Capítulo II

1857 Words
Eu já não devia me sentir tão afetada assim por ele, mas aqui estou na entrada de casa, trancada no carro chorando e socando o volante. — Vamos lá Emily! Você tem que tomar as rédeas disso. — gritei comigo mesma e saí do carro decidida a esquecer tudo aquilo, a tentar com mais afinco tirar meu pai dessa cidade. Peguei rapidamente as sacolas no porta-malas, antes que algum dos vizinhos viesse me abordar. — Então foi você quem me tirou do chão! — a voz do meu pai chamou minha atenção assim que fechei a porta da frente. — O que está fazendo aqui? — Eu vim lhe visitar, nós precisamos conversar. — comecei apreensiva. — Não venha com essa, tenho certeza que Janice já abriu aquela boca grande! — ele resmungou, sem me olhar diretamente nenhuma vez. Mas eu não podia culpá-lo quando fazia o mesmo. — Eu só vou conversar com você depois que tomar um banho e comer alguma coisa. — Ergui as sacolas mostrando para ele. — Comida de verdade, não coisas congeladas. — Não preciso disso, pode voltar para sua vidinha na cidade e me deixar aqui sozinho! — ele gritou para minhas costas, enquanto eu caminhava para a cozinha. Isso não ia ser fácil, ele com certeza me odiava por não ter voltado para casa todos esses anos. A última vez que nos vimos direito foi no final do ano na casa de Fernando, pois eu nunca consegui voltar aqui, até mesmo quando mamãe partiu fiquei só até o fim do enterro. A porta do quarto bateu me fazendo inspirar fundo, eu precisaria ser paciente com ele. Como eu queria que fosse o Fe aqui no meu lugar, ele saberia muito bem como lidar com tudo isso. Ele era o filho perfeito, que ficou ao lado dele todo esse tempo, já eu me tranquei em minha bolha, me afoguei em trabalho e em desculpas e mais desculpas. Comecei a preparar o jantar pensando no que faria para ele sair daquele quarto, quando um barulho de um carro na entrada chamou minha atenção. A notícia de que eu havia chegado à cidade já deveria ter se espalhado, mas eu esperava que não fosse ninguém indesejado, o que resumia a maioria da população. — Emily? Você está aí querida? — a voz doce de Janice encheu a sala, me fazendo respirar aliviada. — Aqui. — Eu corri até ela me jogando em seus braços. Janice era como uma mãe para todos nós, essa senhora rechonchuda e alta ajudava minha mãe bem antes de eu nascer, e eu sabia que tudo que ela fazia era por mamãe. — Oh filha, olhe só pra você. — ela disse, me empurrando e me analisando de cima a baixo. — Está incrível, uma mulher de verdade. — Obrigada. Como as coisas estão indo por aqui? Estou vendo que a cidade continua a mesma. — Claro que não querida, tanta coisa mudou que você nem reconheceria mais. — Aquilo era impossível. — Que cheiro é esse? Cozinhando? — ela comentou, já abrindo as panelas e inspecionando-as. — Não esqueça da pressão alta dele, nada de muito sal. — Ah Nice, já vai ser um milagre se eu conseguir fazê-lo comer alguma coisa. — resmunguei. — Ele m*l me olhou e já me mandou ir embora. — Você vai conseguir, menina. — ela me encorajou dando tapinhas no meu rosto. — Ele só está chateado, isso vai passar rapidinho. Agora me conta como as coisas estão indo no trabalho? Conversamos por horas, apesar de Janice fazer parte do passado que eu queria esquecer, ela também fazia parte do meu presente, todos esses anos ela acompanhou nossa família e sabia de tudo o que passamos. Quando ela foi embora tive que voltar a realidade, era meu momento de encarar a fera. — Pai? — Bati na porta duas vezes e ele não respondeu. — Pai, o jantar está na mesa — falei, já entrando e o encontrei sentado na cama, encarando o chão com uma garrafa na mão. — Vamos comer? — Ele se ergueu, quase caindo novamente na cama, mas conseguiu se equilibrar e me encarou com os olhos vazios. Meu pai, meu grande pai tinha se tornado um homem quebrado que bebia todos os dias até cair. O amor era uma droga! Ele passou por mim antes mesmo que pudesse ajudar e caminhou cambaleando até a cozinha, em nenhum momento soltou a garrafa com o líquido escuro. Eu tinha que tirá-lo da cidade, isso não podia continuar ou ele ia acabar se matando. Quando ele finalmente conseguiu se sentar na banqueta da cozinha eu esperei que se servisse, mas me arrependi logo em seguida, quando ele tentou alcançar a salada e perdeu o pouco equilíbrio que lhe restava e caiu do banco. — Pai! — gritei, correndo para ajudá-lo. — Você está bem? Meu Deus, devíamos ir ao hospital. — Ele puxou seus braços para longe do meu toque e começou a se afastar tentando se levantar. — Não finja que se importa! — rugiu, me assustando. — Você não estava aqui quando ela ficou doente! Você não ficou do seu lado! — enquanto gritava, pegou a travessa de arroz e atirou do outro lado da cozinha, e continuou. — Não preciso de você agora! Você não estava aqui! — ele continuou gritando e atirando todos os pratos, talheres e comidas nas paredes. Eu chorei, solucei enquanto assistia seu ataque de fúria sem poder fazer nada. Meu pai precisava de ajuda e eu não podia ajudar, assim como não ajudei minha mãe. Ele tinha razão, em tudo o que gritou e falou. Assim que ele parou de atirar os pratos saiu para se trancar no quarto novamente, então me restou juntar cada caco de vidro e limpar toda a bagunça. Minha incerteza sobre chamar ou não Fernando, só aumentava a cada minuto. Como eu poderia ajudar uma pessoa que me odiava? Que me desprezava com toda razão? Tomei um longo banho na esperança que a água quente me ajudasse a não pensar em como o dia tinha sido uma bela e grande merda, ou que no mínimo me desse algum conforto. Mas o banho não funcionou, encararei as paredes do quarto de hóspedes, que eram do mesmo tom pastel de quando eu fui embora, por um longo tempo. Ao menos não era o meu quarto cheio de lembranças e fotos. Me joguei nos lençóis frios ainda de toalha e fechei meus olhos com força para que nenhuma lembrança do passado me assombrasse durante a noite, mas os sonhos me caçaram a madrugada inteira. ANOS ATRÁS — Então quer dizer que você e o senhor badboy são amigos agora? — Bete, gritou assim que me viu na segunda. Nem um boa tarde ganhei. — Amigos não, ele só me levou até em casa. Não aconteceu nada. N.A.D.A — soletrei. — Ele me levou até em casa e foi embora. — Deus Emily! Porque não o agarrou e deu um beijão? Eu teria feito. — Não duvido que ela faria, mas eu nunca conseguiria ser como ela. — Quantas garotas você acha que ele leva em casa? Fala sério, Emily! — Eu nunca o agarraria, pelo amor de Deus. No mínimo ele me acharia maluca, isso sim. Na verdade, ele disse que sou como a irmã dele. — resmunguei, lembrando das palavras que ele me disse na noite passada. — Qualquer esperança foi por água abaixo. — Essa era a deixa perfeita, você só tinha que dizer: Sua irmã não faria isso e bam! Beijava ele. — Revirei meus olhos para as baboseiras que Bete falava, ela realmente fazia esse tipo de coisa. — É isso! — gritou. — Você tem que se aproximar da Bianca e então vai ficar mais perto dele! Claro que o plano "mirabolante" de Bete não ia dar certo, mas o que eu tinha a perder a final? E não perdi mesmo. Ganhei uma amiga maravilhosa, mesmo que no começo eu tenha me aproximado dela por Marcos, as coisas mudaram. Depois de tantas vezes que ele fingia não me ver, ou me tratando como criança eu cansei, ele era lindo, mas não era para mim. Aquela paixonite era totalmente unilateral e não ia mudar nunca, Marcos gostava de garotas mais velhas! — Bom dia, Emy. Por aqui tão cedo novamente. — Marcos me cumprimentou, entrando na cozinha naquela manhã. Estávamos no verão e não tinha como não babar na visão dele com aquela regata branca colada ao seu corpo e a samba canção logo de manhã, mas não era recíproco, porque apesar de minha regata ser igualmente colada e meus shorts jeans serem pequenos, ele não me olhou, nem por um segundo. — Bi e eu vamos sair. — falei, tentando não parecer patética babando por ele ali na sua cozinha. Tudo o que recebi foi uma sobrancelha erguida, ele estava sendo super protetor novamente. — Nós vamos até o lago, todo mundo vai estar lá. — Eu não vou estar lá. — comentou, pegando sua xícara de café. Infelizmente ele tinha que trabalhar na oficina enquanto todos curtiam o verão, mas ele curtia as noites de verão fora da cidade, disso todos sabiam. — Não é como se você não estivesse aproveitando também. — soltei sem notar, e mesmo que com a voz baixa ele escutou. — Como é? Vocês agora ficam fofocando da minha vida? — questionou, com o sorriso presunçoso crescendo no rosto. Era só o que me faltava ele ficar achando que era o centro das atenções. — Não é fofoca quando a pessoa faz questão de exibir as idosas com quem anda! — murmurei irritada, exagerando totalmente, já que as garotas eram poucos anos mais velhas que ele. — Como elas conseguem afinal? Você é o que, o bichinho de estimação delas? — Brincar de pet não é bem o que fazemos, mas se elas quiserem eu com certeza vou topar! — ele exclamou gargalhando. — Me poupe Marcos! — Lá se tinha ido minha tentativa de parecer contida e não uma maluca com ciúmes. — Anda Emy, vamos embora. Até depois i****a. — Bianca surgiu do quarto às pressas me puxando para fora, mais uma vez ela me ajudava antes que fizéssemos uma cena e eu acabasse entregando tudo. — Seu irmão me irrita! Ele consegue tirar toda a paciência que eu tenho em segundos! — grasnei, enquanto descíamos a rua até o centro da cidade, onde íamos nos encontrar com o resto do grupo. — Olha só, eu sei que você só veio falar comigo por causa do Marcos, mas ele não dá a menor bola pra você e não quero que isso atrapalhe a gente. Os homens são idiotas e não quero perder as únicas amigas que eu tenho por causa dele. — Bi me confidenciou, colocando em evidência meus sentimentos por ele. — Pode ter certeza que nada do que seu irmão faça vai acabar com a nossa amizade. Juro. — prometi, cruzando os dedos em frente aos lábios. Nós havíamos nos tornados inseparáveis, Bi, Bete e eu. Nada nesse mundo iria separar nós três!
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