surpreendente

2224 Words
Adam virou o rosto para o sol poente e fechou os olhos, procurando equilíbrio, deixando que a energia da natureza o penetrasse e enchesse seu espírito de harmonia. Quando abriu os olhos, ela ainda estava lá, alta, esguia e adorável, suave e feminina. Seus cabelos revoltos captavam os raios do sol como fios de ouro. Ela não era apenas linda. Tinha uma a******a espiritual, uma sensibilidade que faltava a muitas pessoas brancas. Talvez isso se devesse a seu olho de fotógrafa, que via as coisas de maneira mais profunda. E sentia nela uma vulnerabilidade, um sorriso fácil demais, uma certa tensão. Adoraria romper a superfície e encontrar a fonte daquele conflito. Mas onde estava com a cabeça? Por que concordara em que ela o ajudasse? Esquecera o risco que ela estaria correndo? Poderia muito bem pegar as informações que ela lhe havia passado e entrar pessoalmente em contato com Martinez. Ou poderia ter insistido em chamar Rod Cordova e entregar o caso à polícia, apesar da promessa que Robin fizera à visitante misteriosa. Então, por que não agira assim? Adam sabia a resposta. Apesar do conhecimento de que nada além de sofrimento iria resultar de um relacionamento entre eles, não podia deixá-la ir embora de sua vida. A força que o fizera voltar as costas para ela naquela noite em Santa Fé parecia havê-lo abandonado. Sentia-se impotente diante de Robin. Está ficando tarde disse. É melhor descermos. Ambos iniciaram em silêncio a descida íngreme. Adam fechou-se deliberadamente, com medo de ter revelado muito de si para Robin. Por um momento, deixara seu verdadeiro eu transparecer e sabia que ela havia percebido. Era preciso ter mais cuidado, disse a si mesmo, enquanto observava as costas longas e esguias de Robin sob a blusa de seda turquesa. Mais uma coisa o incomodava: a mulher pueblo que visitara Robin. Tinha poucas dúvidas quanto a quem ela era. Josefina Ortega. Estava furioso com ela por ter arrastado Robin de volta para aquele caso. Mas por que Josefina estaria se intrometendo nisso? Posso ver mais? ela perguntou. Mais? Sim, de Pueblo Bonito. Ainda vai demorar para escurecer. Claro. Você já viu uma kiva? Ele sabia que estava perturbado e que seu pensamento sobre Josefina fora injusto. Ela era uma mulher maravilhosa, amiga de infância de sua mãe. Era também uma das maiores artistas indígenas do sudoeste naquele século, tendo suas cerâmicas expostas em lares e galerias pelo mundo inteiro. Adam não demorara mais do que alguns segundos para descobrir a identidade da mulher quando Robin a descrevera. Os brincos foram a prova definitiva. A visita a Robin não condizia com o comportamento normal de Josefina. Ela sempre fora tímida e reservada, com uma vida girando em torno de seu povo, sua família e sua arte. Procurar Robin para passar informações fora um ato de coragem. Sem dúvida, sua própria mãe devia ter tido ligação com essa visita de Josefina. Com certeza conversara com a amiga, a qual, por sua vez, descobrira sobre John Martinez. O problema era que Josefina deveria ter procurado a ele, Adam, e deixado Robin de fora. Uma kiva! Robin exclamou. Não é a sala cerimonial? Sim, o local onde os anasazis e os hopis dos tempos modernos faziam suas cerimônias religiosas. São frequentemente cavadas no subsolo, para permitir que os iniciados estejam mais próximos da Mãe Terra. Nunca se permitiu a entrada de mulheres nas kivas. Bem, esperemos que não descubram sobre mim Robin brincou. Ele segurou a cintura de Robin para ajudá-la a descer de uma pilha de pedras. Ao tocá-la, à luz tênue do sol poente que tornava os olhos dela da cor das violetas, sentiu o d****o torturá-lo outra vez. Como adoraria sentir a curva daqueles s***s redondos contra o peito, saborear os lábios macios e enfiar os dedos entre os cabelos claros. Acordando do inesperado devaneio, ele a soltou depressa. Vamos logo ou ficará escuro para vermos alguma coisa. Como conseguiria pensar com Robin a seu lado? No entanto, gostava da presença dela, jovem, alegre e vital. Com certeza, ela queria casar e ter filhos. Claro que sim. Por que Josefina tivera de se meter? Era por culpa dela que se encontrava agora naquela situação incômoda Será que realmente acreditara que permaneceria anônima? Apesar de todo seu talento e bondade, Josefina era muito ingênua O que eram estes aposentos? Robin indagava, trazendo-o de volta à realidade. Acredita-se que eram residências de famílias. As mulheres provavelmente cozinhavam ali ele apontou e o dormitório ficava além daquela passagem. Como sabem tudo isso? A terra nos conta. Ele parou e pegou alguns seixos soltos no chão. Se eu encontrasse, por exemplo, um fragmento de palha aqui, então eu procuraria outros na área. A terra acaba revelando seus segredos. E se você achasse muitos fragmentos de palha? Eu suporia que as mulheres teciam cestos nesta área. E na área da cozinha, dá para saber o que eles preparavam? Com as técnicas sofisticadas atuais, podem dizer exatamente o que comiam. Isso é surpreendente Robin comentou, passando o dedo por um assento liso de pedra. Eu quase posso ver uma mulher sentada aqui, ralando milho. Dá para ver todo tipo de coisas aqui. É esse o meu trabalho. Respirar vida nessas pedras frias. Passaram por uma mesa de trabalho contendo os achados do dia. Robin parou para dar uma olhada nas peças e tocou com o dedo um fragmento. É de um pote muito antigo, talvez do século dez ele explicou. Do tipo que chamamos de preto sobre branco. Vê às linhas aqui? Este possuía desenhos geométricos. Acho que é um pedaço de caneca. Está vendo? Parece parte da asa. Vocês vão encontrar as partes que faltam e reconstituir a peça? Provavelmente não. Que pena. Vê esta mancha? ele perguntou, mostrando uma névoa preta na curva do fragmento. Aparecem frequentemente em potes pré-históricos. Originam-se do cozimento imperfeito da cerâmica. Como a mancha no pote de John Martinez? Isso. A mancha torna a peça menos valiosa para um colecionador. Ah, eu acho que a torna mais fascinante. Imagino uma mulher índia e como ela deve ter ficado brava quando viu sua caneca sair do fogo com essa marca. Poucos pensam assim Adam comentou. E não pôde evitar a comparação entre a peça antiga e ele mesmo: também era imperfeito, marcado. Virou-se depressa e começou a andar. Indicou um lance de degraus recentemente escavados que levavam a uma plataforma ampla e plana. Suba, mas tenha cuidado. As pedras podem estar soltas. Seguiu-a de perto, incapaz de tirar os olhos das pernas dela quando a viu segurar a saia rodada para pisar no degrau. Adam, esta é a kiva, não é? Ela parecia tão excitada, tão sinceramente interessada, que Adam resolveu deixar de lado por algum tempo as outras preocupações. Sim. Uma entre muitas. Esta se encontra em processo de escavação no momento. Você vai ser a primeira a vê-la. Eu? Além de mim e de alguns de meus ajudantes, ninguém entra aí há séculos. Nossa, que assustador ela sussurrou, esticando o pescoço para espiar dentro da a******a escura na parede rochosa, onde muitos séculos antes haviam sido realizados rituais míticos. A kiva, que se localizava abaixo da plataforma de pedra, ainda não estava inteiramente escavada. Havia uma parede um pouco solta e Adam não estava muito certo quanto ao teto. Vou pegar uma lanterna para você poder enxergar melhor. Nós não vamos entrar? Não é totalmente seguro, Robin. Eu preferia que você... Ah, por favor. Há até uma escada. Só uma olhada rápida. Eu prometo não pôr a mão em nada. Normalmente, Adam não cederia. Mas ela estava tão linda, tão entusiasmada. Bem, acho que se eu descer na frente... Mas só uma olhada rápida mesmo, Robin. O lugar ainda não está muito bem preparado. A noite caía lentamente em Chaco Canyon enquanto Robin segurava a lanterna para Adam entrar na escavação. Depois, passou a lanterna para ele e desceu as escadas. Fazia um frio seco lá dentro. Até mesmo para Adam o lugar era sinistro. Nunca havia entrado em uma kiva sem sentir a presença das pessoas que, muito tempo atrás, haviam realizado ali seus ritos secretos e mágicos sob a luz das fogueiras. Quase podia ouvir seus cantos primitivos e sensuais. Uau! exclamou Robin. Então isto é uma kiva. Que lugar misterioso! Adam tinha plena consciência do novo cheiro que invadia a kiva. O cheiro de Robin, feminino e vital. O d****o começou a incomodá-lo outra vez, mais forte do que nunca. Seus sentidos nunca haviam estado tão aguçados, tão afinados com a energia poderosa do lugar. Queria possuir Robin por inteiro, seu corpo e sua alma, e desejava executar seu rito naquele local encantado e mágico. Sentiu a mão dela tocar-lhe o braço e seu coração começou a pulsar mais rápido. Colocou a lanterna no chão duro e segurou o rosto de Robin. Havia apenas eles dois naquela antiga kiva, naquele planeta solitário. Foi só então que ele percebeu a terra vazando por uma f***a no teto curvo. Ficou confuso por um momento. Então, viu Robin olhar para cima e o ar encher-se de **. O barulho veio uma fração de segundo depois. Adam teve tempo apenas de segurar Robin e puxá-la para um canto da câmara, cobrindo o corpo dela com o seu. O teto pareceu desabar sobre eles, terra e pedra caindo sobre suas costas, sufocante, dolorido. Então, tão repentinamente como havia começado, o desabamento terminou. Robin tossia, apavorada, sob o peso dele. Adam rolou para o lado e a puxou para junto do peito. Já acabou. Você está bem? Acho que sim. Meu Deus, o que aconteceu? Parte do teto desabou. Nós vamos poder sair? Claro. Estou vendo a entrada. Só não sei onde foi parar a escada. Você ficaria sozinha por um minuto? Sim, estou bem. Ele se levantou na escuridão total e teve de ir tateando pelas paredes como um cego. Adam, onde você está? ela chamou. Aqui. Não consigo achar a escada. Logo em seguida, ele tropeçou nela. Ah, encontrei. Aguente firme que vou colocá-la em pé. Você está bem? Sim. Quando Adam conseguiu recolocar a escada no lugar, escutou passos na superfície. Então alguém chamou-o na entrada da escavação. Sr. Farwalker! Está aí embaixo? Adam! Estou aqui! Ajude-me a segurar a escada. Em questão de minutos, ambos estavam fora da kiva. Robin ainda tremia, mas não havia se machucado. Todos os estudantes reuniram-se em torno deles fazendo perguntas, surpreendidos pelo súbito e inesperado desabamento. Beba isso ofereceu Linda, entregando a ele uma garrafa plástica com água. Oh, sr. Farwalker! Poderia ter morrido! Nós estamos bem ele assegurou. Depois olhou para Robin, sentada a seu lado com os joelhos encostados no queixo. Eu não devia ter levado você lá embaixo. Quando penso no que poderia ter acontecido... Mas fui eu quem quis descer, Adam. Não foi sua culpa, sr. Farwalker atalhou j**k, outro dos estudantes. Todos nós estivemos lá várias vezes. Simplesmente aconteceu. Os seis jovens os observavam, evidentemente preocupados com a própria segurança. Adam não podia culpá-los. Ele trabalhava em escavações há muitos anos e vira vários desabamentos. No entanto, pensara que aquela kiva fosse relativamente segura. Adam, pare de se culpar Robin insistiu, colocando a mão no ombro dele. Eu teria entrado lá quer você concordasse ou não. E, depois, estou muito bem, comparada com você. Está parecendo um limpador de chaminé. Alguns dos estudantes riram e Robin olhou para Adam, sorrindo, em expectativa. Por fim, ele cedeu e sorriu também. Afinal, ela tinha razão. Ninguém se machucara e não havia motivo para lamentações. Caminharam juntos para o acampamento. Adam colocou os braços sobre os ombros dela num gesto meramente protetor, mas podia imaginar a maciez de sua pele nua. Apostaria que todo o corpo dela era acetinado, quente, convidativo. Ainda está se sentindo culpado, não é? Eu deveria estar. Culpa é uma emoção inútil. Muito diferente de raiva ou felicidade. Robin Hayle, você é incrível. Será que nada tira o seu bom humor? Ela ficou em silêncio por um instante. Algumas coisas me afetam, Adam Farwalker. Pode apostar nisso. E lá estava de novo o tom de insegurança em sua voz. Nancy e Linda eram as encarregadas do jantar naquela noite. O cardápio consistiu de macarrão com atum. Robin, como de hábito, achou tudo delicioso. A conversa acabou recaindo no desabamento. Adam manteve-se em silêncio, ouvindo as reações de seus alunos. Acho que deveríamos começar a restaurar a kiva amanhã cedo opinou Nancy. Teremos de esperar até a primavera do ano que vem discordou j**k. Não teríamos feito nem metade do trabalho quando começar a nevar. E às vezes a neve por aqui começa em outubro lembrou Linda. Além disso, temos aula em Albuquerque interpôs Craig. Eu não replicou Nancy. Já me formei, lembram-se? Bem, eu tenho de trabalhar amanhã disse Robin, levantando-se. Você vai voltar para Santa Fé agora? Adam indagou, surpreso. Claro que sim. Ei, tenha cuidado ao dirigir naquela estrada sozinha à noite Craig alertou. Apareceram umas pessoas estranhas por aqui hoje. Um pequeno sinal de alarme soou na cabeça de Adam. Que pessoas, Craig? Um índio. Parece que ele estava bebendo e cambaleando perto de uma das áreas interditadas por cordas. Depois entrou em uma caminhonete velha e saiu como um louco. Nas áreas interditadas? É. Acho que foi logo antes do desabamento. Ou talvez... Logo depois? Adam sugeriu, com a expressão séria.
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