Chapter 02.

4764 Words
— Porque não sou de ferro e preciso relaxar um pouquinho também, mas quando chegar em casa vou finalizar. Só preciso checar a renderização final. — Esse sem dúvidas era o mais trabalhoso. Transformar o papel em realidade. — E se a renderização não ficar boa a tempo? — Nick cerrou os olhos. — Eu remarco a entrega. — Suspirei — Ossos do ofício! Não é como se todo mundo naquela empresa já não me odiasse. Fiz algumas inimizades quando estagiei lá a alguns anos atrás. — Porque? — Os olhos de Monick cintilaram, mas acho que eu me lembrava de já lhe contar essa história. — Porque eu sempre entregava os melhores projetos e ainda sim queriam mexer neles, tirar algumas coisas fundamentais, sem falar que em quando me divorciei, algumas pessoas por lá atribuíam o meu sucesso ao Simon, mas faziam de propósito porque sabiam que eu odiava. E quando eu notei que eles queriam dificultar a minha vida, eu acabei dificultando a deles também. — Dificultar? — Ela botou os cabelos escuros atrás da orelha como se ele a impedisse de ouvir melhor. — É, eu testei a paciência de todo mundo, até que me mudaram de filial. — Pensa pelo lado bom, pelo menos você não foi demitida. — Nick riu. — Você gosta da filial de Finchley, não é? — É, eu gosto. — Mas eles pediram apenas o projeto? você não precisa supervisionar? — Ela continuou a questionar. — A Valentine é a melhor empreiteira do país. Eu só preciso fazer uma reunião com os engenheiros e o arquiteto que ficará presente na minha ausência para explicar o projeto, talvez eu vá algumas vezes para dar uma olhada, mas no geral vou ficar de longe, afinal, o projeto é meu, e é o meu nome que vai nele. — E se fizerem algo errado? — Paloma perguntou. — Gente, é a Valentine, não ouviram o que eu disse? não vão, eles são os melhores. — E a reunião é quando? — a aniversariante indagou. — Na segunda, a entrega vai ser feita junto com o projeto. — Sorri. — Você brinca com o perigo e eu adoro porque nunca dá merda, impressionante! — Monick pronunciou irônica como sempre, se não fosse não seria ela. Ok. Eu nunca fui uma pessoa muito sortuda, na verdade eu até tinha alguns picos de sorte, mas eles eram acompanhados de um desastre, tipo Bonnie e Clyde, inseparáveis. Um não andava separado do outro, e sabendo disso eu acaba por conspirar comigo mesma, mesclando as possibilidades de vitória e de derrota. Eu poderia entregar um projeto incrível e eles simplesmente não aceitarem por causa do render do sketchup feito na pressa, ou talvez eu entregue um projeto péssimo e ganhe na loteria do EuroMillions. Se a modelagem do render não sair tão boa, sei que a culpa não vai ser minha pelo simples fato de me avisarem 2 semanas antes da data de entrega que eles não queriam só o projeto legal, mais uma apresentação renderizada para uma reunião de imbecis em época de eleição. ***Gerard Moore *** 30 dias antes — Falaram que tiveram que procurar os pedaços do cérebro dele no chão, que estava tão quente que cozinhou a carne nas pedras de mármore, que estavam esperando pra subir pro segundo andar. — William achou que sussurrar no tom que ele sussurrava o deixaria invisível, mais ele, um homem de voz robusta, transformava qualquer sussurro em um grito. — Cala a boca, Will — Adam atingiu sua costela com o cotovelo e voltou a manter sua postura ereta diante dos outros. Londres estava sendo acometida à uma declínio climático que me fazia andar com mais roupas no corpo do que eu gostaria. Um homem deve ter um andar charmoso porque com ele, na grande parte das vezes não é preciso um sorriso de clínicas odontológicas para impressionar alguém, mas a pergunta é, como se vestir confortavelmente e andar de forma sedutora com um tempo de 4º graus na cidade, tendo que se agasalhar como um penguin para não ficar resfriado ou pegar uma pneumonia? É preciso decidir entre a saúde e o jogo da conquista. — Isso vai demorar muito? — Will perguntou novamente, impaciente como uma criança. — O tempo que tiver que durar. Respeito com os mortos. — Eu murmurei baixinho acenando para algumas pessoas que chegavam. — Deveriam ter respeito por ele quando ele estava vivo. Agora não importa mais! — Ele retrucou e tomou novamente uma cotovelada do Adam. — Se não calar a boca vai ser você naquele caixão amanhã, e assim como Fred, estaremos velando seu corpo. — o ameaçou novamente. A viúva de Frederick Jones estava sentada na primeira cadeira da primeira fileira, com seu vestido preto de cetim, óculos que quase engoliam seu rosto pequeno e o lenço que estava encharcado de lágrimas de crocodilo. Quem a olhava ali, daquela forma, jamais imaginaria que um dia antes ela havia estreado o jornal de domingo com a notícia de um amante no dia da morte do marido, e como uma boa advogada que era, ela negou e disse ser montagem e calunias que visavam denegrir sua imagem, mas acho que a marca roxa em seu pescoço que a gola do vestido m*l cobria, e a forma que sua mão apertava e amassava a camisa do homem que a acompanhou na foto diziam ao contrário. Não adianta dizer que não houve crime se as provas estavam todas ali, e não precisava ter um apelo jurídico para identificá-las. Suas lágrimas secas e seu choro fanho eram tão falsos quando a família de Fred que gritava de felicidade por dentro, afinal, Frederick Jones era o melhor arquiteto de Nova York que veio para a cidade apenas para começar no novo projeto do Gabinete político no centro de Londres, na Canary Wharf. Ele era milionário e sem filhos. Um nome na arquitetura mundial. Entretanto, ele jamais poderia prever que a mentoria que ele daria a alunos de engenharia e arquitetura poderia ocasionar sua morte quando ele subiu no terceiro andar para mostrar toda a estrutura de vigas e se embolou nos arames, despencando do terceiro andar e atingindo o chão de cabeça. Um mergulho no ar fatal. Foi triste, afinal, o cara era muito amado no estado e na cidade. Seu velório estava cheio, com todos os tipos de condecorações do governo, de londres, da Valentines, de empresas culturais e também o conselho de arquitetura americano onde ele estreou pela primeira vez. O cara fez história e isso é inegável. — Imagina só, você ser um cara f**a, conhecendo todos os lugares, sendo amado pelas pessoas, se inalcançavel, mas dai um dia, você cai e morre de uma forma bem…idiota. — Will voltou novamente ao seu questionamento típico de quem vivia em outro mundo ou então vivia bêbado, mas ainda sim ele era estava careta. Eu daria um crédito a ele, visto que sua voz desceu o som quase inaudível. — Levando em consideração que era a profissão dele, diria que ele morreu feliz. — Respondi. — Cara, não tem como ele morrer feliz, a cabeça dele se espatifou no… — Não, Will. Sem termos técnicos. Eu já entendi o que aconteceu com a cabeça dele. — Suspirei. — Foi uma fatalidade. — E se…aquele prédio for amaldiçoado? — Essa sua língua que deve ser. Cara, você não pode esperar a gente sair do velório pra você falar todas as merdas que você quer? — Adam passou o braço por seu pescoço, sorrindo para algumas pessoas que nos cumprimentavam. Nós ficamos em silêncio enquanto um padre falava algumas coisas que eu não conseguia ouvir devido ao choro coletivo, assobios, gritos e trombetas que tocavam enquanto o corpo de Fred descia direto pelo buraco de onde ele nunca mais sairia. Não éramos amigos íntimos de Frederick, mas ele iria trabalhar conosco em um dos projetos da Valentines na Canary Wharf, e visto que seria uma equipe incrível, ia ser difícil substituir ele pelo simples fato de que as obras de Frederick Jones não podiam ser supervisionadas por ninguém que não fosse ele. Eu estudei pra p***a, fiz pós, me especializei, mas aquele homem era uma máquina, e precisava estar do inicio até o fim da obra, ele era uma especie de Oscar Niemayer americano. A Valentines precisou trocar o projeto e providenciou isso na manhã seguinte em que os pulmões de Fred já não mais respiravam. A morte dele foi um pesar, mas negócios são negócios e o mundo não para. O enterro foi rápido e William saiu de lá tropeçando no próprio pé depois de ter ficado acordado a madrugada inteira conversando com a mãe de sua filha, uma menina de 23 anos que se acha mulher mas não passa de uma menina, não que o Will fosse o cara mais responsável da face da terra consigo mesmo, mais se tratando de Samantha, sua filha de 3 anos, ele é o cara mais responsável que eu já conheci. — Vamos beber algo? Esse clima de velório me deixou triste e só um copo de cerveja me deixaria feliz agora. — Adam ronronou de maneira preguiçosa, esticando os braços. — Sinto muito, mas vou me abster de álcool agora, Edward quer me ver na empresa. — Falei ajeitando o blazer. — Mas tipo, agora? — Adam questionou bagunçando seus cabelos escuros. — É, tipo agora mesmo! — E porque ele não veio? — Sei lá, Adam! Provavelmente cuidando da parte burocrática de algumas coisas ou talvez ele não goste de enterros. — Disse enquanto caminhávamos pelas ruas de pedra do cemitério. — Cara, esse cemitério até que é bonito e aconchegante. — Certamente Will era única, suas falas eram algo do tipo que mesmo que se estivessem escritas em um papel eu saberia que era dele. — Então porque você não se muda pra cá? Pensa pelo lado bom, você nunca vai estar sozinho! — Adam murmurou revirando os olhos com suas mãos no bolso da calça jeans, balançando a cabeça de forma negativa. Ele sempre se pronunciava com as coisas s*******o que Will falava, mas a verdade é que ele gostava de ser quase um tutor do menino. “carne e unha, alma gêmea…” — Se eu deixar vocês sozinhos, vocês vão se matar? — cocei a cabeça preocupado. — No máximo algumas garrafas na cabeça do Will, mas nada que vá tirar a vida dele. — Gargalhou dando um tapa leve na nuca de Will que foi contagiado por seu riso. — Bebam o que tiver que beber, mas nem pensem em chegar atrasados amanhã ou eu juro que vão enterrar vocês junto com o Fred! — Chegamos no portão ao lado externo do cemitério. — Temos um mês para conseguir terminar o gabinete na Canary Wharf sem o Fred e começar outro projeto que também seria com o Fred, mas ele vai ser substituído por alguém. — Já te passaram as informações? — Adam me encarou taciturno. — Do que? — Como do que? Do próximo projeto ué. — Ah sim…Comercial, dos grandes! — Quase soletrei. Eu não sabia nada, mas com certeza muito mais do que os dois. Tínhamos um pouco de fobia da palavra comercial, certamente pela simples certeza de que os grandes projetos arrancavam todo segundo de descanso que pensávamos ter. Os prazos eram estupidamente curtos e demandavam de uma atenção muito maior. Todo projeto é importante, mas entre fazer um projeto para coca-cola e pro tio zé da barraca da esquina, a coca-cola tem muito mais mídia pra f***r minha carreira caso eu faça qualquer coisa errada. Os olhos do Will já eram meio esbulhados mesmo que ele não prestasse muita atenção nas coisas, na verdade Will tinha transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e mesmo que fizéssemos infinitas piadas internas com sua condição, era algo permitido apenas entre nós. William e Adam eram minha equipe para qualquer projeto . Sabe qual a pior parte? Will era o técnico em segurança do trabalho, mas por incrível que pareça e por mais medo que dê, ele nunca deixou a desejar ou fez menos do que a perfeição. Inclusive ele disse que se estivesse na mentoria de Fred, poderia ter evitado que ele morresse, e eu o conhecendo, não podia negar. Ele tinha razão. (...) A Valentines ficava na Hampton Tower, próximo da South Dock Bridge e o edifício era quase um arranha-céu de 72 andares de salas luxuosas que nem mesmo se eu vendesse meus dois rins eu poderia pagar o aluguel de um dos andares. A sala de Benjamin era no último andar, enorme, dava pra fazer uma resenha com um bar de strip inteiro, contando com os garçons e o pole para as garotas. O chão parecia envernizado em uma madeira escura meio escondida por um tapete felpudo que eu duvido muito que Rose, a faxineira, consiga varrer. Sabe a Laracna de O retorno do rei em o senhor dos anéis? parecia o covil dela. Os ramos de felpos do tapete eram altos, e eu juro que não sabia a necessidade disso, porque beleza era uma coisa que não tinha. A parede era de vidro, então não existia aquela coisa de “bata antes de entrar”, porque quando saí do elevador, Benjamin Valentines já tinha um sorriso tão gigantesco que mais um pouco vazaria pelas beiradas de sua cara. Fechei a porta ao entrar e acho que o terno preto e a flor branca em meu bolso o lembraram que talvez não fosse um dia de tantas alegrias. — E então, como foi lá? — Ele perguntou mesmo já sabendo como havia sido. — Triste como todo velorio deve ser. Um pouco da imprensa, do governo, da família, uma viúva chorando porém, feliz por dentro e alguns amigos. O acontecimento foi triste, mas estranhamente tinha gente feliz demais lá. — Uma grande perda para a indústria da arquitetura, sem dúvidas. Ed puxou o ar ao mesmo tempo que seus dedos puxaram um papel embaixo de uma pilha de outros papéis, ele encarou por longos segundos e soltou o ar. — Frederick foi substituído, Vou encaminhar o pedido do novo projeto para a nova arquiteta e acredito que dentro de algumas semanas ela me entregue. — Encontrou alguém à altura? — A experiência de Fred fazia dele o melhor, mas garanto que Alexandra Wester está a altura. — Havia um certo incômodo com a ideia ainda fresca. Não um incômodo pessoal. Mas tinha aquele pressentimento de que talvez poderia se tornar coletivo. Estávamos terminando o gabinete do prefeito, e como eu tinha uma equipe alucinada em trabalho, ficaria tudo pronto até o começo do próximo projeto. Eu não tinha nenhuma informação sobre o projeto que Frederick seria incluído antes dele falecer, mas eu pretendia mudar esse fato até os próximos segundos. Peguei um copo de água no bebedouro elétrico suspenso na parede ao lado da estante de livros. — E sobre o próximo projeto? — Simon Cardigan. — Ele disse rápido e se não fosse pela minha boa percepção, eu não teria entendido. Eu já sabia que o projeto era do novo prédio comercial da maior rede de Whisky americana, mas o fato de Ben pronunciar novamente o nome de Cardigan depois de me contar quem seria a arquiteta substituta me fez sentir borbulhas de azia no estômago. Um estalo passou na minha cabeça. — Espera…— Dei um gole tão grande que doeu a goela — Alex Wester é a…Alexandra esposa do Simon Cardigan? — A própria. — Não tinha outra arquiteta? — Gerry, ela é a melhor opção que nós temos. Eu suspirei, pensando, encarando aquele tapete que mais parecia uma armadilha. — Ben, não me leve a m*l, mas eu não quero nenhuma ex-esposa furiosa na minha obra, querendo boicotar uma construção por causa do ex-marido que se separou dela pra ficar com uma menina com a metade da idade dela. Ed riu feito um p****e. — Alex não é esse tipo de mulher. Confie em mim. Além do mais, como sabia sobre a amante do marido? Eu dei uma risadinha tão p****e quanto a dele. — Eu também leio revistas de fofoca. — É claro que lê. — Ele repetiu — Mas fique tranquilo, que no momento em que Alex me devolver o projeto, eu entrego a você. — Ela sabe que o projeto é do ex-marido? — Com certeza não. Eu prefiro acreditar que ela só vai ficar com raiva. — Eu tô começando a acreditar que se ela souber, vai construir um prédio que vai cair na cabeça do cara. — Porque acha isso? — Porque é o que eu faria! — Respondi, depositando o copo de plástico no lixo. — Eu preciso que assine esses documentos do processo de liberação de alvará pro projeto de Cardigan. Vou deixar os documentos prontos. — O certo não é ser feito com a planta do projeto? Ele sorriu. — Vamos dizer que o prefeito ajuda com algumas etapas, mas ainda sim o projeto vai passar por análise depois que Alex entregar, mas consigo as liberações burocráticas da Valentines adiantadas. — É por isso que eu sou seu fã — Ele ficou rosa. Me aproximei para assinar os papéis e ao entregar a caneta elegante para Benjamin notei seu pescoço arranhado, e parecia ser algo recente. Se meu relacionamento com ele não fosse tão informal, eu teria ficado quieto — A noite foi boa? Ele pigarreou. — O que? — No seu pescoço. — Ben apoiou as duas mãos na mesa com a face frustrada. E pelo que já presenciei eu sabia o que era. — Soraya? — É…— Ele não se sentia confortável em falar. Não devia esclarecer, mas como um bom amigo se sentiu no dever de me contar o que havia acontecido, mesmo que eu já estivesse presumindo. — Tive uma reunião com o prefeito e cheguei em casa com certo teor alcoólico no sangue, mas nada que me fizesse tropeçar nos próprios pés, foi algo social, e…acho que Soraya não gostou. — Olha Ben, eu sou só seu amigo e funcionário, mas acho que esse…casamento, já deu o que tinha que dar. — Eles já haviam chegado em um ponto que nem mesmo o conselheiro amoroso conseguiria ajudar, que talvez a única saída daquela situação fosse a saída de Edward daquele casamento. Nunca confiei em Soraya. Não depois que ela passou a frequentar a empresa e muitas das vezes trata-lo m*l na frente dos funcionários. — É complicado Gerry, não é só…divorciar. São 7 anos juntos, entende? — Número do azar! — Sibilei. Aquele assunto me trazia mais estresse do que contar as contas no fim do mês. — Eu te arrumo uma gatinha em dois tempos. — Você também anda seguindo aquele conselheiro amoroso? Eu juro que senti o pigarro na garganta sair pelo meu nariz. — Não, claro que não. Não preciso disso. Claro que não preciso, porque eu sou ele. — Sei, Gerry! — Até mais, Ben. (...) No banheiro, de frente ao espelho, notei que meu rosto já estava ficando coberto de pelos escuros, mesmo que eu tenha deixado um pouco a mais acima dos lábios, formando um bigode cheio. Rose estava parada ao meu lado, com um sorriso atencioso. — Você não tinha tantos pelos na cara a alguns anos atrás. — Ela coçou seus cabelos brancos, enquanto debruçava seu queixo sobre a mão suspensa no cabo da vassoura. — É, eu to ficando meio velho, sabe! — Acho que eu sei. — Ela foi até os últimos banheiros abastecendo todos os rolos de papel higiênicos. — O marido da Sheila descobriu que ela tem um amante aqui no prédio. Puta merda. Sheila era a gestora do RH do sexto andar que tinha a tatuagem de uma flor no joelho, seu marido era bem mais novo e trabalhava como advogado no décimo oitavo andar, e seu amante trabalhava como vigia no primeiro andar. Sheila provavelmente não sabia, mas Rose sabia de sua vida inteirinha, desde as férias na Virgínia do norte, onde ela contraiu COVID e sua mãe de criação lhe deu chá preto sem saber que ela agora era alérgica a Camellia Sinensis. Sheila não sabia também, que Rose me passava todas as informações com a emoção digna de uma novela mexicana, e eu adorava. Eu juro. Costumava ficar quietinho enquanto Rose me falava da vida de metade do prédio, pelo simples fato de entrar nos banheiros a tempo de ouvir uma ligação cheia de desgraça ou uma conversa cheia de astúcia. — Cassete, Rose, como você não me contou isso? — Passei a mão na barba doido pra saber mais, e a senhora com meio metro de altura parecia um smurf de pele clara e um bico inchado sob seu maxilar. — Você não veio na quarta, aliás, não sei se você é digno de saber do restante. — Ela murmurou e eu precisava apelar. A história da Sheila era uma das melhores histórias que a Rose já tinha ouvido naquele prédio. Cara, se a Rose tivesse contado pra uma escritora, dava pra transformar em livro facinho, eu juro. Tranquei a porta. — Rose, eu limpo esse banheiro com você em 3 minutos. — Ela ainda tinha o bico estampado e bem avantajado, com sua mão na cintura e dedos cheio de esmalte verde. Que raio de estilo era aquele? aposto que entre o batman e o lanterna verde, ela escolheria o lanterna verde. —...tabom, eu limpo pra você. E então o sorriso voltou a aparecer. Eu comecei a retirar as sacolas de lixo e jogar dentro da caçamba portátil que tinha no canto do banheiro. Para saber o desfecho do chifre na cabeça do marido da Sheila, eu ia deixar o banheiro tão limpo que ia cegar todo mundo que ousasse entrar aqui, com o brilho daqueles azulejos brancos. Eu me olhei no espelho, o óculos sambava no osso do meu nariz, eu estava com o terno novo e alinhado, com uma luva de látex nos dedos, e uma sacola de lixo nas mãos. É isso que eu chamo de fetiche: fazer qualquer coisa pra saber o fim das fofocas alheias. Eu tinha o site do conselheiro amoroso, mas lá só tinham histórias felizes, e eu? ah, eu gostava de um drama e uma tragédia que nenhum dos meus web-amigos me contariam, mas Rose sim, com um adicional de emoção digna de novela que só ia faltar tocar a******a da Maria do bairro de fundo. Rose sentou na tampa do vaso, com suas pernas cruzadas depois de abrir a janela, retirou do bolso enorme de seu uniforme de trabalho, duas agulhas de crochê e um pacotão de linhas azuis e começou a movimentar seus dedos fabricando algo. — Rose, eu não tô te ouvindo ainda! Ela deu uma risadinha. — Eu tinha esquecido. — Ela disse — Sabe semana passando eu te disse que o marido dela ficou seguindo ela pelo prédio, então…eu acho que ele já estava desconfiado sabe — Ela deu uma longa pausa — Mas daí o amante de Sheila encontrava ela no banheiro do primeiro andar, e tu acha que o corno não foi lá caçar a mulher dele? pois foi, porque justamente na hora do almoço que ela desceu, ele quis levar a esposa pra almoçar, mas uma alma inocente contou a ele que ela havia ido para o banheiro do primeiro andar. Ela deu uma pausa, e eu parei de passar o pano sobre a pia. — E então? — E daí que ela foi se encontrar com o amante no banheiro dos homens, o marido dela entrou e viu ela lá, conversando com ele, prestes a tacar um beijão no vigia, mas quando ouviu a porta se abrindo, ela se afastou e deu a desculpa que errou o banheiro feminino. Impossível. Benjamin foi bem claro ao por duas placas no alto da porta de cada banheiro que mais parecia um outdoor comercial na beira de uma avenida, a diferença era que ele não ganhava dinheiro com as placas que denominavam gênero. — É impossível ele acreditar. — me expressei. — Gerry querido, quando dizem que o amor é cego, não estão mentindo. — Mas no caso do marido da Sheila, ele não é cego, ele é um…um…tapado. Estava na cara dele! — Desacreditado eu tirei as luvas das mãos. — Eu tinha que estar lá, você ia ver, Rose! — E o que você ia falar pro pobre rapaz, hein Gerard? — Oi amigo, tudo bem? A gente não se conhece mais, você está quase perdendo sua mulher pro porteiro do prédio. — Tem certas coisas que é melhor a gente não se meter, Gerry. — Rose se apoiou na porta do banheiro com a boca larga em um sorriso pequeno, seus olhos estavam ocupados com a linha de tricô que dava voltas para alimentar o que quer que ela fizesse ali. — Vocês mulheres são terríveis, ainda mais quando são mais velhas. — Abri a torneira, lavando meus dedos com sabão. — Não generalize, nem toda mulher mais velha é tão malandra quanto você acha. — A maioria é! — Isso é um coração partido? — Rose se interessou ainda mais. — Até que não, mas vamos dizer que eu tenho um bom contato com a parte dos homens que gostam de mulheres mais novas e…elas com certeza se acham as mais espertas, experientes e melhores. — Ah…uma mulher experiente sem dúvida quase sempre é mais madura e com isso mais responsável. Você não acha? — Prefiro mulheres novas. — Eu dei um sorriso de olhos cerrados. — Nunca diga nunca, Gerry! Quando a gente n**a com tanta vontade, a vida costuma derrubar a gente do cavalo. Encostei minhas costas na parede com os olhos presos no tecido que ela tricotava. — E porque você fala com tanta segurança? — Porque eu tenho três filhas mulheres, uma mais nova e duas mais velhas.. — E porque nunca me contou, Rose? — Não sei…acho que essa informação nunca se encaixou no nosso contexto de conversas. — E porque se encaixaria agora? — Porque das minhas duas filhas mais velhas, uma se casou com um homem mais novo e passou o pão que o d***o amassou, mesmo sendo uma boa esposa, seu marido não foi uma boa escolha, e eu alertei antes de aceitá-lo perante uma igreja. — Rose suspirou — E a segunda também se casou com um homem mais novo e adivinha? Se eu fosse tão bom nisso eu talvez poderia jogar na mega-sena, mas como não sou, não me atreveria nem mesmo a adivinhar algo tão banal. — Ele também não foi um bom marido? Ela balançou a cabeça negativamente. — Ela não foi uma boa esposa. Concordei com a cabeça de volta. — Viu, eu te falei. — É justamente o que eu estou te falando. Não generalize! Criei as duas da mesma forma e as duas seguiram caminhos diferentes. Nem todas têm a mesma cabeça. — Ela me avaliou dos pés a cabeça como se fosse uma inspetora de homens. — Além do mais, acho que você prefere meninas mais novas pelo simples fato de que domar uma mulher mais velha já é algo difícil para um homem experiente, imagine para vocês, meninos novos. — Rose, você ainda me mata de rir. Eu tenho minhas experiências, não me desmereça. — Você é um menino dentro de um corpo grande, Gerard. — Isso é um elogio ou uma crítica? Ela riu. — Acho que é um elogio. Você é um bom homem, e isso já é algo muito bom. Ela se virou de costas, inspecionando os cantos úmidos do banheiro. — Você acha? — Eu até te apresentaria minha filha… Um pigarro subiu pela minha garganta. — Não gosto de mulheres mais velhas, Rose. Sinto muito! — Eu me esqueci. — Ela riu novamente. Botou seus dedos de pele envelhecida sobre a cintura, olhando em volta, com aquele olhar de orgulho e felicidade. — Acho que vou me empenhar em checar a vida dos funcionários desse prédio, o banheiro ficou impecável. — Obrigado? — Sugeri. — Então acho que você me deve um também, te contei sobre Sheila. — É, você tem razão. — Ia abrir a boca, mas a porta do banheiro foi aberta e por ela passou Edward Winford, o homem que eu acho que é um menino, loiro, magro, com a mesma altura que eu e um ego tão grande que talvez fure o teto do banheiro.
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