05

2181 Words
– Acho que fui bem e******o. Podemos começar de novo? – Depende. – Do que? – Vai haver mais cantadas? – Talvez... – Então desisto de você. – ele riu novamente, alto e melodicamente, de modo meio estremecido, sacudindo seu corpo e arrepiando-me os pelos da nuca. Que risada gostosa e contagiante, pensei. Não apenas a risada, conclui. Ele riu mais baixinho dessa vez. Vencida pela sua risada, estiquei minha mão. – Meu nome é Malu. – Igor. – ele apertou minha mão por tempo demais. Até eu puxá-la com um pouco mais de força. – Então... Você vem sempre aqui? – Eu te dou uma segunda chance e tudo o que você tem é isso?– comecei a rir pela situação e ele me acompanhou. – Tecnicamente a culpa é sua. – Hãn? – Você me deixa nervoso. – O olhei incrédula. Ele era péssimo em matéria de paquerar, verbalmente falando, mas todo seu fascínio estava contido na voz, e nos olhos. Quase não me importei com o que ele falava. Ele podia recitar uma passagem em latim da Bíblia que ele ainda pareceria agradável. Sua presença era agradável. – Pode crer, é mais estranho pra mim do que pra você. – Oh... – Ficamos em silêncio e eu sem saber o que fazer. Normalmente eu era bem soltinha, principalmente quando estava semi-interessada em alguém. Eu não era boa com garotos, não no sentido de se relacionar com algo além de um ou dois beijos e longas conversas sobre modelos de skate. Mas agora perto desse cara, simplesmente... Não sabia o que falar. – Você sabe? – ele me tirou dos meus devaneios. – O que? – Surfar...– disse, apontando mar. – Eu não sei nem boiar. – Sério? – ele disse, rindo de leve. – Arran. O mar parece meio... grande. – Essa foi uma ótima definição. – ele mordeu o lábio entre os dentes e provavelmente o riso também. Não me deixei a****r por sua cara sexy: – Obrigada. Ah... Ele é assustador também. – Ele só é assustador de longe, de perto ele é a coisa mais doce do mundo. – O olhei incrédula. Como ele podia achar doce o mar que afundou tantos navios tantos anos atrás? O mesmo mar que engoliu homens inteiros pela suas profundezas, que destruiu embarcações inteiras de viajantes espanhóis, portugueses e ingleses? Eu tinha medo do mar pelas histórias. Pela convivência. Por todo seu esplendor. E por toda a i********e que possuíamos. Eu cresci com o cheiro salgado do mar no meu nariz. Era e sempre fora a minha vida, vê-lo de longe, seu vento dobrando-me as páginas de um livro desde os 9 anos. E não importa se era aqui no Rio ou do outro lado do mundo. O mar nunca seria doce, sempre teria o doce salgado do sangue, da tristeza, da esperança e da minha infância. Refleti por alguns segundos e acabei sorrindo diante de sua declaração, não era culpa dele se eu era fadada ao medo do mar e a esses pensamentos exagerados e dramáticos, ele tinha sorte de conseguir enfrentá-lo. Arrisquei até uma pequena piadinha: – Doce não, o mar é salgado. – seu rosto distendeu-se em um meio sorriso. – Eu poderia te ensinar. – Esqueça jow, você não ia querer passar vergonha com uma garota de boias no braço no meio do doce mar... – Você não me conhece. Não sabe do que sou capaz... – Sério? Tem razão. Você é um desconhecido, eu não deveria falar com você. – Fiz uma cara de assustada, colocando a mão no coração. – Você pode ser um psicopata! – Não foi isso que eu quis dizer. Ei! Aonde você vai? – levantei da cadeira, pegando minhas sacolas extras, cheias de lixo e fui caminhando cambaleando até uma lixeira perto de onde eu estava sentada. Eu havia dado ao garoto do mar uma chance de me entreter, fora divertido, é claro. Mas não sei... Ele me deixou confusa e senti esse desejo repentino de deixá-lo com seus pensamentos confusos. Pude ver alguns garotos jogando vôlei em um canto. Seus olhares convergiram na minha direção. Um deles, mais corajoso me lançou um alto, sonoro e animado ‘hey’, brindando-me com um sorriso gigantesco. Ignorei-o e seus amigos soltaram risadinhas. Voltei para minha cadeira... Onde o tal de Igor ainda estava sentado, observando meus movimentos. Dobrei a minha cadeira, que graças aos céus dobrava fácil e ficava bem pequena, então delicadamente, com toda a i********e do mundo empurrei Igor da outra cadeira. Ele caiu na areia e me olhou indignado. Sorri irônica, dobrando a outra cadeira e colocando as duas cadeiras na sacola maior. Peguei minha bolsa de praia e a sacola e comecei a andar, deixando um garoto e uma prancha para trás. – Ei, espera. Não sabia que você levaria aquela coisa de desconhecido a sério. – ele me alcançou em passos largos. A prancha pendurada no braço, perguntei se ela não seria pesada para ele, mas vendo seus braços... Vi que talvez ela fosse leve. – Você é meio bipolar? – Na verdade... Sou. – Bipolaridade é algo super sexy, pode crer. – Me virei para ele, meio que rindo. – Certo, eu fico com você. – senti que corava pela minha cara de p*u. Mas era engraçado testá-lo. Vi que quando eu disse isso ele deu uns dois passos a frente, ficando mais perto. – E você vai ir embora? – É uma troca? Um beijo seu e tenho que ir embora? – O dedo dele se ergueu, tirando uma mecha de cabelo do meu pescoço. Eu apenas fiquei parada. Sem saber o que fazer. Só conseguia pensar que ele estava perto... Demais. Esperei que ele me beijasse. Eu havia quase esquecido como era sentir os lábios de alguém nos meus. Ele me surpreendeu, mais uma vez. – Se for, recuso. Não poderei cumprir esse trato. – Então você sempre cumpre promessas? – Só quando as pessoas valem à pena. – Ninguém vale a pena. – tirei sua mão da base do meu rosto e sorri desapontada. – Você acha isso? – Eu sei disso. – Pra uma garota nova, você é meio amarga. – É o que dizem. Eu quis dizer, mas me calei. Preferindo outra resposta. – Você nem sabe minha idade. – Eu disse, dando alguns passos para trás. Na defensiva. Parecia que ele conseguia me ler... – Tem 15 anos, se chama Malu e gosta de Mc Lanche Feliz. Eu sei até onde você dorme! – Como?– cruzei os braços desafiadoramente. – Bem, você tem um quarto de solteiro no hotel, enquanto seu pai e uma mulher ficam uns 4 andares acima. Sua cama deve ser meio parecida com a minha, colchão macio, fronha do travesseiro azul... – C-como você sabe disso? – Seu quarto no hotel é do lado do meu. Você fica no numero 11 e eu no 12. – Como você sabe disso... também? – arregalei os olhos, ainda mais assustada. – Eu vi você fazendo reserva com seu pai. – Oh! – Isso fazia mais sentido. – Então, para seu completo azar, você não vai se livrar de mim tão cedo. Te vejo depois, Maria de Lourdes.– Então ele simplesmente me deixou lá e foi caminhando para o mar. Eu fiquei parada no mesmo lugar, completamente boquiaberta enquanto ele se afastava. Completamente confusa e raivosa, por ele ter dito meu nome em voz alta. Meio assustada, mas surpresa. Se era de um jeito bom ou ruim... Não consegui me decidir. Ele olhou para trás uma vez e pude enxergar seu sorriso torto. Sacudi a cabeça, caminhando para o meu hotel. Que cara estranho! Talvez ele seja mesmo um psicopata. Ou não... Talvez só fosse meio i*****l por conversar comigo e querer repetir a dose. Caminhando pelo saguão do hotel, acabei encontrando a noiva do meu pai, Cristina. Ela era atraente do ponto de vista físico, com os cabelos ruivos curtos e o corpo levemente rechonchudo. Possuía uns 10 anos a menos que meu pai, havia feito faculdade de Gastronomia, pois acreditava que isso a ajudaria a encontrar um bom marido e realizar a única coisa que ela realmente queria ser, dona de casa. Não que isso fosse r**m, mas o fato dela ter procurado um cara casado pra construir a própria família destruindo outra fazia com que eu a desprezasse. Ela tinha um ar de pessoa boazinha, mas nós nos detestávamos. Ela por talvez pensar que seu futuro marido ter filhos e um antigo casamento estragava seu sonho de família feliz. E eu por achar que ela estava roubando o pouco do pai que me restava. – Onde você estava? – ela disse arrogante. – Na praia. Dã. – levantei minhas cadeiras e minha sacola e ela revirou os olhos. – Seu pai está te procurando. – E onde ele está? – ela me encarou por mais alguns segundos, mas acabou apontando na direção do bar do hotel. Dei um acenosinho antipático enquanto me arrastava e fui até lá. O bar que meu pai estava era o da área fechada, não o outro que dava de frente para o mar. Ele tomava um suco provavelmente com tônica, debruçado no balcão, enquanto conversava com o garçom. Podia imaginar sua voz polida e animada, sempre simpático e caloroso, como um bom corretor de imóveis que ele era. Parei ao lado dele. – Chamou? – Sim. – ele sorriu um pouco. – Se divertiu na praia hoje? – Arran. – Isso é bom... – Ficamos em um silêncio desconfortável por alguns segundos. Impaciente, resolvi quebrar o silêncio. – Pai, porque não fala logo o que tem a dizer? – Certo. – ele respirou fundo. Como sempre fazia quando iria dizer algo que me aborreceria. – Queria saber se você se importaria se eu fosse jantar com a Cristina no restaurante no centro da cidade. – Só vocês dois? – É. – Obrigado. – ele sorriu bem mais animado, não sorri de volta dessa vez. – Você tem certeza? Não quero te deixar sozinha e... – Pai. Eu adoro ficar sozinha. Não se importe. – Devia ter convidado alguma amiga pra vir com você, assim não ficaria tão sozinha. – Elas foram viajar com as mães... – Meu pai fez uma careta. Eu também. Fazia alguns dias que eu não ligava para minha mãe e meu pai sabia disso. Ele se importava por eu não passar tanto tempo com ela, mas eu não ligava tanto assim. Procurei deixá-lo mais a vontade, dando um tapinha de leve em seu braço. – Não se preocupe. Estou ótima. É sério. – Então tudo bem. Vou trazer algo do centro pra você. – Perfeito. – sorri para ele, que esfregou meu braço em um gesto de carinho raro. Acabei ficando sem graça e procurei escapar. – Hãn, vou subir para tomar um banho e guardar essas coisas, certo? – Espera. Toma o dinheiro pro seu jantar, já que sei que não gosta da comida do hotel. – ele me esticou algumas notas, que eu apertei entre meus dedos suados. – Carlos está aí, vá jantar com ele. Carlos era o irmão mais novo de Cristina. Era um moreno com cachos, o que sempre me fazia crer que Cristina pintava os cabelos e havia feito permanente. Só isso explicava os cabelos tão ruivos e lisos. Enfim, ele era alto, tinha 22 anos e era quase tão insuportável quanto a irmã. Possuía verdadeiro prazer em me provocar e acompanhar meus passos, como se me monitorar agradaria de alguma forma meu pai e o tornaria mais generoso. – Não, obrigada. Eu me viro. – Nada de sair por aí a noite sozinha. – Pai... Por favor, né? Sou bem grandinha já. Bom jantar pra você. – Obrigado. – virei as costas e subi pelo elevador calmamente. Parei em frente a porta marrom do meu quarto e não pude deixar de olhar para a porta ao lado. Balancei a cabeça em desaprovação, meio confusa e mexida pelo encontro da praia girando a maçaneta. O quarto estava bem organizado, uma coisa bem rara para uma garota desorganizada como eu. Então para mudar um pouco, joguei as sacolas na cama e caminhei para a minúscula varanda que tinha, deixando meus chinelos cheios de areia para trás. Dando de cara com a vista das palmeiras e uma piscina própria do hotel. Olhei para o lado. Havia outra varanda igualmente minúscula, idêntica a minha em muitos aspectos. O espaço que separava a minha varanda daquela era razoavelmente pequeno. Imaginei o tal de Igor no quarto ao lado. Sabia que há essa hora ele ainda estaria na praia, curtindo as últimas ondas, já que começava a escurecer. Olhando mais uma vez a varanda, tive a certeza que não me livraria tão fácil dele. Em outros tempos, eu esqueceria aquele episódio. Ele meio que me recusara de uma forma educada, mas eu não queria me envolver com alguém neste lugar, mesmo que fosse só amigavelmente. Não era boa com qualquer tipo de relacionamento. Meu status de relacionamento era sempre: não existe relacionamento.
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