Há dez anos...
Arrastei minha mala sem fazer barulho pelos corredores.
Olhava para os lados com atenção, embora ainda estivesse sozinha. Entre aquelas paredes monótonas, eu escutava a balbúrdia da apuração de votos e ainda assim temia que mesmo o som das rodinhas ou de minha respiração chegassem de algum modo até ele. Não saberia expressar o que sentia, mas meu coração acelerado traduzia meu estado.
Foi de repente quando a cadência dos meus passos indo em direção às escadas foi interrompida. Tudo o que eu vi, num primeiro momento, foi um borrão. Em seguida, um punho atingiu meu rosto, fazendo com que eu rolasse pelos degraus e torcesse meu pé.
As lágrimas escorreram ao passo que eu gemia para que aquele monstro se afastasse de mim. Ao mesmo tempo, lamentei minha demora para fugir, pois devia ter saído antes de terminar a apuração dos votos. Ele perdeu. E como sempre, descontava suas derrotas em mim.
Olhei dificultosamente para o andar de cima, na esperança de que o Charles ainda estivesse vivo, sacasse sua arma e me livrasse do cárcere.
No entanto, percebi que seu sangue já escorria pela escada e seu corpo sequer se mexia. Ele era o intermediador do contato que eu tinha no Brasil — e carregaria a culpa da sua morte por toda a minha vida.
Pedia a Deus que me livrasse do m*l, uma oração silenciosa e com devoção, pois até isso foi tirado de mim, que eu pudesse expressar livremente a minha fé.
Willians descia as escadas com uma determinação no olhar semicerrado. Em uma de suas mãos, havia um revólver, na outra, uma garrafa de uísque a se derramar pelo caminho.
Tinha certeza de que aquele dia seria o fim da minha existência, ele já tentou me assassinar outras vezes. Entretanto, a polícia nunca investigou a violência sofrida contra mim, afinal de contas, James Willians era um político exemplar, que ajudava os pobres e oprimidos.
Meu coração acelerou mais devido ao pânico. Estava com medo da morte, se bem que, se eu morresse, acabaria o meu sofrimento. Contudo, para ser franca, não queria perder a vida, mas m*l tinha como me defender. Meu pé doía e as soluções para mim foram eliminadas. A não ser que, por um milagre, eu conseguisse tirar a arma da sua mão.
Reprimi um gemido enquanto contestava meus próprios pensamentos. Atirar naquele homem era bastante improvável, eu era covarde, fora que nunca usei um revólver na minha vida. Isso seria a primeira coisa que deveria aprender se eu conseguisse sair viva daqui.
— Pensou que iria fugir com seu amante, Kate? — Ele apontou a arma para mim.
— Não, James, por favor — balbuciei. — Eu te imploro!
— Eu perdi as eleições e você iria me humilhar publicamente, sua v***a! — Recebi uma coronhada no rosto e senti de pronto o gosto de sangue na boca.
Mais uma vez ele me culpava pelos seus fracassos, cego para não ver que eu estava fugindo por temer pela minha própria vida. O pior de tudo era que eu me sentia culpada. Se essa fuga desse certo, os jornais espalhariam que a mulher do candidato a prefeito o abandonou por ele ter perdido as eleições. Ironicamente eu sairia como a vilã da história.
— Não permitirei que me humilhe, entendeu? — rosnou James. — NÃO PERMITIREI!
Pensei que naquele momento ele atiraria na minha cabeça e que tudo terminaria, mas ele se afastou e começou a espalhar seus uísques caros pelo chão. Imediatamente visualizei o cenário monstruoso que aconteceria: meu fim seria lento e doloroso.
— O que está fazendo? — gemi, erguendo os olhos para ele.
James se virou para mim e deu um sorriso doce, como nunca antes fizera, como se me agradecesse por algo. Esse pequeno ato arrepiou cada cabelo dos meus braços. Ele se agachou na minha frente e acariciou meu cabelo: e Willians nunca foi de me demonstrar carinho.
— Amor, você acabou de me dar o presente que me fará vencer as próximas eleições. — Só podia estar bêbado, mesmo, para falar essas asneiras. — Amanhã, nos jornais, todos saberão o quanto Katharine Thompson Willians foi valente ao lutar para salvar o marido, mas que não teve sorte de sair a tempo das chamas.
Arregalei os olhos. Ele segurou meu queixo e me beijou, enfiando sua língua na minha boca. Seus dentes arranharam os meus lábios; ele sugou e os mordeu. Depois, ele sorriu.
— Sentirei sua falta, querida!
Levantou-se e foi até o armário de bebidas que tinha no canto da parede. Pegou suas garrafas importadas e jogou no chão uma a uma. Em meio a isso, espalhando líquido e os cacos de vidros por toda parte.
— James, não faça isso! — exclamei com a voz embargada.
Ele foi até a cozinha e pegou o isqueiro. Com uma última olhada para mim e um sorriso maléfico, jogou o isqueiro aceso. Imediatamente o chão começou a pegar fogo e se espalhou por onde ele arremessou as garrafas.
Sua risada diabólica e vitoriosa me encheu de pavor, parecia se divertir com a cena. Ele contemplava o fogo como se fosse a melhor das atrações que tinha visto, queria me ver queimar.
Reuni todas as forças, que não sabia de onde vinha, e me levantei, apoiando-me apenas num pé. Se eu tiver que morrer, que seja lutando.
De costas para mim, vendo o fogo avançar pela casa, aproveitei sua distração e peguei o atiçador de lenha. Por um instante, hesitei.
Nunca fui violenta e não tinha a intenção de machucá-lo.
No entanto, ao se virar para mim e perceber que eu estava de pé, por reflexo acertei o atiçador na cabeça dele, com toda a força que me sobrou. Ele caiu no chão e derrubou sua arma nos meus pés.
Essa era uma oportunidade única. Abaixei, peguei a arma e apontei para ele. Willians se contorcia de dor e segurava a cabeça. Quando conseguiu se estabilizar, ele me encarou.
— Pode me matar! — Semicerrei os olhos sem entender. — Isso mesmo que ouviu. Mate-me, pois se eu sobreviver, irei atrás de você.
Engoli seco. A ameaça era clara, precisava fazer alguma coisa, mas não tinha coragem. Minhas mãos tremiam, lutava internamente sobre o que deveria fazer naquele instante. Meus pensamentos não se alinhavam com coerência, o que me impedia de agir.
Ele se mexeu e logo dei dois passos para trás, apertando a arma em minhas mãos sem conseguir atirar, perdida, pensando no que fazer.
Willians levantou-se do chão e me deu um sorriso diabólico.
— Não tem coragem, não é? — ele riu entre os dentes. Estendeu a mão bem devagar. — Me dê aqui que eu te mostro como se faz, v***a.
Ele avançou na minha direção.
E eu atirei...