Capítulo III

2364 Words
Acordei sem a menor vontade de me levantar, era quase impossível continuar dormindo nessa cidade por muito tempo depois do nascer do sol, pois os pássaros acordam qualquer um, mesmo assim me mantive na cama por mais uma hora depois que acordei. A porta do quarto do meu pai ainda estava fechada, e eu ia dar a ele o tempo necessário até que estivesse pronto para finalmente conversarmos. Então encarei a cozinha: "Você não estava aqui!" as palavras dele rodavam em minha cabeça e voltavam para me acertar como um tapa na cara. "Não finja que se importa!". Era mais difícil encarar a verdade de frente do que eu pensei, mas antes que eu me entregasse aos meus pensamentos a campainha tocou. Janice não iria bater, ela tinha a chave e havia me prometido não contar a ninguém que eu estava aqui. Então quem diabos poderia ser? Fiquei parada na porta esperando que batessem de novo e bateram, mais forte dessa vez. — Emily Carvalho, eu sei que você está aí dentro e não vou embora sem dar uma boa olhada nessa sua cara! — a voz de Bianca encheu meus ouvidos. Abri rapidamente a porta e a vi. Seus cabelos castanhos e os belos olhos azuis dos Almeida, eu quis desabar no mesmo instante, mas ela me conhecia muito bem, pois me puxou para seus braços antes que eu me debulhasse em lágrimas na sua frente. — Eu preciso sair daqui! — murmurei, ainda grudada em seu pescoço e não precisou mais nada para que ela me arrastasse para fora de casa até sua picape. Ela dirigiu sem me questionar, não falamos nada e eu agradeci, pois precisava do ar limpo batendo no rosto. Demorou mais do que eu me lembrava para chegarmos a uma das lanchonetes da cidade, Rosa fazia um dos melhores bolos e eu queria muito comer algo desde ontem à noite. A ideia de encarar a todos ainda me aterrorizava, mas de certa forma a presença de Bianca ao meu lado me dava forças. — Ok, vamos lá pro fundo querida. — ela disse, abrindo a porta e depois me empurrando até uma das mesas escondidas. — Você precisa comer e muito. — Meu sorriso forçado saiu antes mesmo que ela deixasse a mesa e fosse fazer o pedido. — E então mocinha quando chegou a cidade? — Ontem. — murmurei, e mantive minha cabeça baixa para fugir dos olhares. — E me arrependi no mesmo instante que coloquei os pés em casa. — Tão rápido assim? Soube que seu pai está com problemas, mas não imaginei que estivesse assim. — Eu sabia que ela estava sendo sincera, era uma das poucas pessoas que eu ainda podia manter minha fé sem me decepcionar. — Eu quero levá-lo embora, ficar naquela casa não está fazendo nenhum bem a ele. — Nem para você. — ela soltou antes mesmo que pudesse se controlar. — Era isso que você não queria me contar semana passada? Porque já deveria saber que nessa cidade nada fica guardado por muito tempo. — As coisas não estão saindo como eu planejei, já era para eu ter dado o fora daqui ontem. Quem foi que te contou que eu estava aqui? — Mesmo eu já tendo minhas suspeitas eu precisava saber. — Marcos. — falou, e rapidamente encheu a boca com pão para fugir do clima. Era isso então, ele tinha ido atrás de Bi para falar que eu estava de volta. — Ele queria saber o que você está fazendo na cidade, na verdade todo mundo quer. — Antes que conseguisse responder as panquecas foram colocadas na nossa frente. — Então é verdade que está de volta a cidade. — a garçonete, que reconheci como Sara, uma colega de turma do meu irmão, falou. Ela tinha um olho roxo e eu quis perguntar o que tinha acontecido e se ela estava bem, mas me contive, velhos hábitos de cidade pequena sempre acabam voltando. — Vai ficar por muito tempo? — Espero que não. — murmurei, para que apenas elas duas ouvissem, mas todos estavam com os olhos em nós. Ela se limitou a acenar com a cabeça e sair. — O que aconteceu com ela? Sara era uma das garotas mais lindas da cidade, longos cabelos loiros, olhos claros, mas o que mais chamava a atenção era o quanto ela podia ser doce e amigável. — Longa história, mas sabe o David? O marido? Se mostrou um verdadeiro cretino nesses anos. — Estava chocada, eles eram sem dúvidas o casal perfeito da cidade, mas pelo jeito eu não era a única com problemas grandes por aqui. — O garoto dela é um amor e com certeza vai ser um profissional do futebol, você precisa ver. Falando em ver, vamos até o clube hoje à noite, você precisa conhecer o Joshua antes que ele vá embora. — Não sabia que ele estava de folga, então mocinha o que está fazendo aqui? Deveria estar com seu namorado. — Ele pode estar no exército e morar em outro país, mas com certeza eu o vi mais nesses anos do que vi você. — ela resmungou, com seu dom de fazer uma reprimenda soar doce. — Não adianta, não vai fugir de mim tão fácil. Tomamos café em meio a risadas, as primeiras que eu dava desde que decidi vir para cá. Janice tinha razão quanto a diferença da cidade, mas eram as pessoas que tinham mudado. Cinco anos é tempo suficiente para grandes mudanças. — Obrigada pelo café e a gente se vê por aí, talvez, enquanto eu ainda estiver na cidade. — me despedi, já pulando do carro para evitar que ela me pedisse para sair com a noite. — Por aí nada, passo aqui as sete e não adianta dizer não porque você vai! — ela cuspiu, e já ia saindo com a picape, mas parou e colocou a cabeça para fora de sua janela. — Ei Emy, pega leve com seu pai. Ele só precisa de tempo. Eu ia esperar, o tempo que fosse preciso. Já havia perdido minha mãe, não ia perder ele também. ANOS ATRÁS Tempo... era tudo o que precisava ultimamente. As aulas do cursinho, junto com o começo das aulas e todo estresse de "o que eu vou cursar na faculdade", estavam acabando comigo. Então me desculpem todos, mas eu iria ter um bom momento esse final de semana. Há meses eu não ia a uma festa, mas hoje sim! Com meus pais fora da cidade e Fernando na faculdade tudo ficava mais fácil. — Olha só, eu vou ficar com Maicon essa noite, então o Vitor é todo seu. — Bete gritou, para ser ouvida por cima da música alta. Os meninos tinham ido buscar as bebidas e olhando para Vitor ele não era alguém que me chamava a atenção, mas não era de se jogar fora. Enquanto eu dançava e bebia não pensei em mais nada, só sentia toda a energia da música e me deixei levar bebendo tudo o que me davam. Vitor pegou minha mão e começou a me puxar escada acima, não fazia ideia de para onde estávamos indo, mas Bete ao menos estava junto. A música no segundo andar estava bem mais baixa, só comecei a ter mais noção do que estávamos fazendo ali quando vi vários casais se pegando e com certeza transando nos quartos. Eu não estava indo realmente fazer isso com Vitor, ele poderia ser até gatinho, mas eu ainda estava estupidamente balançada por Marcos. Mesmo tendo passado meses atolada em estudos eu ainda pensava nele. — Ei gatinha, vem aqui. — Vitor disse, já me prendendo entre ele e a parede. — Vitor... não... — Ele já estava enfiando a língua na minha boca antes que eu conseguisse formar uma frase com nexo. Suas mãos pareciam estar em todo lugar enquanto eu tentava empurrá-lo. — Não! — eu gritei, quando arranquei meus lábios dele. — Qual é, você vai gostar gatinha. — ele falou, vindo novamente sobre mim. — Se você encostar mais um dedo nela eu vou ter de arrebentar sua cara. — Soou a voz grossa que eu não tinha ouvido há semanas. Vitor se afastou devagar e com tédio nos olhos, mas ele não seria e******o de brigar com Marcos, então simplesmente se afastou. — Vamos embora, Emily. — Lá estava ele novamente agindo como irmão protetor. — Eu vou esperar pela Bete. — resmunguei, cruzando meus braços. Eu iria fazer uma cena se preciso, ele não ia me deixar com cara de criança que é arrastada pelos adultos das festas. Qual é, eu já tinha dezessete, ele não podia continuar me tratando assim. — Argh, Carlos da conta de tirar a maluca daqui? — ele perguntou para seu amigo. Melhor amigo na verdade, Carlos era o cowboy da cidade. Ele morava em uma fazenda nas redondezas e insistia em se vestir como um cowboy, com aqueles chapéus e calças apertadas, sem falar nas botas. — Agora mesmo. — Carlos, com seus quase dois metros de altura, emburacou no banheiro que Bete tinha entrado e saiu de lá com ela sobre os ombros aos gritos. Quanto tempo eles estavam nos observando para saber onde ela estava? — E então? Vai querer sair daquele jeito ou vêm numa boa? — Ele não estava brincando quanto a me carregar, ele já havia feito isso quando me meti em uma briga no final do ano passado. Passei por ele batendo os pés e corri para fora da casa. Antes que conseguisse correr para longe ele pegou minha mão e me levou até sua velha picape, me irritando ainda mais. Encarei a paisagem enquanto me contorcia de vontade de gritar com ele, se Bianca estivesse aqui ela o convenceria a me deixar ficar até o final da festa, mais que diabos ela tinha que estar viajando justo nesse fim de semana! — Você tem que parar com isso. — comecei, tentando manter minha voz baixa. — Você deveria estar em casa. — ele murmurou, com sua voz de pai aparecendo. — O que acha que seus pais estariam pensando se soubessem o que estava fazendo? É óbvio que eles não estão na cidade ou você estaria em casa como uma boa menina. — Pro inferno você com essa história de boa menina. Eu não sou como Bianca! — eu já estava gritando, ele conseguia me tirar do sério em dois minutos, no bom ou no m*l sentido. — Nem como Elizabete! — ele gritou de volta. — Realmente não sei como vocês podem ser amigas, ela não te faz bem. — E você? Porque não para de dar uma de bom moço? Sua irmã não está aqui então não precisa manter as aparências! — gritei de volta, ele não iria ofender Bete sem olhar para o próprio umbigo. — De que merda você está falando? — Ele estava irritado, mas no segundo seguinte seu semblante mudou de raiva para constrangido. Foi aí que fiquei confusa por inteiro. — Eu não cuido de você por aparência ou para parecer bom para minha irmã, pelo amor de Deus Emy! — Eu sei o que vai dizer, que me vê como sua irmã e estou cansada disso. Não sou sua irmã Marcos, então supera isso! — Ele respirou fundo tentando manter a calma enquanto parava na entrada da minha casa, mas antes que ele estacionasse eu pulei da picape e corri para a porta. O que eu não esperava era que ele viesse atrás de mim e entrasse comigo em casa. Marcos nunca tinha entrado na minha casa, nem mesmo quando mamãe o chamava para almoçar, ele sempre inventava algum compromisso. — Já estou em casa guarda costas, pode ir. — Se você não se importar eu vou ficar. — Eu estanquei assim que ele terminou a frase. Universo! Que brincadeira é essa agora? Eu não podia continuar com isso, foi o que percebi assim que ele se jogou no sofá ao meu lado e tirou a jaqueta de couro. Ele ficaria todo à vontade enquanto eu estaria lá calculando cada passo, cada coisa que ia falar, para não parecer infantil perto dele. Emily você precisa dar um basta nisso! — Não Marcos! Você não pode ficar aqui! — exclamei, pulando para longe dele. — Eu não aguento mais isso, a gente precisa de espaço. É isso! — Eu parecia uma verdadeira maluca gritando coisas sem sentido e abanando as mãos no ar. Ele se levantou ficando cada vez mais próximo. — Você não escutou nada do que disse? Espaço...— eu sussurrei, até que ele pegou minhas mãos e me puxou. — Eu não consigo ficar longe de você. Por mais que eu queira não consigo. Então não Emy, não posso te dar espaço. A primeira vez que ele ficou tão perto de mim foi quando me beijou na testa, mas hoje não parecia que ia apenas beijar minha testa como sempre fazia. E ele fez, simplesmente grudou seus lábios nos meu, me deixando ali com a cabeça rodando. Isso estava errado de tantas formas e mesmo assim eu queria mais. Assim que ele ergueu a mão para segurar meu rosto eu me segurei em seu tronco, para garantir que ele não fugiria. Seus lábios passeavam macios e firmes sobre os meus, e eu estava mais ferrada do que já estive qualquer dia! — Você não pode fazer isso e... depois fingir que nada aconteceu. — murmurei contra seus lábios. — Nem se eu quisesse. — sussurrou, e voltou a me beijar. Sua língua brincava com a minha, ele sugou meu lábio inferior com os seus e eu gemi contra sua boca. Os beijos foram ficando cada vez mais exigentes e afobados, até que acabamos caindo no sofá. Mas mesmo que ele tivesse fama de badboy eu sabia que podia confiar nele. — Tudo bem para você se continuarmos assim? Ele me encarou com tanta sinceridade nos olhos, e eu poderia até estar errada, mas dava para ver que ele sentia algo por mim. Então eu percebi que estava realmente apaixonada por Marcos Almeida. Acenei que sim com a cabeça e o puxei para mim.
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