sera?

2429 Words
A terra foi gradualmente se tornando mais plana e seca. Ao norte, uma grande ave sobrevoava em círculos, caçando. O sol castigava o solo ressecado, no entanto havia uma beleza de linhas nítidas, paisagens amplas e cores sutis naquela parte do mundo. Robin acelerou o carro pela estrada deserta em direção a Chaco Canyon. Era mais longe do que havia imaginado, cerca de trezentos quilômetros O que Adam faria quando a visse? Iria sorrir ou mostrar-se aborrecido com sua presença? Bem, pelo menos ela tinha boas razões para procurá-lo daquela vez. Parou para abastecer em um posto isolado em Pueblo Pintado. Vai para Chaco Canyon? o frentista perguntou, enquanto limpava o para-brisa do automóvel. Vou. Como o senhor... O que mais alguém da cidade poderia estar fazendo por aqui? São mais quarenta e cinco minutos, se não ficar muito preocupada com o limite de velocidade. Robin estava ansiosa para chegar, mas não sabia resistir a uma oportunidade. Será que o senhor me faria um favor? É a primeira vez que venho para esta região e gostaria de tirar umas fotos. Claro, se quiser pode deixar seu carro aqui. Bem, eu queria tirar fotos do senhor. De mim? Ele tinha o tipo de rosto que combinava com a paisagem causticante do deserto e mostrou-se satisfeito em servir de tema para Robin. Minutos depois, ela lhe entregava uma nota de vinte dólares em agradecimento e tornava a entrar no carro. Ao ligar o motor, sentiu-se tentada a dar meia-volta e retornar a Santa Fé. Só não o fez porque o frentista lhe sorria e acenava em despedida. Estaria usando a visita da mulher índia apenas como desculpa para ver Adam? Esquecera a promessa que sé fizera de não se envolver mais? Como podia negligenciar os avisos que recebera? Às vezes, imaginava se não estaria sendo seguida. Porém, pelo espelho retrovisor, via apenas a estrada estendendo-se por quilômetros atrás dela, vazia e ensolarada. Foi um alívio quando chegou ao centro de visitantes. Uma placa anunciava que estava entrando no Parque Histórico Nacional de Chaco Canyon. Um recepcionista veio atendê-la. Ah, Adam? Eles estão trabalhando em Pueblo Bonito. E só seguir a estrada. Fica a poucos quilômetros, a sua direita. Não há como errar. Estava um calor forte e Robin sentia-se suada, cansada e mais nervosa a cada minuto. Algumas ruínas surgiam à base das paredes de pedra, mas as placas continuavam mandando seguir adiante. Pueblo Bonito fora o nome dado pelo homem branco ao descobrir o local, mas como seria que os anasazis chamavam sua cidade? Por que a teriam construído naquela região árida? Adam. Ele devia saber. Ele conhecia o amplo canyon intimamente. Era seu trabalho, sua paixão. Robin sufocou uma ridícula pontada de ciúme. Adiante dela, avistava-se Pueblo Bonito, uma enorme área semicircular rodeada por paredes feitas de pedra. A cidade erguia-se no vale, desgastando-se lenta e inevitavelmente pelo calor implacável do sol. Centenas e centenas de cubículos empilhavam-se uns sobre os outros e, sem os telhados, pareciam buracos de tomadas abertos para o céu. Robin estacionou ao lado de uma caminhonete. Ouviu vozes a distância e avistou o carro de Adam diante de uma das várias barracas armadas junto às ruínas. O vento quente enrolava a saia em suas pernas e levantava os cabelos do pescoço úmido. Ela entrou na antiga cidade dos anasazis por uma a******a na parede de pedra, quase sentindo a presença intangível daquele povo que ali havia vivido, trabalhado e morrido. Agora, o lugar não passava de uma pilha de rochas, um parque de diversões para arqueologistas. As vozes ficaram mais próximas e, de repente, ela avistou Adam, agachado com uma escovinha em uma das mãos e um objeto na outra. Sua concentração era total. Usava short e os músculos em suas pernas brilhavam como cobre ao sol. Os cabelos negros estavam presos por uma tira de pano amarrada à testa. Ele ainda não a vira. Robin teve v*****e de correr, de fugir de seus sentimentos por aquele homem. Ele nunca poderia lhe pertencer; era parte daquela terra e uma distância insuportável colocava-se entre eles, milhões de quilômetros, milhares de anos. Mas Adam virou a cabeça e Robin pôde ver o corpo dele enrijecer ao avistá-la. Era tarde demais para recuar. Por um momento, ele permaneceu imóvel, com o objeto esquecido na mão, os olhos fixos nela. Depois levantou-se, disse algo para um dos rapazes que o acompanhava, entregou-lhe a escovinha e a peça que examinava e caminhou em direção a Robin, esfregando as mãos empoeiradas no short. Não havia sorriso de boas-vindas em seus lábios. Adam, que bom que o encontrei ela balbuciou, nervosa. Eu... O que você está fazendo aqui? A coragem e a energia de Robin sumiram como por encanto. Vim lhe contar uma coisa sobre os falsificadores. Desculpe, não devia ter perturbado você, mas eu achei... É importante, Adam. Por um tempo insuportavelmente longo ele apenas a fitou, com as mãos nos quadris, os olhos negros duros e rígidos. Robin chegou a sentir medo. Não devia ter feito aquela viagem. Certo, vamos a algum lugar mais reservado ele disse, por fim. Está com sede? Sim. Foi uma longa jornada. Ele a segurou pelo braço e a conduziu até um local sombreado junto à parede, onde havia um grande isopor com gelo e água e algumas cadeiras. Robin sentou-se e ele a serviu em um copinho de papel. Quer dizer que você veio até aqui para me contar algo. Sim. Não pensei que fosse incomodá-lo tanto. Achei que você ia querer saber. Eu quero saber. Desculpe minha reação. Fiquei um pouco surpreso ao vê-la. Sei quem fez o pote ela contou, sem rodeios. Seu nome é John Martinez. Os olhos negros de Adam a fitaram sem surpresa, sem expressão. Ele apenas cruzou os braços, imperturbável. Continue. Uma mulher pueblo entrou em minha loja ontem. Não disse como se chamava, apenas que era ceramista. Sabia tudo sobre nossa busca por esse John Martinez em San Lucas e sobre o pote. Afirmou que Martinez é inocente, mas tem medo de ir à polícia. Ele não quer se envolver, nem a mulher, mas ela deseja acabar com as falsificações. Disse que talvez John Martinez concorde em conversar comigo. Eu expliquei a ela que não queremos prejudicá-lo. Estamos atrás das pessoas que lhe pediram para reproduzir o pote. Adam caminhou alguns passos, pensativo, então virou-se para ela em um movimento brusco. Você não tem ideia de quem seja essa mulher? Não. Era uma senhora muito suave, meiga e assustada. Cerca de sessenta anos, vestida com trajes e xales típicos dos pueblos. Falava bem e usava joias muito bonitas. Tinha brincos de prata em forma de borboletas, lindos. Adam passou a mão pelo queixo. Como você vai entrar em contato com ela outra vez? Ela disse que me procuraria e para eu não voltar a San Lucas. Parece que se alguém for à procura desse Martinez ele irá desaparecer outra vez. Essa mulher também era de San Lucas? Não, pelo menos ela disse que não. Ela saiu apressada, como se tivesse mudado de ideia quanto a conversar comigo. Adam fitava as ruínas, de braços cruzados, pensativo. Seu rosto não revelava nada, nem interesse, nem curiosidade, nem satisfação. No entanto, Robin tinha a nítida impressão de que ele sabia alguma coisa mais do que ela, algo mais sobre a mulher pueblo. Talvez tivesse sido sua falta de surpresa que lhe dera essa sensação, ou a escassez de perguntas. John Martinez Adam repetiu, como para si mesmo. Você o conhece? Não, claro que não ele respondeu, voltando a atenção para Robin. O que nós vamos fazer agora? Nós? Eu cuidarei disso daqui por diante, Robin. Não quero que você se envolva. Mas eu estou envolvida. Aquela mulher pode voltar. Talvez Martinez converse comigo. Eu cuido disso, Robin ele repetiu. Agora já sei o suficiente para tomar as medidas adequadas. Você não precisa mais se envolver, está bem? Mas eu quero me envolver ela protestou, levantando-se. Você me colocou nisso e agora n******e simplesmente dizer que eu não tenho nada a ver com a história. Quero saber o que está acontecendo, o que vai acontecer! Adam a encarou em silêncio e, por um momento, Robin pensou que fosse lhe contar alguma coisa, mas ele logo desviou o olhar. Robin, obrigado por você ter feito toda essa viagem para me dar a notícia. Foi muita consideração de sua parte. Ele sorriu pela primeira vez desde que ela chegara, mas foi um sorriso f*****o, indicando o fim da conversa. Já que você está aqui, gostaria de ver nosso trabalho? Claro que sim, mas... Como fotógrafa, você vai se interessar por saber que William Henry Jackson fotografou estas ruínas em 1877. Infelizmente, o filme se estragou, mas ele divulgou a existência de Chaco Canyon. Ela desistiu. Era evidente que Adam havia encerrado o assunto da visitante misteriosa e de seu envolvimento no caso das falsificações. Ele mudava de humor como se trocavam os canais de uma televisão. Em uma emissora estava Adam, distante, reservado, contido. Em outra estava Adam, amigável, gentil, anfitrião perfeito. Havia ainda Adam, o apache enigmático. E agora ele era o professor, arqueólogo inteligente, ávido por transmitir informações. Como pode ver ele dizia eu não sou o primeiro a trabalhar aqui. Há escavações que datam da década de 20, financiadas pela Sociedade Geográfica Nacional, e depois o projeto Chaco na década de 70. Muito já foi feito, mas há treze sítios arqueológicos só em Chaco Canyon e milhares por todo o sudoeste. Milhares? Durante algumas décadas por volta de 1 000 d.C. Havia uma irrigação razoável nesta área, que permitia a fixação de uma população grande. Quando a região ficou árida, os anasazis migraram. Todos foram embora? Robin indagou, seguindo Adam até a grande praça semicircular central de Pueblo Bonito. Eles foram os ancestrais das tribos hopis, zunis e pueblos que existem hoje. Você está disposta a andar um pouco? Claro. Para onde? Lá em cima. Ele apontou para o alto da parede do canyon. É uma vista linda. Dá para entender melhor a organização das ruínas. Era uma subida dura pela trilha nas pedras. Ainda fazia muito calor, mas Robin não se incomodava. Era uma aventura e Adam mostrava-se falante agora, sempre solícito para ajudá-la nos trechos mais difíceis. Puxa, eu me sinto um cabrito montês ela brincou, parando para respirar. Antes havia degraus aqui. Olhe, algumas das pedras ainda permanecem ele mostrou. Por fim, atingiram o topo. Abaixo deles, Pueblo Bonito descrevia um semicírculo perfeito, exposto à observação. Como eles podiam viver aí embaixo? Robin indagou. Construíram um sistema sofisticado de coleta de água, com diques, represas e tanques para recolher cada gota de umidade que caía. Depois, transportavam a água para a cidade. Era uma sociedade altamente organizada. Quantas pessoas havia? Há controvérsias quanto a isso. A princípio, acreditava-se que a população chegasse às dezenas de milhares, com base no número de aposentos. Mas recentemente uma nova teoria tem sido considerada: que essas enormes povoações com seus vários kivas, as salas cerimoniais, não tenham sido de fato moradias, mas centros de religião e comércio, quase vazios, exceto em épocas de cerimônias Então, nessas ocasiões, todos os anasazis se reuniam aqui? Provavelmente. Eles construíram estradas que convergiam todas para Chaco Canyon. Olhe, dá para ver uma trilha bem fraca ali ele apontou. Sim, ela via linhas na terra árida, marcas tênues e retas. É inacreditável que possam ter empreendido projetos como esse! Devem ter sido muito evoluídos tecnicamente. Ainda há tanto para descobrir. Eu poderia passar a vida inteira aqui. E suas aulas? É, minha licença dura apenas até o fim deste semestre. E a maioria dos garotos que trabalham comigo têm de voltar logo para a faculdade. Dá para entender por que você é tão fascinado por tudo isto. É tão... tão misterioso, tão lindo! É verdade. Ficaram em silêncio, lado a lado, por alguns minutos, admirando a cidade em ruínas. Um vento súbito atingiu Robin como uma carícia, colando a saia a suas pernas. Uma tempestade Adam comentou, apontando para o oeste. Mas talvez passe por nós. As nuvens negras avançavam em direção a eles, juntando-se e crescendo de forma assustadora, enquanto o vento aumentava de intensidade. Acha que vai chover aqui? É melhor voltarmos? Acredito que irá para o norte. É o que normalmente acontece. Adam protegeu os olhos do vento e fitou o céu escuro. Trovoadas retumbavam a distância, precedidas de enormes relâmpagos. Está com medo, Robin? Nós podemos descer. Não, é muito bonito. Pena que deixei minha câmera lá embaixo. Robin sentia-se livre ali no alto, com o vento soprando em seu rosto e um homem forte e bonito a seu lado, um homem que pertencia àquele tempo e lugar. Esta terra é propriedade dos índios? Para o Departamento do Interior, não ele respondeu, com tristeza na voz. Há duas reservas apaches no Novo México e uma no Arizona. Mas, quando os espanhóis chegaram aqui, havia pastores apaches por todo o Estado. Aqui também? Provavelmente. Os navahos e os apaches eram intimamente relacionados e chegaram aqui mais ou menos na mesma época, no século quinze. Eles encontraram estas ruínas. Na verdade, o nome anasazi é uma palavra navaho. E o que pensaram destas ruínas quando as viram? Souberam que uma raça muito poderosa havia vivido aqui e respeitaram a cidade. Nunca molestaram as ruínas nem fixaram residência nestas construções. E como seu povo explica o desaparecimento dos anasazis? Simplesmente dizem que eles foram embora. E, até o momento, isso é tudo que podemos supor. Um mistério interessante. Gosto de subir aqui, olhar para baixo e ficar imaginando. Um vale insignificante no meio de um deserto, no qual, civilizações floresceram e depois se perderam. O que o último g***o de pessoas que deixou este canyon viu enquanto caminhavam sob o peso de seus pertences? Para onde foram? O que seus deuses lhes disseram sobre a partida? De repente, havia uma proximidade nova entre eles. Era como se Adam tivesse aberto a porta de sua alma por um precioso momento, para que ela pudesse ver os tesouros que mantinha escondidos. A tempestade movia-se para o norte, o vento diminuía e o sol brilhava através das brechas que se abriam nas nuvens. Um arco-íris formou-se no extremo oposto do vale. Robin olhou disfarçadamente para Adam. Ele era bonito, como um de seus antigos deuses índios. Adam ela disse, após um momento. Quero ajudá-lo a encontrar os falsificadores. Por favor. Ele a observou por um longo tempo. Pode ser perigoso respondeu, por fim. Mas não há como convencê-la a mudar de ideia, não é, Robin Hayle?
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