Alicia
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Colocando um pé na frente do outro, atravesso o caminho circular e vou em direção à hora do meu julgamento.
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Meu estômago se revira, apertando e se agitando a cada passo.
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Finalmente me atrevo a olhar para cima e vejo o rosto de Heitor.
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Seus olhos estão cheios de confusão, sem dúvida tentando entender quem eu sou e o que estou fazendo na porta da frente.
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Incapaz de encontrar seu olhar por mais tempo, deixo meus olhos caírem, olhando para o chão e desejando que ele me engolisse inteira.
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Não consigo imaginar o que ele pensa de mim. Do que fizemos.
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Meu pé bate no último degrau e sei que, assim que estiver no patamar, será hora de enfrentar a fera.
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Respirando fundo, dou um passo à frente, mantendo-me firme e desejando que toda a força que possuo venha à frente, protegendo-me de qualquer ira que meu irmão esteja prestes a exercer sobre mim.
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— Bem-vinda ao lar, Ruivinha. — Sua voz grave tem um toque especial e, quando olho para cima, a careta em sua bela boca combina com o desdém em seu tom.
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Ele me odeia pra caramba.
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Eu passo hesitantemente pela soleira da porta, agarrando-me à minha mochila como se fosse minha salvação.
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Dois segundos depois de ter passado pelas portas duplas, ouço o inconfundível bater de ferro contra metal. Ao me virar, vejo Heitor parado, de frente para a entrada, com as mãos apertando as duas alças que seguram minha fuga mais rápida.
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— Porque? — A pergunta sai tão baixa que quase não a ouço.
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Lentamente, Heitor solta seu aperto mortal nas portas e se vira para mim, avançando como um predador prestes a atacar sua presa.
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— Porque, querida irmã, você não me disse quem você era?— Não me atrevo a responder. Não ouso me mexer. Droga, m*l estou respirando.
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Hudson para à minha direita, seu rosto se inclina e cai alguns decibéis enquanto ele fala em meu ouvido.
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— Você tem dezessete anos, Alicia. Você sabia que o que fizemos é ilegal em muitas camadas?— Eu respiro fundo, suas palavras me atingem com o peso do que eu fiz.
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Eu nunca poderia voltar atrás. Um caroço se forma em minha garganta enquanto meu coração bate forte, exigindo uma saída.
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— Eu... eu não estava pensando.— Consigo responder, mas assim que as palavras saem da minha boca, sei que não são verdadeiras.
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Eu não estava fazendo nada além dele. Pensamentos sobre ele têm me consumido nos últimos dois anos e, quando tive a oportunidade de estar com ele - mesmo que por pouco tempo, - aproveitei. Que se danem as consequências.
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Heitor solta um som de dor, seu corpo pairando tão perto de mim que posso sentir seu calor. Mesmo agora, com esse constrangimento entre nós, tudo o que eu quero fazer é estender a mão e tocá-lo.
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— Não. Não. Desculpe.— ele exclama, seus lábios roçando a concha da minha orelha, fazendo com que uma onda de desejo me percorra.
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Instantaneamente, meu corpo traidor se arrepia, a resposta faz com que Heitor perceba a sua proximidade e o faz ir de volta para a parede, longe de mim.
Meus olhos se voltam para encontrar os dele e vejo o horror em seu rosto. Eu coloquei isso lá. A alegria e o prazer que eu havia lhe proporcionado agora estão azedas, transformando-se em nada além de repulsa.
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— Alicia. — Meu nome sai sufocado, com seus olhos penetrando profundamente em minha alma e extraindo cada centímetro de aversão a mim mesma que tenho dentro de mim.
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— Sente-se. A Rosa a levará ao seu quarto assim que estiver pronto.— Para interromper o olhar, ele aponta para um banco.
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Abro e fecho a boca, querendo dizer algo, qualquer coisa, para deixá-lo menos irritado, mas nada sai.
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— Certo. Bem, boa noite.— Ele suspira, passando a mão pelo cabelo.
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Meu coração se aperta e meus olhos se marejam com as lágrimas iminentes enquanto o vejo girar sobre os calcanhares e seguir na direção oposta.
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Seus pés estão se movendo tão rápido que ele está praticamente correndo, incapaz de se afastar de mim com rapidez suficiente.
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Aceitando as consequências de meus atos, minha b***a cai no banco de madeira.
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Alicia, o que você fez?
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As lágrimas que eu estava segurando caem, minhas mãos se levantam e as enxugam rapidamente. A última coisa de que preciso é...
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— Senhorita? — Uma voz calorosa me chama, fazendo com que eu olhe para os olhos castanhos mais profundos que já vi.
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Uma mulher mais velha, com cabelos grisalhos e traços suaves, olha para mim com muita preocupação.
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— Posso levá-la ao seu quarto ou preciso convencer alguém primeiro? — Ela levanta uma sobrancelha e inclina a cabeça na direção para onde Heitor foi.
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Eu dou uma risada com a ideia de uma mulher baixa se enfrentar os 1,80 m de Heitor. Balançando a cabeça, enxugo as lágrimas restantes.
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— O quarto, obrigada. Heitor não fez nada de errado. — Ela franze os lábios e se move para pegar minha mochila, mas eu a impeço.
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— Está tudo bem. Eu posso carregar minha bolsa. Rosa, sim?
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Ela se dirige a um corredor e começa a andar para a frente.
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— Sim. Vou levá-la ao seu quarto, mas posso lhe mostrar a casa por completo assim que estiver acomodada. Você já jantou?— Ela se direciona a hm corredor e começa a andar.
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— Não, mas não estou com fome.— Eu ando atrás dela, acelerando o passo. Para uma mulher tão pequena, ela anda muito rápido.
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— Que bobagem. Uma garota em crescimento precisa comer. — Ela olha para trás, olhando para mim de lado.
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— Você não precisa se preocupar em ver o Heitor, se é com isso que está preocupada. Eu o vi sair de casa quando eu estava indo buscá-la.— Oh, Deus. Ela não é burra. Não tenho dúvidas de que ela viu o humor dele e depois me viu chorando.
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Qualquer um poderia somar dois e dois para saber que algo aconteceu entre ele e eu.
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A ideia de Rosa descobrir o que o deixou tão furioso me causa outra onda de culpa e vergonha.
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Sinto o gosto do vomito em minha boca, meu almoço ameaçando vir à tona e fazendo Rosa parar em seu caminho.
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— Ok. Talvez não queira jantar, mas com certeza trarei algo para acalmar seu estômago. — Ela me oferece um pequeno sorriso, sua mão se estende e dá um tapinha em meu ombro.
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— Mija, não tenho certeza do que deixou vocês dois tão chateados, mas isso vai melhorar. Heitor é um bom menino e sei que ele tem um coração puro.— Um coração puro que acabei de manchar com meus próprios desejos gananciosos.
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Alheia à minha agitação interna, Rosa abre uma porta que sai do longo corredor por onde estávamos andando. Seguindo seu exemplo, entro em um enorme quarto de hóspedes decorado todo em branco. O lugar parece tão estéril quanto um hospital e não tem absolutamente nenhuma personalidade.
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Rosa sorri, provavelmente lendo meus pensamentos.
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— Este é o único quarto que não está decorado. Heitor disse especificamente à designer de interiores que ela deveria deixá-lo como o encontrou. Apenas mobiliá-lo com o essencial. Pra que você o decore como quiser.— Coloco minha mochila na cama e olho para o edredom.
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Sei com certeza que é de um dos meus designers favoritos e só a roupa de cama deve custar uma pequena fortuna.
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— Podem ser essenciais, mas não há nada de simples neles.— Após uma inspeção mais detalhada, vejo que o mesmo pode ser dito sobre os móveis.
Eles também são do mesmo designer e combinam assustadoramente com o tom de madeira suave que tenho em casa.
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Rosa sorri antes de se dirigir à porta.
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— Sim, ele não poupou despesas.— Minhas sobrancelhas se franziram, colocando isso no fundo da minha mente e guardando para uma data posterior.
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Com o suave batido da porta, eu me atiro na cama.
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Preciso encontrar uma maneira de fazer com que ele me perdoe, ver se podemos superar isso e deixar tudo para trás.
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Mesmo quando penso nisso, sei que não é verdade. De jeito nenhum eu poderia agir como se o que fizemos nunca tivesse acontecido.
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Foi mágico, quase uma mudança de vida. Quem estou enganando?
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Foi exatamente isso que eu fiz. Alterou nossas vidas. Infelizmente, parece que foi para pior e não há como consertar o que eu estraguei.
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Gemendo, jogo o braço sobre o rosto e imploro para que o sono me leve.
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Dormir. É disso que eu preciso.
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Talvez, com uma boa noite de descanso, as coisas pareçam melhores pela manhã.