mas as mulheres pelas quais se sentira atraído sempre esperavam algo que não lhes podia dar. Então, ele mascarava sua deficiência com um comportamento distante. Sabia que às vezes parecia a*******e, mas receava que nenhuma mulher pudesse aceitar a verdade sem um sentimento de decepção ou, pior ainda, pena. A voz de Robin intrometeu-se em seus pensamentos. Você é daqui de Santa Fé? Sim, nascido e criado aqui. Meus pais vivem nos arredores da cidade. Ela suspirou, sem que Adam compreendesse por quê. Depois virou-se para ele, com um dos braços apoiados no encosto do banco. Adam tinha plena consciência dela, de seu perfume, de seus cabelos brilhando à luz da estrada, dos olhos questionadores. Você tem sorte ela disse, com a voz suave. Pertence a este lugar, tem raízes, sua família vive aqui. Às vezes me sinto tão desligada que chega a ser assustador. Meus pais morreram anos atrás. Espero que você dê valor ao que tem. Ali estava o traço de dor que ele notara. Ela era só, apenas isso. Onde se encontravam todos os homens que certamente haviam se interessado por ela? Por que não casara? Contra a v*****e, voltou os olhos para Robin, observando-lhe o pescoço claro e bem delineado, o perfil clássico. Adam estacionou diante da loja. Obrigado por ter largado tudo e ido até San Lucas comigo. Foi pena não descobrirmos nada. Poderíamos tentar de novo, não acha? De qualquer forma, obrigada pelo jantar. Ele saiu do carro para abrir a porta de Robin, enquanto ela pegava a bolsa e a câmera no banco de trás. Seus s***s repuxaram o tecido branco da blusa e Adam desviou o olhar. Obrigada novamente disse ela, descendo do carro. Foi uma tarde agradável. Você me avisa se houver algo que eu possa fazer para ajudar? Aviso ele respondeu, prometendo para si mesmo que nunca tornaria a ver Robin Hayle. Ela era muito perturbadora para sua paz de espírito tão duramente conquistada. Bem, tchau. Ela virou-se e então parou, olhando para a frente da loja. Por que será que Ericka fechou a persiana? O quê? Nunca fechamos a persiana. Estraga a vitrine. Por que ela... Vocês nunca deixam a loja assim? Adam perguntou, intrigado. Não. Será que Ericka esqueceu? Mas por quê? Ela abriu a bolsa à procura da chave e dirigiu-se à porta. Espere. Adam a segurou, dando ouvidos a um sexto sentido que aprendera a respeitar. Robin parou e o fitou na meia-luz da rua. O quê? Há uma porta dos fundos em sua loja? Ou alguma janela? Sim, no estúdio, na rua de trás. Fique aqui. Eu vou dar uma olhada. Mas o que você está achando que aconteceu? Não sei. Vou apenas dar uma olhada. Ele foi até os fundos e constatou imediatamente. Alguém havia quebrado a janela e entrado no estúdio. A porta encontrava-se aberta também. Adam aproximou-se, tentando descobrir se havia algum barulho lá dentro. Não, o silêncio era total. Adam Robin o chamou. Ah, você está aí. O quê...? Eu lhe disse para ficar... O que houve? Minha janela! Alguém entrou na loja. Oh, não! Robin passou por ele e acendeu as luzes do estúdio. Adam a ouviu soltar um gemido e entrou atrás dela. A loja estava em desordem completa. Todas as gavetas e armários haviam sido abertos e o conteúdo esparramado pelo chão, todas as fotografias arrancadas das paredes, todas as câmeras e rolos de filmes jogados pelo aposento, muitos desenrolados, expostos, arruinados. Ele notou que Robin não parecia bem e, depressa, segurou-lhe o braço e a levou para a cadeira mais próxima. Ela apertou-lhe a mão e olhou em volta, atordoada. Havia lágrimas em seus olhos. Você nunca foi assaltada antes? Não. E as lojas em volta? Nunca aconteceu nada desde que me estabeleci aqui. Será que roubaram o dinheiro? Está em uma gaveta... Adam a deixou e foi verificar a gaveta que ela lhe apontou. O dinheiro, cheques e recibos de cartões de crédito do dia haviam sido cuidadosamente guardados por Ericka em um malote de depósitos bancários. Ele lhe entregou o malote em silêncio e esperou até que Robin conferisse o conteúdo e levantasse os olhos, surpresa. Está tudo aqui. Não entendo... Mas Adam começava a entender. Era evidente que não havia nada faltando na loja. Aquela invasão mais parecia um aviso. Adam cruzou os braços e a fitou. Acho que isto não foi um simples assalto, Robin. Foi muita coincidência. É um aviso. De que você está falando? Alguém descobriu que você estava San Lucas hoje, fazendo perguntas sobre um pote falsificado. A fotógrafa que havia estado lá há duas semanas. A notícia deve ter-se espalhado como fogo no mato. Alguém em San Lucas sabia o seu nome? Sim, eu dei meu cartão ao ceramista, para o caso de ele querer uma cópia da fotografia. Ela o fitou, assustada. O que você está querendo dizer? Adam sentiu raiva de si mesmo por ter envolvido uma pessoa inocente no que já se tornara uma situação complicada. Ouça, esse ceramista do povoado, ou algum conhecido dele, deve ter feito isso para que você não se meta mais com eles. Imagine! Robin exclamou, cética. Robin, acho que você não percebe com o que estamos lidando. Alguns desses falsificadores de peças artísticas faturam muito alto. Há milhares, talvez milhões de dólares em jogo. E parece que eles não gostam de investigações. Adam caminhou até a frente da loja, inconformado com sua própria falta de tato. Entrara naquele povoado pisando duro e deixara toda a comunidade desconfiada. Por que não fora mais sutil? Por que não usara a cabeça? Talvez por causa da presença de Robin, que o deixara confuso, incapaz de pensar direito. Mas não podia ter sido tão descuidado. Adam ela chamou. Acho que devo chamar a polícia. Ah, sim. Quer que eu faça isso? Não, não se preocupe. Mas eu gostaria de lhe pedir um favor. Sei que você tem um... um compromisso, mas talvez possa esperar e receber a polícia comigo. Eu tenho a sensação de que eles não vão acreditar em mim. Acha que pode telefonar e avisar que se atrasará um pouco? Ela estava tão abalada, tão vulnerável, que Adam não viu outra saída. Claro. Meu compromisso não é tão importante. Pode usar o telefone. Adam queria abraçá-la, afagar seus cabelos loiros, dizer-lhe que tudo ficaria bem. Foi necessário autocontrole para manter-se distante dela. Robin chamou a polícia, depois olhou em volta com raiva, avaliando o estrago que haviam feito em sua pequena loja. Que canalhas! Não me admira eles terem fechado a persiana. Eu ajudo você a pôr tudo em ordem. A polícia disse para não mexer em nada. Então mais tarde. Amanhã. Não vou recusar a oferta ela respondeu, com um sorriso triste. Não haviam se passado mais que cinco minutos quando uma viatura estacionou diante da loja. O policial mostrou suas credenciais, apresentou-se e fez uma careta ao ver a desordem. Investigador Cordova? O senhor é parente de Julien? Robin perguntou. Rod! Adam exclamou. Mas que surpresa! Adam! Os dois apertaram-se as mãos. Faz alguns anos, hein? Rod foi meu colega de escola Adam explicou a Robin. Ele é o irmão mais novo de Julien. Bem... um dos irmãos mais novos. Rod era baixo como Julien, mas não tão elegante. Dava a impressão de ser perspicaz e arguto. Tirou um caderninho de anotações do bolso e olhou para Robin. Bem, o que houve aqui? Robin contou sobre o pote, sobre a viagem até San Lucas, sobre as suspeitas de Adam. Rod Cordova ouvia pacientemente, anotando os detalhes e fazendo uma ou outra pergunta de esclarecimento. Vou mandar uma pessoa aqui na segunda-feira para colher impressões digitais ele decidiu. Talvez haja alguma. Você não parece muito convencido, Rod Adam comentou. Bem, Adam, eu tenho de me basear em fatos. E, por enquanto, os fatos são claros: nada foi roubado. Talvez tenha sido algum g***o de adolescentes arruaceiros. Mas por que na minha loja? Robin indagou. Há uma menina que trabalha aqui, não é? Ericka? Eu irei interrogá-la. Talvez ela tenha amigos que a ouviam falar da loja. Sabe como são essas coisas, srta. Hayle. Acontece toda hora. Ericka não tem nada a ver com isso ela protestou. Rod só está fazendo seu trabalho tranquilizou-a Adam. Ele apenas precisa verificar tudo. Ela não disse mais nada, mas era evidente que estava irritada. Rod não levava o caso tão a sério quanto Adam gostaria, embora tivesse que admitir que, sem provas de suas suspeitas, o crime não parecia muito grave. Ouça, Rod, deixe a questão do pote em aberto, está bem? Pode haver alguma ligação. Não fecharei nenhuma possibilidade, até provar o contrário assegurou o investigador. Acontecem coisas estranhas. Boa noite, srta. Hayle. Boa noite, Adam. Robin fechou a porta e virou-se para Adam, furiosa. Mas que coragem a desse sujeito! Acusar Ericka! Eu gostaria que ele tivesse de arrumar tudo isto. Eu receava mesmo que a polícia fosse agir assim. Ele não ajudou muito, não é? Mas, sem dúvida, é uma história difícil de acreditar. Talvez seja só uma coincidência. Um g***o de adolescentes, como ele sugeriu. Pode ser, não é? Robin... Ele não queria assustá-la ainda mais nem lhe dar uma falsa esperança. Eu não sei quem fez isso, e não quero apavorá-la, mas se mexemos com uma quadrilha de falsificadores, as coisas não podem parar por aqui. Que absurdo! Robin caminhou até a porta, olhando em volta com raiva. E a polícia não faz nada! Se eu pudesse, daria um jeito de descobrir sozinha quem fez isso! Ela estava brava, e tinha todo o direito. Mas havia algo que Adam não lhe contara, algo que se lembrara na presença de Rod Cordova. Acontecera em Albuquerque, dois ou três anos antes. Um policial local descobrira uma pista de uma das quadrilhas de falsificadores e a história encheu jornais por algum tempo. Mas tudo terminara abruptamente. O corpo do policial fora encontrado no deserto, ao lado de seu carro. Alguns acharam que havia sido um acidente, outros não tinham tanta certeza. As investigações não levaram a nada. Em que ele havia envolvido Robin?
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