Capítulo IV

2177 Words
Entrei em casa tentando me manter calma, as coisas não iam se resolver do dia para a noite. Papai não ia deixar de me odiar e simplesmente voltar a confiar em mim, eu ia precisar merecer tudo outra vez. Se eu tivesse voltado para a cidade e ficado com minha mãe nada disso estaria acontecendo. Ao menos ela entendeu o porquê eu precisava ficar longe e me perdoou, eu só não entendia porque meu pai não podia fazer o mesmo. A casa estava escura, com as cortinas ainda fechadas, e o cheiro de bebida ainda estava impregnado naquele tapete. — É isso! — falei determinada, eu ia fazer uma bela faxina e deixar a luz entrar naquelas paredes. Isso me manteria ocupada e mostraria para o meu velho que eu não iria desistir, não estava indo embora tão cedo. ANOS ATRÁS Dormir com Marcos era minha nova definição de noite perfeita. Ontem à noite depois de nos embolarmos no sofá por um bom tempo acabei adormecendo sobre ele, dormimos abraçados e foi a melhor sensação, ter seus braços quentes me apertando contra seu corpo, até que o sol raiou em São Fernando nos fazendo voltar para a realidade. Ele conseguia ficar ainda mais lindo de manhã, com os cabelos castanhos bagunçados, os olhos azuis inchados e aquele sorriso sacana no rosto. — Bom dia, Emy. — Sua mão começou a afastar a franja do meu rosto até que ele conseguisse me ver melhor. Ainda não conseguia acreditar que tínhamos ficado, eu tinha esperado por tanto tempo que ele me notasse e finalmente havia acontecido. Ele não estava acostumado com meninas mais novas como eu, mas mesmo assim em nenhum momento ele avançou o sinal comigo na noite passada. — Bom dia. — murmurei baixinho, e acomodei melhor a cabeça em seu peito, dando pequenos beijinhos onde seu coração batia. O coração dele estava disparado, batendo descompassado de mais para quem tinha acabado de acordar, mas era eu quem estava apaixonada por ele, então imagine como meu coração estava pulando ali, tão próximo ao seu peito. Me distrai em pensamentos até sentir algo duro contra minha barriga, foi aí que percebi que havia continuado com os beijos pelo seu peitoral. Engoli em seco enquanto ergui o olhar para encará-lo, ele sorrio ao perceber o quão envergonhada eu fiquei. Meu rosto fervia, com certeza estava parecendo um pimentão. Que grande papelão Emily! — Vamos com calma, ok? — ele murmurou, quando viu que eu estava paralisada sem saber o que fazer. — Desculpa. — Nesse momento eu queria enfiar minha cabeça em um buraco. — Não por isso, gata. Vêm aqui, vêm — falou, e rodou nos mudando de posição. — Eu quero beijar você um pouco mais. — Marcos prendeu seus dentes no meu lábio inferior e eu arfei de surpresa. — Pra dizer a verdade quero muito mais. DIAS ATUAIS Encarei aquele sofá iluminado por minhas lembranças e pela luz do sol, que finalmente atravessavam as janelas. Se eu pudesse me esquecer de todas elas, apagar cada uma daquelas memórias, do mesmo jeito como um simples fechar de cortinas, tudo seria tão diferente. Comecei abrindo as cortinas e janelas, o ar puro precisava entrar naquela sala. Assim que liguei o som percebi que precisaria tirar todo o pó acumulado nos móveis, mas para minha surpresa e estranheza apenas a estante da sala com as fotos de família tinha acumulado pó. Mesmo assim continuei pegando uma flanela e passando por cada prateleira, aquilo realmente era um oceano de lembranças. Cada ano, cada formatura, festa de aniversário, tudo estava registrado ali, as fotos mais recentes eram do casamento de Fe e Helen, uma última vez antes de mamãe piorar de vez. Depois dali tudo em nossa família foi por água abaixo. Peguei baldes de água e panos para limpar aquele chão, assim que terminasse de tirar aquele tapete nojento da sala, claro. Enquanto arrastava o pesado tapete as batidas da música me chamaram a atenção. Não é a mesma música, não podia ser! Yeah, ourfirst date, girl, the seasons changed It got washed away in a sumer rain You can't undo a fall like this 'Cause love don't know what distance is (No nosso primeiro encontro, garota, as estações mudaram Foi feito sobre uma chuva de verão Não se pode desfazer uma paixão como essa Porque o amor não sabe o que é a distância.) A maldita letra, que eu tanto tentei esquecer encheu meus ouvidos e eu paralisei. Aquela música estava sendo tocada em alto e bom som no velho aparelho. I wanna be scared don't wanna know why I wanna feel good, don't have to be right The world makes all kind of rules for love I say you gotta let it do what it does. (Eu quero ficar com medo e não saber porquê Eu quero me sentir bem, não tem que ser certo O mundo faz todo o gênero de regras para o amor E eu digo que temos que deixar acontecer.). Todas as lembranças que tentei a todo custo manter trancadas há sete chaves dentro de mim vieram à tona. Nosso primeiro beijo após a festa, a primeira vez que eu confessei que estava apaixonada, a primeira vez que ele disse o que sentia por mim, todas as nossas conversas na casa do lago... a nossa primeira vez e todas as outras em seguida. Involuntariamente eu chorava e me odiava, por voltar a derramar uma lágrima que fosse por aquele bastardo que acabou com meu coração! Tentei voltar a arrastar o pesado tapete com toda a raiva que estava sentindo e tropecei caindo em cima do sofá. O mesmo sofá onde ficamos pela primeira vez, aquela sala, tudo ali me lembrava ele. A quem eu estava querendo enganar, tudo nessa cidade sempre irá me lembrar daquele infeliz! Me levantei e encarei o sofá. Porque tudo tinha que ser tão difícil? Porque não podíamos ter facilitado nossas vidas parando quando tudo começou? Eu tinha que acabar com isso, Marcos tinha morrido para mim há cinco anos, quando me deixou sozinha! Corri até a cozinha em um ato de desespero e peguei a maior faca que havia sobre a mesa, voltei rapidamente para sala e fiquei de frente o sofá. Não era Marcos, mas eu não quis saber quando apunhalei a faca no tecido. Uma, duas, três vezes. Quanto mais eu rasgava o sofá mais eu me sentia exposta. — ISSO É TUDO CULPA SUA! POR QUÊ? POR QUÊ? — eu gritei, soando incoerente até para os meus ouvidos, e continuei esfaqueando o sofá. Os soluços que vieram só serviram para me deixar com mais raiva, e mesmo sabendo que não tinha nenhum direito de destruir o sofá dos meus pais eu o fiz, fiz como se precisasse disso para ter de volta meu auto controle. Me joguei de joelhos no chão e apoiei minha cabeça nos trapos do sofá enquanto me forçava a parar de chorar. — Ei, ei! — a voz de Bianca se sobrepôs a música, aos meus gritos e ao choro. — Vem aqui. — Não sabia há quanto tempo ela estava ali, mas já estava do meu lado me puxando para seu colo. — Vai ficar tudo bem, shii. — ela murmurou repetidas vezes, e me abraçou com força até que os soluços se acalmassem. Eu realmente tinha saído de mim, não entendi como meu pai não escutou nada, nenhum dos gritos, com certeza ele estava desmaiado no seu quarto, bêbado de mais para acordar com qualquer barulho. — Desculpa, não sei o que deu em mim. — eu comecei falando e me erguendo do chão. Se meu irmão me visse agora teria um verdadeiro ataque como das outras vezes. — Você não tem nada que se desculpar. Não sei o que esse sofá fez pra você, mas ele com certeza mereceu. — ela soltou, me fazendo sorrir. Como sempre, ela sabia como fazer qualquer um se sentir bem. — Obrigada por... me ajudar. — Não por isso. Agora me dê isso aqui. — ordenou, pegando a faca que eu já havia esquecido estar nas minhas mãos. — E vá tomar um banho, você precisa sair dessa casa. — Realmente eu precisava, mas não sabia se algum lugar por perto iria me fazer bem. — Vamos logo mocinha! Relutante subi as escadas e tomei um banho. Confiando que se algo me incomodasse Bi repararia mais rápido que todos e me tiraria de lá. Era realmente desconfortante me pendurar totalmente na minha amiga que eu não via há anos, ela com certeza tinha seus próprios problemas para enfrentar e mesmo assim estava aqui cuidando de mim. Mesmo não sendo justo eu aceitaria qualquer ajuda para me manter sã enquanto eu precisasse ficar em São Fernando. — Você vai amar o que fizeram com o clube. Os novos donos o deixaram realmente com a cara da cidade. — Bi falou empolgada durante todo o trajeto. O clube existia desde que eu me entendia por gente, ficava em uma área perto das fazendas, mas sempre foi tão cheio de frescura que a maioria das pessoas da cidade preferia ir até os bares locais e ouvir uma boa música ao vivo, ou cantar no karaokê com os amigos. O lugar tinha mudado completamente, de paredes chiques e luzes neon por todos os lados, agora havia uma decoração rústica, mesas espalhadas por todo o salão, um palco enorme no canto esquerdo e pequenas luzes iluminando todo o teto, imitando um céu estrelado. — Esse lugar não está meio lotado? — Não havia imaginado que aquelas poucas mudanças tinham atraído tantas pessoas assim. — Eu te disse que isso aqui melhorou pra caramba! — Bi gritou por cima do som da dupla que cantava animadamente música country. — Vem, quero te apresentar alguém. — Ela me arrastou até uma das mesas escondidas pela multidão. Três pessoas já ocupavam, reconheci seu namorado de cara, os olhos castanhos e os cabelos do mesmo jeito, era igualzinho nas fotos. — Emily esse é o Joshua, meu namorado. — É bom finalmente conhecer você. — ele me cumprimentou estendendo a mão, não dava para negar seu porte de soldado e a seriedade. — Ótimo te conhecer também famoso Joshua. Acho bom continuar cuidando muito bem da minha amiga. — falei, me sentando com eles. — E então, quanto tempo você pretende ficar na cidade Emy? — ele perguntou, já abraçando-a. Aquela era a pergunta que todos faziam e a que eu não tinha o que responder. — O mínimo que puder, mas as coisas não estão saindo como planejado, talvez tenham que me aturar por mais um tempo soldado. — falei alto por cima da música, soando mais tranquila com aquilo do que eu realmente estava. — Fico feliz com isso, as pessoas daqui parecem gostar muito de você. Os amigos de Marcos e ele passaram quase a noite toda falando sobre você. — Bi deu um cutucão nele, que se calou no mesmo instante, mesmo sem entender direito o motivo. Saber que aquele i*****l estava falando de mim por aí não era nada confortável, pior ainda que estava ali. Eles provavelmente estavam questionando o porquê de eu ter voltado, mas preferia evitar todo o falatório. — Vem Emy, vamos dançar. — Bianca ordenou já me puxando, mas neguei veemente com a cabeça e deixei que ela arrastasse Joshua no meu lugar. Sabia que eles tinham pouco tempo até que ele fosse chamado de volta ao serviço, nos Estados Unidos. Desde que se conheceram era essa maratona louca para conseguirem namorar, ela aqui e ele lá, mas sempre que não estava de serviço ele voava correndo para os braços da minha amiga, eu é que não ia atrapalhar os poucos momentos dos dois. Observei como eles dançavam abraçados e sorrindo, felizes. Era assim que devia ser, sem complicações, tranquilo e feliz. Esse era totalmente o oposto do que eu tive. Enquanto observava a pista de dança notei que Carla havia se juntado a eles na pista de dança, mas ela não estava com Marcos e sim com Bruno, um dos antigos amigos. Me peguei caçando-o por todo o lugar, ele poderia não ter ciúmes dos amigos, mas com certeza iria querer estar dançando, não perdia uma oportunidade de se exibir. Na parte de cima que cercava o salão o encontrei, com uma camisa xadrez azul olhando a pista. Eu poderia dizer que ele não tinha mudado quase nada, mesmo não tendo reparado bem nele no outro dia no mercado, mas aqueles olhos que me encararam aquele dia permaneciam com o mesmo brilho de sempre. Uma criança chegou correndo e agarrou suas pernas por trás, ele não pareceu surpreso apenas se virou com um sorriso enorme no rosto e agarrou o pequeno menino, que gargalhava enquanto era colocado sobre os ombros e sendo girado em seguida. Aquele garoto deveria ser filho dele, deveria ter cinco anos no máximo. As semelhanças estavam aparentes. Não podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo! Marcos teve um filho e estava vivendo sua vida plena e feliz!
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