– Mas eu te conheço.
– Conhecia... Agora você não faz ideia do que eu sou.
– Porque você sempre vem com essas conversas confusas?
– Não estou sendo clara o bastante? Não me importa que esteja com Ceci, por mim, que se exploda tudo isso. Só não quero ter que ficar contando isso e aquilo para ela. Tendo que dar qualquer tipo de satisfação ou explicação. Não vou ficar no caminho de vocês, estou falando sério. Quero que você colabore pelo bem da sua namorada. Está claro agora? – ele demorou alguns segundos olhando para mim, me encarando. Como se tentasse me ler. Me mantive firme. Ele soltou um suspiro baixo, o rosto reclinado alguns centímetros para perto de mim.
– Está.
– Ótimo.
– Só porque está claro não signifique que eu goste. – Porque ele simplesmente não calava a boca? Porque diabos eu queria que ele continuasse falando somente para que eu ouvisse sua voz? Céus, eu sou tão estúpida!
– Não precisa gostar, precisa obedecer.
– Desde quando ficou tão autoritária?
– Não sou autoritária.
– Não? Só se for pra você...
– Ninguém está obrigando a ficar perto de mim, a senhora ditadora. – Certo. Talvez eu tenha exagerado um pouquinho... Ou muito. Enfim, eu tinha o direito. Olha o que eu estava passando!
– Uau, seu exagero me encanta
– Cala a boca. – Nos calamos. Olhei pelo canto do olho, ele ainda estava me encarando. Os cabelos castanhos claros, quase caramelo, fazendo contraste com os olhos, possuíam algumas esparsas mechas aloiradas por causa do sol balançavam por causa do vento. Os olhos castanhos adquiriam um tom de ouro queimado, que acontecia quando ele ficava preocupado, isso também não mudou.
– Olhe, vamos fazer do seu jeito. Só não quero que, sei lá, as coisas fiquem estranhas entre nós.
– Isso é possível?– engasguei com um riso de escárnio. – É possível essa situação não ser estranha?
– Vamos ao menos tentar.
– Tentar o que?
– Nos dávamos bem.
– Sem chance. Definitivamente não. Essa eu passo. Não vou ser sua amiga.
– Por quê? Não vamos fingir que não nos conhecemos, não quero isso. É criancice. Você é uma garota legal e eu quero me redimir por tudo. Não que faça alguma diferença, mas... Veja, vamos ali na lanchonete, comer algo, conversar...
– Não dá, Igor. – balancei a cabeça, suspirando. Minhas mãos foram parar no meu cabelo, fechei os olhos. Deixando as palavras escaparem, como sempre faço. – Se eu to conversando agora com você é por causa da minha irmã. Não posso me fazer de sua amiguinha. Eu não esqueci tudo, sabe... Não se preocupe com o que minha irmã vai achar se eu me afastar do convívio com o namorado dela, bem... Você entendeu. Ela já esta acostumada com minha natureza antipática.
Abri os olhos, desviando o olhar em seguida. Me levantei, sentindo a atmosfera carregada. O vento mais forte do que antes. Quanto tempo estávamos nesse banco? Comecei a andar, m*l sentindo meus pés, mas com o peso do mundo nas costas.
– Malu?
– O que é agora?– falei alto, irritada com sua voz. Ofendida pela sua presença. Indignada com minhas atitudes, porque parei. Olhei para ele acidamente, que parecia imune ao meu pior olhar. Ele carregava arrependimento nos olhos e imaginei o quão isso devia pesar para ele. Eu era um estorvo tão grande. Para todos, querendo ou não.
– Eu tenho alguma chance de você me desculpar? Por mais remota que ela seja?
– Eu...
– Por favor. – Minha voz embargou, tudo girou rapidamente, fora de órbita e parou. Por favor, ele havia dito antes. Por favor, eu havia pedido quando meu coração fora quebrado, um dos clichês mais odiados por mim. Por favor, era o que eu pedia quando fechava os olhos. Um pouco mais de sonho, por favor. Um sonho doce, por favor, com ares de passado. Queria também, por gentileza, por desejo e necessidade, conseguir olhar para ele e não sentir raiva. Arrancar a amargura do peito, mas algo arranhava as bordas do meu coração, o orgulho gritava em minha cabeça. Eu não superava.
– Não dá. Eu não consigo. – arrastei as palavras, marcando elas cansativamente na minha língua com um gosto esquisito e poeirento. Bebi do orgulho e do despeito. Virei as costas, os olhos cheios de lágrimas, a garganta inchada. Deixei-o para trás. Novamente... Andei sem rumo pela praia, parando em um lugar em que o vento atingia meu rosto com força. Vi as nuvens escurecerem e a chuva vir de mansinho, as nuvens escuras tomando conta do céu rapidamente. Procurei pensar que era noite, que eu olharia para cima e veria um caminho de estrelas e que assim não doeria. Não doeria porque eu sabia que era uma noite de mentira, assim como as estrelas. Não me decepcionaria, porque não esperava nada. Como eu não esperava que Igor me machucaria um dia... O mar se agitou e eu senti algo em mim estremecer. Me abracei antes o vento frio. Sentei na areia, olhando o mar. A agitação, os surfistas correndo animadamente para o mar em menção das possíveis grandes ondas. Algumas garotas na praia rindo e acenando para seus namorados mais corajosos. As mães tirando os filhos de perto do mar e alguns lamentando a tempestade que se aproximava estragando sua tarde de sábado. Me deixei ficar lá, o pescoço dolorido, o peito sofrido estendido diante da minha noite de mentira. Só lembrando...
Arrumei minha cadeira de praia nova; firmando seus pés com firmeza na areia. Totalmente desajeitada coloquei minha bolsa e sacolas na cadeira ao lado, igualmente firmada no chão. Ajeitei me na cadeira e me estiquei, satisfeita com a brisa gostosa do fim de tarde no rosto. O sol havia abrandado e o céu tinha a coloração de um azul anil calmante, as nuvens passavam devagarzinho como que dançando sobre o céu e o mar parecia sorrir para mim.
Eu estava de férias com meu pai, sua namorada e o irmão dela. Eles decidiram vir para a praia, bem longe da capital, para passar o Ano Novo então estávamos hospedados em um hotel. Um hotel bem legal na verdade, novo, com um bom atendimento e com grande movimentação de turistas. Olhei para frente, avistando o surfista que eu tinha visto mais cedo. Ele se equilibrava com facilidade entre ondas numa i********e assustadora. O invejei, não gostava de entrar no mar. Gostava de senti-lo em minhas canelas, seu cheiro e adorava olhá-lo. Mas morria de medo de mergulhar naquela imensidão azul, aparentando muitas vezes fúria, como se me convidasse para me perder lá dentro. E eu tinha pavor de me afogar. Evitava piscina e o mar, então? Inimigo, mas ao mesmo tempo amigo querido e conhecido.
Pra ser sincera, a única coisa com grande concentração de água que eu encarava era a banheira, adorava minha banheira. Talvez eu só tivesse medo das ondas e em como elas arrastavam tudo por perto. Convidando-os devagarzinho para embarcar dentro do mar. Assim como aquele surfista. Comecei a observá-lo por distração, apenas. Só distração... Não o olhava porque ele parecia maravilhosamente lindo e atlético. É claro que não! O olhava porque ele surfava bem. Bem demais! Depois de algum tempo me ‘distraindo’ acabei sentindo fome e fui vasculhar minha bolsa. Abrindo nada mais nada menos que... Um lanche do Mc Donalds. Eu sabia que era porcaria, fazia um m*l tremendo para a saúde, eu até gostava de salada, sempre comia verduras desde pequena. Mas; céus, não resistia a um bom lanche do Mc Donalds! Eu parecia uma caipira da cidade, no meio da praia com minha caixinha do...
– Mc Lanche Feliz? – Uma voz rouca disse acima de mim.
Dei um pulo na cadeira. Olhei para cima, dando de cara com o garoto da prancha. Ele respondeu a pergunta em meus olhos de forma rápida, como se realmente soubesse o que eu estava pensando. – Você estava sozinha e seus olhos pareciam me chamar, então... Aqui estou eu.
– Meus olhos te chamando? – controlei uma risada. Começamos bem nosso contato, pensei. Uma cantada desse calibre? Uau. Me apaixonei. – Nossa, cara... Essa foi realmente péssima.
– Tem razão. – ele fez uma careta momentânea, mas sorriu diante da minha sinceridade. Ainda molhado; e céus, como ele estava bem só de sunga. Firmou a prancha no chão ao lado da outra cadeira, tirou minhas bolsas e sacolas e colocou no chão e sentou-se ao meu lado. Olhando o mar...
– Ei, essa cadeira é minha. – reclamei, ele sorriu luminosamente, se ajeitando na cadeira.
– Eu sei, não achei que você se importaria.
– Mas eu me importo.
– É só um pouco, para eu pensar.
– Pensar em que?
– Numa cantada boa o suficiente para te convencer a ficar comigo. – ele inclinou a cabeça, olhando em minha direção.
– Entre as duas cantadas, escolho a primeira.
– Isso é um sim?
– Não... Isso é um: cale a boca e volte para o mar, amigo golfinho. – ele soltou uma risada alta e melodiosa. O encarei, ele continuou largado na cadeira. Eu não podia negar que ele era bonito com seu porte físico atlético; cabelos curtos e castanho-aloirados e sorriso aberto. Sem poder me conter sorri de volta.