Censura

1970 Words
Nick Eu vou conseguir, eu vou conseguir, eu vou conseguir. Esse era o meu mantra, desde que fui suspenso dos serviços de investigação particular na polícia civil. Estava perto de desvendar todo esquema de corrupção da prefeitura, com o meu artigo no jornal, ganharia bastante visibilidade, e ainda, colocaria o prefeito sob investigação e seria um passo importante para acabar com a censura. Ah, esse era o sonho de todo cidadão de bem, que estava cansado de tanta roubalheira e mentira. Ser um jornal independente tinha as suas vantagens e desvantagens, mas só um fato de não sermos obrigados a postar FakeNews, valia a pena todo o trabalho que temos. Os outros jornais foram comprados com dinheiro de propina, somente o “MIDIA IMPRESSA” se sustentava com a assinatura do povo. E era por eles e pelo futuro da cidade que lutamos. Só conseguimos estar de pé ainda, pelo simples fato de não termos um local fixo para trabalhar e usamos pseudônimos nos nossos artigos, para que ninguém pudesse rastrear-nos. Olha o ponto em que a nossa cidade chegou, temos que nos esconder para poder levar a informação verdadeira ao povo, que sofria por ter feito a má escolha de eleger um candidato mão leve. Finalizei o meu último artigo e enviei para o meu editor aprovar, depois o texto iria para a revisão. A responsável por essa parte do trabalho era a minha filha, que estava no ensino médio. Ela sabia português como ninguém. Quem se importava com o que era análise sintática? Natália corrigia os mínimos erros que eu cometia com a ortografia. Era uma vergonha para mim, mesmo tendo estudado por quatro anos um curso de jornalismo, não sabia direito como conjugar um verbo. Bom, os professores estavam mais preocupados em fazer revolução do que buscar a sabedoria. Esse era o ensino que Paulo Freire nos deixou, marionetes de políticos. Contudo, eu era especialista em investigação, traçava o perfil do criminoso e antecipava o seu próximo passo. Analisava as suas atitudes, estudava a sua maneira de agir. Eu tinha que entrar na cabeça dele, pensar da mesma forma como ele pensava. Isso nenhuma faculdade por melhor que fosse, conseguiria ensinar. Consegui desenvolver essas habilidades quando estava no exército, foram os oito melhores anos da minha vida, só saí para cuidar das minhas filhas, depois que a mãe delas nos abandonou para lutar pelas causas feministas. Fazer o que? O jornal “MÍDIA IMPRESSA” se tornou famoso por causa dos meus artigos, mas quando se tratava de política, o caldo engrossava. Fui dispensado do departamento de polícia e eles nem fizeram questão de disfarçar o motivo. Pelo menos, não descobriram que eu era um jornalista disfarçado, o trabalho de investigador era somente para conseguir as matérias. Com a internet, o jornal impresso perdeu a popularidade, contudo, quando a população descobriu que trabalhávamos com seriedade, comprometidos com a verdade, a cada dia as vendas aumentavam. Fazíamos marketing boca a boca e graças a Deus estava dando certo. Desliguei o meu notebook e guardei-o na minha mochila. Organizei a bagunça da minha mesa, antes de ir embora. Estava na sede do jornal, conseguimos um local temporário, pelo menos, até que a polícia, comprada pelo prefeito, não nos encontrasse. A porta da minha sala abriu e o editor chefe do jornal entrou sem permissão. Estava certo que o jornal era dele, mas a sala pertencia a mim e tinha direito à privacidade. — Nicholas Macalister, dê-me uma boa notícia. Odiava ter que adivinhar o que ele queria que eu falasse. — Bom, já terminei o último artigo e já te enviei por e-mail. — Não! Não é isso que eu quero saber. Quero saber se já encontrou outro departamento de polícia para começar a trabalhar nos casos. — Ah, é isso? Não, eu não achei nada ainda. — Poxa, cara! Assim você acaba provocando um infarto em mim. Ele fingiu, muito m*l, em ter um ataque, nenhuma novela o contrataria pela sua péssima atuação. — Eu falei para você que não era uma boa ideia mexer com os grandões. Eu não tinha nenhuma autoridade dentro da polícia, apesar de ficarem satisfeitos com o meu trabalho, mas é a política que manda em tudo. Ele sentou em uma das cadeiras disponíveis, em frente à minha mesa, com a mão no coração ainda atuando. — Isso se chama censura, se te colocaram para fora quer dizer que tem algum podre lá dentro. Derrubar o prefeito era a única maneira de termos a impressa livre outra vez. — Eu sei disso, ainda bem que não descobriram que eu era colunista, achavam que eu era policial. Porém, o delegado é amiguinho do prefeito que, com certeza, o comprou. Eu fiz o possível, mas... Agora será difícil descobrir alguma coisa sendo apenas um jornalista. — Você poderia se infiltrar, fingir ser funcionário da prefeitura. — Você está louco? Eu tenho duas filhas, não posso arriscar-me tanto. Além disso, eles já me conhecem dentro da prefeitura, se eu aparecer como alguém da equipe vai dar muito na cara. Ele inclinou sobre a minha mesa, apoiando os cotovelos nela. Esfregava as mãos como se estivesse se preparando para saborear um prato apetitoso. — Está certo, está certo. Os patrocinadores estão no meu pé. Um escândalo político, era o que precisávamos para ter o povo do nosso lado e a nossa liberdade de volta. Concordei sem nada dizer. — Farei o possível para encontrar outro departamento de polícia, enquanto isso, acho que podemos ir por um outro caminho, também. — Que caminho? — O público feminino, podemos fazer uma pesquisa para saber o que as mulheres querem ler em um jornal impresso. Aumentaria o nosso público, ficaríamos mais populares e mais gente do nosso lado. Dando tempo para eu encontrar outro departamento de polícia, para trabalhar nas investigações e conseguir o que realmente queríamos desde o princípio. — Boa, podemos colocar um romance com vários capítulos, um a cada semana, mulheres adoram essas coisas melosas. — Ah, não. A revista “NOVELA LIDA” já faz isso e não tem tanto sucesso como a gente pensa. Tinha que ser algo mais do nosso meio investigativo. — Duvido uma mulher se interessar por crimes. — Calma, Pascoali, pensarei em algo antes de iniciar o próximo artigo. Era o que eu esperava. Ele suspirou como se realmente estivesse tendo um treco. — Estou contando com você, hein. Não me decepciona. Assim, como Pascoali, eu queria atrair mais leitores e acabar com a censura. Por culpa da pandemia, a mídia impressa virou quase uma peça de museu, poucas pessoas compravam jornal ou livro com medo de pegar o vírus. As pessoas ficaram mais viciadas na internet, consumindo as FakeNews por meio dela. O meu sonho era mudar essa realidade. Somos o único canal de notícias que leva a verdade, nua e crua para a população, tinha orgulho de fazer parte disso. — Pode deixar. — Tem certeza que não vai receber a premiação no festival? Desde que os meus artigos começaram a fazer sucesso, eu era sempre convidado para festivais de premiações, mas quem os recebia era sempre o Pascoali. — Não escrevo com pseudônimo por capricho, tenho duas filhas, odiaria que fossem alvo da mídia. A minha obrigação como pai, é de protege-las. E se por acaso um escândalo político surgir, aí mesmo que eu teria que estar no anonimato. As gêmeas eram tudo que eu tinha, já sofriam com todos os problemas da adolescência, não queria acrescentar esse peso. Eu morreria se acontecesse algo com elas. — Está certo, está certo. Da mesma forma como entrou, Pascoali saiu, ele não era bom em se socializar com as pessoas, porém, eu respeitava o jeito dele. No estacionamento, fui recepcionado por uma bela jovem, que estava com o seu traseiro encostado na lateral do meu carro. Andei com acautela, olhando para os lados, vendo se não tinha ninguém por perto. Não podia relacionar-me com a filha do chefe. O problema era que, ela quem vinha atrás de mim. — Você não me ligou — falou toda cheia de insinuações. — Estive ocupado. O que não era mentira, no entanto, também estava fugindo dela. Samantha queria curtição sem compromisso, eu não compartilhava da mesma vontade, e achava que o seu pai não veria isso com bons olhos. — Achei que estivesse fugindo de mim. Era impressionante o sexto sentido de uma mulher, elas deveriam jogar na loteria. — Olha, Samantha, acho melhor não termos essa conversa aqui. O seu pai pode nos surpreender. Saímos apenas uma vez e no outro dia Pascoali me apresentou o seu futuro marido, nem tivemos um segundo encontro. — Ele não vai aparecer, está mais preocupado com o trabalho no jornal, do que comigo. — Isso não é verdade, ele trabalha para te dar a vida boa que você leva. E eu era um dos quem mais trabalhava, pois, também queria dar conforto as minhas filhas. Samantha cruzou os braços em frente ao corpo, como uma garota birrenta. — O que adianta dar-me tudo, se não tenho amor. Aproximou-se sorrateiramente e envolveu os seus braços em volta do meu pescoço. — Você tem noivo. Afastei-me ligeiramente. — O que é mesmo que nada. — Então, por que você está com ele? Ela deu de ombros, sem saber o que responder. — Você também não se decidiu por mim. — A gente saiu uma vez e no outro dia seu pai apresentou-me para o seu noivo. Aumentei um pouco a voz, ainda estava puto com aquela história, mas isso não me faria ser grosso com ela. Samantha recuou e encolheu-se. — Olha, desculpe-me. Samantha, eu não estou te cobrando, até porque nunca tivemos nada e nem estou procurando relacionamento. — Pelo menos, não com ela. — Você sabe bem disso, também não acho que o seu pai aceitaria nós dois. — Por que não? — Porque você já está noiva de empresário que sustenta essa empresa. — Quem sustenta essa empresa são os seus artigos. — Modéstia parte, era verdade. — Aquele cara só quer o meu corpinho — Ela fez bico. Coitado do cara, vi como ele a olhava, era apaixonado por ela e Samantha sempre vivia atrás de mim. Eu que não queria estar na pele dele. — Olha, não quero que me leve a m*l, mas preciso concentrar-me no meu próximo artigo, dispensaram-me das investigações, agora tenho que encontrar um jeito de ser aceito em outro departamento. — Você foi dispensado e está me dispensando, também? — Não! — Sim. — Você está noiva, e eu nem sabia que você tinha alguém... — Nem pense que ficarei te esperando a vida inteira, não vou procurar-te até decida me assumir. E ser corno no dia seguinte? Nem pensar. Samantha não era o tipo de mulher que ficava com apenas um cara, nada contra, cada um vive da maneira que quiser, mas para um relacionamento sério, para mim, ela não serviria. — Te assumir? Acho que quem tinha motivo de ficar bravo era eu, você é noiva e não me disse nada. Fora que nem é apaixonada por mim. — No começo, não era. Mas agora, eu quero mais. Ela aproximou-se de mim e circulou os braços em volta do meu pescoço. — Nem tudo mundo tem o que quer. Segurei o seu braço e tirei do meu pescoço. — Está enganado, sempre tenho e consigo tudo o que quero. Sorriu com malícia, enquanto se afastava na direção do seu carro. Esperava não ter problemas com ela, pois, já tive problemas demais com a minha ex-mulher. As minhas filhas precisavam de uma mãe e era isso que darei a elas. Entrei no meu carro e dirigi direto para minha casa. Assim que coloquei o pé dentro de casa, fui recepcionado pelas duas mulheres da minha vida...
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