Capítulo I

2690 Words
Depois que eu saí dessa cidade, há cinco anos, não esperava voltar. Claro que no começo eu quis voltar, mas a vida tratou de enterrar esses sentimentos dentro de mim. A ideia de voltar nessas circunstâncias só piorava tudo, mas meu pai precisa de mim então eu ia ser forte e encarar. Meu irmão tinha acabado de descobrir que Helen, sua mulher, está grávida e eu não ia estragar a comemoração deles porque papai estava tendo problemas com a bebida de novo. Na verdade, ele já vinha dando trabalho há muito tempo, nós só não tínhamos ideia de que estava pior. Então assim que Janice, me ligou dizendo que ele tinha ido parar no hospital e que a despediu, eu soube que precisava intervir. A essa altura ele já estava em casa e eu torcia para que não estivesse bebendo novamente. Esperei, encarando a casa fechada com as espessas cortinas cobrindo as janelas, enquanto o taxista pegava minhas malas. Ainda era a mesma casa onde eu tinha crescido, mas tinha algo sobre ela agora que estava diferente, não sabia dizer o quê. Passei pelo pequeno gramado, onde às flores não estavam mais lá, pelo menos a grama tinha sido aparada. O ar quente e fétido me recebeu assim que abri a porta da frente, com certeza ele não colocava o lixo para fora há um bom tempo. — Pai? — chamei, deixando as malas na entrada e seguindo para a sala. — Pai! — gritei, quando encontrei seu corpo caído no chão. Corri até ele e me joguei ao seu lado, erguendo seu braço para sentir o pulso. Estava fraco, mas ele estava vivo. O sacudi e não tive nenhuma resposta, uma garrafa em cima do tapete chamou minha atenção, o uísque já estava menos da metade. Sabíamos que a morte de mamãe acabaria com ele, mas nunca imaginei que ele chegaria a esse estado. — Pai — murmurei, acariciando seus cabelos que tinham ficado mais grisalhos desde a última vez que o vi. Minha mãe tinha partido no ano passado, depois de lutar contra um câncer ela finalmente conseguiu descanso, mas eu acredito que se ela soubesse como ele reagiria iria querer lutar mais. Ela fazia tudo por esse homem. Peguei em seus braços e comecei a arrastá-lo, da melhor maneira que consegui, até o quarto no andar de baixo, o quarto que mamãe tinha passado meses lutando contra aquela maldita doença. O empurrei até a cama e o arrumei da melhor forma que consegui. Tudo isso precisava mudar, ele precisava de ajuda. Sai derrotada e comecei a puxar às malas até o meu antigo quarto, mas parei na porta quando abri. Tudo estava igual, minha mãe não tinha mexido em nada, não tinha uma foto ou ursinho faltando. Eu não podia dormir ali! Me virei para o quarto de hóspedes rapidamente e joguei minhas coisas lá. Sabia que seria difícil quando eu chegasse aqui, mas não esperava que mamãe tivesse deixado meu quarto intocado por todo esse tempo. Respirei fundo. Eu necessitava focar, fazer o que tinha vindo fazer e sumir dali. Precisava de algo para comer e então teria que conversar com meu pai, eu esperava que ele aceitasse facilmente se mudar comigo, assim eu poderia ficar de olho nele. Para minha surpresa os armários estavam vazios e nas prateleiras da despensa não havia nada melhor do que feijões e algum tipo de cereal que já deveria ter estragado. Por Deus, eu pensei que no mínimo ele estivesse se alimentando! Bati com força as portas e sai suspirando frustrada. A cidade tinha alguns mercados pequenos, mas apenas um supermercado e ir aos menores iria ativar a rádio fofoca da cidade mais rápido do que eu queria, pelo menos no maior deles eu poderia me misturar. Então eu só tinha uma opção. Na garagem achei a velha picape estacionada, tudo naquele lugar me lembraria de coisas que tentei esquecer nesses cinco anos. Depois de estacionar nos fundos caminhei de cabeça baixa pelos corredores com o capuz do moletom por cima da minha cabeça, tentando parecer o mais discreta possível. Claro que as chances das pessoas me encararem por parecer uma maluca vestida assim nesse calor eram enormes, mas ainda assim eu poderia evitar ser reconhecida. — Você pode pegar pra mim? — Uma voz doce soou do meu lado. — Eu disse que não podia alcançar, mas meu irmão falou que se eu quisesse teria que pegar — a pequena menina falou, apontando para o pacote de biscoitos um pouco acima da altura dos seus bracinhos esticados. Eu lhe entreguei e um sorriso banguela apareceu, me fazendo sorrir também enquanto ela saía saltitando. — Cara você quase me fez esquecer o leite, Carla me mataria. — Ouvi aquela voz que eu conhecia bem de mais e que queria esquecer. Me virei encarando a prateleira à minha frente enquanto ele atravessava correndo o corredor em que eu estava. Carla? Então era isso, ele estava com ela afinal? Não, eu não queria saber disso! Não era da minha conta! Respirei fundo e corri para o primeiro caixa que vi. Tantas pessoas para eu encontrar quando chegasse à cidade e eu tinha que ver justo ele, que bela merda! Ouvi cochichos e senti que todo meu corpo começava a esquentar. Talvez não fosse de mim que estavam falando. Respire Emily, só respire! — Emily? — Escutei um murmuro mais alto e continuei no lugar enquanto embalava minhas compras, assim que joguei as sacolas no carrinho me virei para correr, mas ele estava me encarando a dois caixas de distância com seus amigos. Nossos olhos se encontraram por uma fração de segundos e eu me arrependi de não estar de óculos escuros. Fugi rápido antes que eu fosse mais ridícula do que já tinha sido. — Droga! Droga! — gritei, quando já estava dentro do carro. — Respire, isso acabou. Você é uma adulta agora. — repeti, olhando para mim mesma no espelho do carro. ANOS ATRÁS — Emmy, já deu sua hora — meu irmão falou, já me chutando pra fora da festa. — Qual é Fe? Só mais um pouco — implorei para ele. — Nem mais dez segundos. Arraste sua b***a daqui antes que papai me coloque de castigo por sua causa. — Ok, ok. Só me deixe achar Bete — resmunguei, e corri a procura daquela maluca, que só podia estar pendurada com Brian. — Aí está você. — A encontrei na varanda, depois de ter rodado por toda a casa a sua procura. — Tenho que ir agora, você vem? — Sem chance. Daqui vamos para casa do Tom. — Você perdeu a cabeça. Pare de dar ouvidos a tudo o que Brian fala. — reclamei. Ela sempre ficava imersa no mundinho dos caras com quem estava saindo. — Gata ele está comendo na minha mão, não o contrário. — ela cochichou em meu ouvido, enquanto acenava para ele. — Olhe só, Bianca também está indo embora. Talvez vocês pudessem ir juntas? — gritou, para que a outra garota ouvisse, não me deixando escolha a não ser segui-la. Bianca era dois anos mais nova que nós, por isso não nos falávamos muito, mas nos conhecíamos há muito tempo, afinal quem não se conhecia nessa cidade minúscula. — Oi Emily. — ela murmurou doce e tímida como sempre. — Como você está indo? Soube que sua mãe aceitou um emprego fora da cidade. — murmurei, não querendo ser invasiva, mas detestando que não houvesse muito o que falar além das últimas fofocas. — Bem, ela se mudou no sábado passado. — Todos na cidade sabiam que a mãe dela na verdade estava fugindo do marido, ela finalmente tinha cansado de apanhar daquele velho bêbado. — Entendo. — Comecei, sem saber ao certo o que falar, mas meus pensamentos foram interrompidos por Marcos. — Te mandei esperar no portão pirralha. — Marcos Almeida era dois anos mais velho do que eu, assim como meu irmão, ele já havia terminado a escola, mas não deixou a cidade para estudar como todos faziam, ele só trabalhava na oficina do senhor Silva. O fato é que ele sempre foi um gato cobiçado por todas as meninas daqui, mas claro que ele não dava à mínima. Marcos só saía com garotas mais velhas que ele. — Como você está vendo já tenho companhia, então não precisa me escoltar até em casa. — ela falou, e ele me olhou de verdade pela primeira vez. — Emily Carvalho? Seu irmão sabe que você saiu sozinha? — Na verdade foi ele quem me colocou pra fora. — reclamei. Fernando não é do tipo irmão r**m, nós nos protegemos, mas aqui é uma das cidades mais pacatas do interior, ou seja, perigo quase nenhum. Marcos estreitou os olhos verdes para mim e eu quase tive um troço. — Então eu deixo você primeiro em casa. — falou, passando um braço ao redor da irmã. — E depois você. — disse, e fez o mesmo comigo. O cheiro de sua colônia invadiu meu espaço e eu sabia que estava totalmente ferrada. Minhas bochechas esquentaram no mesmo instante. Qual é universo, porque brincar comigo assim! Ele é Marcos Almeida, rosto de anjo e atitude de d***o, era uma combinação nada justa. Como era de se esperar Marcos parecia alheio a minha presença, apenas eu e Bianca conversávamos, fomos o caminho todo falando sobre a festa e quem estava com quem, quem tinha caído bêbado ou vomitado. Pela manhã toda a cidade já estaria sabendo dos acontecimentos, mais um presente de se morar em uma cidade pequena. — Ok maninha, eu volto tarde hoje, então vê se vai deitar logo. — ele disse, beijando o topo da sua cabeça, ela me deu um aceno e correu escada acima para casa. A casa deles ficava do outro lado da cidade, cerca de vinte minutos andando rápido até a minha casa. — Sabe, você não precisa realmente me levar, eu posso ir sozinha. — Seu irmão não devia deixar você andando por aí sozinha, mas eu entendo o mundinho de vocês é bem diferente da realidade. — Ele se referia ao dinheiro que tínhamos. — Então eu vou deixá-la em casa assim como minha irmã. Vocês têm a mesma idade, não é? — Não! — eu praticamente gritei. — Sou dois anos mais velha que ela. — Ele ergueu uma sobrancelha achando graça. — E eu nem te conheço direito, então poderia ser perigoso também. — falei, cruzando meus braços e andando mais rápido para fugir de minha vergonha. — Posso até ser perigoso, mas não costumo mexer com crianças, então fiquei tranquila. — ele disse, me alcançando em dois passos. Isso só me deixou mais irritada, minha vontade era de socar a cara dele, então bati os pés mais duro no chão e comecei a marchar para casa, se ele queria me seguir era problema dele, mas eu não daria a mínima atenção. — Ei, pega minha jaqueta. O vento estava apertando e, se eu conhecia bem São Fernando, estaria chovendo em questão de minutos. — Não precisa. Eu só tenho que chegar em casa rápido. — Sabe que vai começar a chover em minutos, não é? Pega de uma vez essa jaqueta Emy. — ele me chamou pelo meu apelido, me pegando de surpresa. Parei no meio da rua olhando para ele, tinha algo nos seus olhos ou eu estava maluca? Estava maluca, só podia estar. — Tudo bem. — falei, me aproximando e deixando que ele colocasse a jaqueta em minha volta. O jeito que ele me olhou me fez querer ficar ali para sempre, parada, encarando-o. Devia ser assim que ele atraía as garotas, porque eu me sentia totalmente atraída por ele naquele momento. Mas o momento todo não durou muito, já que pingos do tamanho de cascalhos começaram a cair do céu. — Droga! Vamos! — ele gritou, pegando a minha mão e começando a correr. Claro o universo não cooperava nunca ao meu favor! Corremos por um longo caminho, eu não fazia muita ideia de onde estávamos indo, já que m*l consegui reparar nas coisas a nossa volta. Marcos corria bem mais rápido do que eu, então me deixei ser puxada por ele até que alcançamos o parque central e ele nos puxou para um dos coretos perto da fonte. — Vamos ficar aqui até que a tempestade diminua. — ele murmurou, enquanto observava as nuvens no céu. As chuvas de verão eram comuns por aqui, não havia nuvem alguma e em minutos o céu se transformava. Já estava quase na hora do toque de recolher que papai me deu, mas eu não estava tão preocupada com isso. Claro que Fernando me mataria se ficasse de castigo por minha causa, mas com ele ali do meu lado eu não conseguia me preocupar com mais nada. Olhei para Marcos que estava dando pequenos pulinhos no lugar, e foi aí que percebi que ele estava apenas com uma blusa xadrez de mangas curtas e ela estava completamente encharcada. Eu, por outro lado estava quente e seca com sua jaqueta em volta do meu corpo. — Você está congelando. — murmurei, chamando sua atenção. — Aqui, melhor colocar ela de volta antes que fique doente. — Tirei a jaqueta e estendi para ele. — Não mesmo, aí vai ser você a ficar doente. — Pelo menos eu estou seca. — Ele cogitou a ideia olhando da jaqueta estendida para mim, então voltou a semicerrar os olhos. — Ok, mas venha pra perto. — falou, pegando a jaqueta e me puxando junto. Assim que começou a tirar a camiseta ensopada eu o encarei com mais atenção. Claro que já tinha visto ele sem camisa por aí, mas não tão perto de mim. Ele colocou a jaqueta e me puxou para o seu abraço. — Assim você também vai ficar quente. Eu estava quente! Estava pegando fogo naquele momento e totalmente paralisada por estar agarrada a seu corpo nu, com a jaqueta nos cobrindo. Não pira Emily, não pira. Já que me encontrava ali o melhor era aproveitar, então me aconcheguei em seu peito, que estava quente em minutos. Enquanto inspirava seu cheiro e ouvia seu coração bater, pedi a Deus para que esse momento durasse para sempre. Era i****a eu sabia, a qualquer momento a chuva iria passar e teríamos que ir embora e eu passaria o resto da noite na minha cama pensando nele e ele na cama, fazendo coisas com outra garota, mas naquele pequeno momento eu pedi isso. — Você tem hora para estar em casa? — ele me perguntou, quando a tempestade começou a aliviar. Eu poderia mentir, mas não o enganaria porque se eu não tivesse horário estaria na festa como todos os outros. Acenei que sim com a cabeça. — Então é melhor irmos andando, não quero que seus pais fiquem preocupados. — Tudo bem. — respondi um tanto sem vontade. Não queria sair dali nem tão cedo, mas infelizmente deixamos nosso pequeno refúgio e começamos a caminhar em silêncio de baixo da fina garoa. Para minha surpresa ele não se soltou de mim, meu braço estava protegido embaixo da jaqueta tocando suas costas quentes e seu braço direito me mantinha presa a ele. Andamos abraçados até minha casa, e eu quis gritar por ter sido tão rápido. — Está entregue. É melhor entrar pra se esquentar. — ele falou, me soltando quando pisei no primeiro degrau. Quando ele esticou os braços para me soltar eu segurei mais forte sua mão, não querendo deixar aquele momento se acabar e o encarei, a coragem me encheu naquele momento, mas só consegui ir até ai. Então como se soubesse o que eu estava pensando ele se aproximou e tocou meu rosto, o segurando bem perto do dele. Fechei meus olhos esperando o beijo, ansiosa para sentir seus lábios tocando os meus, mas tudo o que senti foi sua respiração contra a minha e seus lábios tocando minha testa logo em seguida. Ele os manteve lá por um longo tempo e então saiu em disparada, pelo mesmo caminho que tínhamos feito, nem ao menos olhou para trás.
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