Capítulo V

2814 Words
Corri o mais rápido que pude daquele lugar, eu tinha sido estúpida o suficiente para ter ido até ali, isso era bem feito pra mim. Mesmo com a distância consegui ver a semelhança deles, o mesmo tom de cabelo e o rosto redondo de Carla. Filho da mãe! — Emy? — Ouvi os gritos. — Emily! — Virei a tempo de ver que Bete corria pelo estacionamento. — Não acredito que é você sua grande vaca. Onde se meteu e porque não veio me ver? — ela gritava antes mesmo de me alcançar. — Quando você chegou aqui? — consegui falar antes que nossos corpos se chocassem. Depois de Bianca ela era a única com quem ainda tinha contato nessa cidade. — Porque não me contou que tinha voltado? — Você não foi a primeira a me falar da sua vinda para cá também. E voltar pra cidade não é a novidade mais legal pra sair por aí espalhando. — Vai por mim, eu sei. O que fez com seu cabelo? — Encarei as madeixas que antes eram constantemente pintadas de ruivo agora no seu tom natural de loiro. — Vamos sair daqui logo, antes que Bia me veja e decida me levar de volta pra lá! — afirmei, já a arrastando pelo braço, mas seus pés fincaram no chão. — Eu não posso, estou trabalhando aqui. — Eu estanquei no momento que as palavras saíram de sua boca. Desde que tinha se casado com um empresário, amigo de seu pai, ela simplesmente havia sumido da cidade assim como eu. O fato dela estar trabalhando me chocava, ela sempre viveu na boa vida dos pais e depois do marido. — Como assim trabalhando aqui? O que... o que diabos aconteceu que você não me contou? — esbravejei, pronta para sacudi-la por me esconder as coisas. — Preciso voltar pra lá, se quiser vir comigo eu te conto tudo. — ela pediu de forma mansa, o que significava algo nada bom. Encarei as grandes portas que levavam para dentro do salão onde o show estava rolando, eu não queria voltar lá de jeito nenhum, correr o risco de me encontrar com ele novamente me causava calafrios. — Você não precisa ficar no salão, pode ficar na cozinha comigo. — Seus olhos imploravam para que eu fosse. — Por favor. — Tudo bem, mas você vai me contar tudo nos mínimos detalhes e nada de me enrolar. — falei, enquanto me deixava ser levada até a parte de trás do grande galpão. — Você também tem que me contar muita coisa mocinha. Quando ouvi falarem que você estava de volta pensei que fosse apenas brincadeira. — murmurou, pendurada em meu braço e como eu queria que tudo não passasse de uma brincadeira. — Nem eu acreditaria se me dissessem que eu estaria de volta. Mas você? De volta a São Fernando? Que grande merda aconteceu na sua vida para não ter mais nenhuma opção? — Meus pais faliram. — ela soltou a bomba, como sempre rodeios não eram seu estilo. Bete fez uma pausa enquanto entrávamos na cozinha do clube, o que foi ótimo para que eu tentasse entender como isso poderia ter acontecido, eles eram podres de ricos desde que eu me entendia por gente, uma fortuna de herança não terminava assim da noite para o dia. — Mas isso já faz anos, antes mesmo que eu me casasse com Benjamim. — Espera, espera ai! — gritei, chamando a atenção das outras pessoas a nossa volta. Havia pessoas por todo lugar, mais ou menos vinte entre homens e mulheres correndo para todo o lado, com bandejas e bebidas. — Porque não me contou isso na época? — terminei mais baixo a frase. — Porque você estava ocupada com suas merdas, não precisava se preocupar com as minhas. — ela disse rapidamente, enquanto equilibrava mais copos em sua bandeja. — Já volto. — murmurou, e correu através das portas. Era verdade, eu tinha ficado meses sem falar com ninguém enfiada dentro do meu mundo e dos meus problemas em São Paulo, levei muito tempo até voltar a falar com ela. — Bete, desculpa. Eu não fazia ideia, sinto muito mesmo. — pedi repetidamente para ela assim que entrou na cozinha. — Não faz m*l, a merda continua de qualquer forma. Benjamim é um tremendo de um filhinho de papai que não fez nada além de afundar a empresa do próprio pai, agora estou ferrada de verdade. — falou, como se não fosse nada de mais toda aquela história. — Mas e seus pais? E os pais dele? — perguntei, tentando entender como duas famílias tão ricas iam a ruína em cinco anos. — E você? — Meus pais e ele só mentiram sobre a real situação, então eu não tive muito o que fazer. Eles fizeram muitos investimentos de risco e não viam que tudo o que tínhamos estava indo para o ralo. — explicou, enquanto equilibrava mais copos cheios de cerveja na sua bandeja. — Os pais dele morreram quando ele era criança Emy, ele nunca trabalhou nem estudou, por isso é um merdinha metido a alguma coisa. — Você está bem nervosa com ele, isso se nota. Ele pelo menos está trabalhando para te ajudar? — questionei, imaginando que para Bete estar trabalhando, significava que as coisas estavam péssimas e sem alívio. — Eu não sei onde ele está fazendo, só espero que esteja no quinto dos infernos! — ela rosnou, e bateu uma garrafa de cerveja com força na bandeja. — Olha você precisa entender, — começou a se explicar quando viu minha cara de espanto. — Eu me casei com ele justamente porque estávamos falidos, nós precisávamos do dinheiro e ele era o paspalho mais próximo. — Bete soltou uma piscadela e correu novamente para a multidão de pessoas que abarrotavam o salão. Quando sua melhor amiga diz para você desde criança que vai se casar com um homem podre de rico, porque um homem bem sucedido é tudo o que importa, você pode não acreditar nela, mas se Elizabete diz isso, então ela vai fazer. Por mais que eu acreditasse no amor verdadeiro, Bete não acreditava, mas quem podia culpá-la, com pais como os dela era difícil crescer e manter essas pequenas coisas intactas dentro de si. A puxei para um abraço, não sabendo bem quem precisava mais, eu ou ela. Tinha passado poucas e boas, mas agora eu via que não era a única com a vida ferrada em todos os níveis. — Onde vocês estão morando afinal? — perguntei preocupada. — Eu! Eu estou morando! Na casa da minha avó, lembra? Ela deixou para mim, foi a única coisa que me sobrou. Eu estou falida e divorciada de pais e de marido. Pelo menos eu tenho esse trabalho, seria muito pior sem ele. — falou com a firmeza de sempre. O seu jeito de ver a vida era ligada nos duzentos e vinte, “você pode conquistar tudo se correr atrás” era o lema dela. Mas seu olhar mudou no instante seguinte quando me perguntou. — E você? Porque você voltou a cidade? Pensei que tivesse mais pavor daqui do que do próprio capeta. — Meu pai. Mas já queria ter ido embora, as coisas não estão fáceis. — resmunguei, não querendo me lembrar do que tinha que enfrentar em casa. — Sim, senhor Miguel tem dado trabalho há um bom tempo já, sem ofensas. Ainda bem que Marcos o ajuda sempre que pode... Ops. — Bete soltou a bomba pouco antes de correr novamente para fora da cozinha. Eu sabia que ela havia feito de propósito, ela tinha tiradas perfeitas, principalmente quando queria falar algo que o outro não iria querer escutar. Marcos não tinha o direito de se meter na minha vida, muito menos com meu pai quando claramente ele era a razão para eu ter me afastado da cidade. Tudo o que eu queria era apagar ele da minha memória, desejava poder voltar ao maldito dia que deixei que ele me levasse para casa e excluir aquilo completamente. — Eu acho que é melhor eu ir embora. Já está ficando tarde, meu pai deve ter acordado... — Tentei dar uma desculpa quando ela voltou. A verdade era que a noite já tinha dado para mim, parecia que eu estava presa em um filme que a vida da principal sempre podia piorar. — Não, por favor. Eu sei que você não quer saber dele, mas inevitavelmente vocês iam acabar se cruzando quando ele fosse checar seu pai. — ela se justificou. — Não sei o que aconteceu entre vocês dois, você nunca contou a ninguém o porquê de ter saído da cidade daquele jeito e ele também não gosta de tocar no assunto. — Ela tinha razão, mais uma vez nessa noite ela estava me mostrando que eu fui a única a virar as costas para todos os meus amigos e família. — Eu estou aqui, quando precisar conversar sabe onde me encontrar. — Bete me deu um beijo na minha bochecha e me deixou livre novamente, para seguir com minhas vontades de fugir quando tudo ficasse difícil de mais para segurar. E eu fiz, corri para fora enquanto os pensamentos corroíam minha mente e as lembranças me assombravam com tudo o que deixei para trás. ANOS ATRÁS — AI MEU DEUS! — Bete gritou pela milésima vez. — Não acredito que você dormiu com Marcos. — Fala baixo sua maluca. E não, eu não dormi com ele... — Apesar de eu não querer contar tudo isso para ela na escola, a ansiedade foi maior do que minha força de vontade. — No sentido literal da palavra sim, aconteceu. — ela sussurrou, atingindo um tom dramático. — Nós passamos a noite juntos, só isso — sussurrei. Não queria que todos na escola ficassem sabendo, não porque me envergonhasse do que tinha feito, mas sim as porque garotas que ficavam com Marcos ganhavam um "alvo" para garotos. Era incrível como todos os outros caras simplesmente passavam a enxergar a garota depois disso. No fundo eu queria gritar para todos que havíamos passado a noite juntos. — Ele me beijou, me abraçou... foi incrível. — Ok, ok apaixonadinha, vai com calma Emy. Sabe que Marcos não é do tipo que namora, não vá começar a criar esperanças, não quero que você se machuque. Por mais que ele seja gato, não merece que você sofra por ele. Eu já havia me conformado com o fato de que, depois de um dia ele havia esquecido tudo com a mesma facilidade que se troca de roupa. Mas no fundo desejava que não fosse assim. — Então quer dizer que você ficou com meu irmão? — Bianca chegou falando antes mesmo de dar um oi. — Não tente negar, a escola inteira está falando disso. — Eu não vou negar. — comecei hesitante. — Mas não entendo porque está brava desse jeito. — Você prometeu! Prometeu que não ia deixar isso estragar nossa amizade e é o que vai acontecer agora! — ela falou baixo, mesmo que sua voz estivesse trêmula. Essa era Bi, não importava o quão chateada ela estivesse com você, jamais a veriam gritando. — E não fiz, você é minha amiga e não trocaria isso por nada. — jurei, uma das maiores verdades que eu levaria para vida toda. — E além do mais, eu havia perdido as esperanças de que algo acontecesse entre nós há muito tempo, você sabe. Não planejei isso tudo. — Você sabe que amo meu irmão, mas ele é um galinha quando se trata de garotas. — Bi repetiu o seu mantra para mim e para qualquer menina que quisesse se envolver com ele. — E não quero ver você chorando por aí por causa dele, eu teria que odiá-lo e não sei se vou ser boa nisso. Bianca com certeza era a pessoa mais doce do planeta. — Nós teremos que odiá-lo! — Bete enfatizou. — E eu estou bem querendo pegar aquele cowboy amigo dele, então não vamos acabar com isso tudo antes de começar. Ok meninas? — Bete fez seu desejo presente na conversa. — Não vai acontecer. Marcos provavelmente já deve ter esquecido tudo, então todas nós deveríamos fazer o mesmo e o resto da escola também. — me virei para Bete, já com pena do pobre coitado do cowboy. — E você tem que parar com esse jogo com Carlos, ele está caidinho por você. — Quanto mais eu enrolar, mais interessado ele vai ficar. — ela murmurou, enquanto escrevia uma mensagem de texto. — Tortura é o plano dela, e então quando conseguir o que quer ela vai chutá-lo, como faz com todos os outros. — Bi falou como repreensão aquilo que todas nós já sabíamos. — Cuidado Elizabete, um dia desses você vai se apaixonar! — ela avisou. Era uma coisa bem improvável para quem não acredita nesse tipo de sentimento, mas no fundo eu torcia para que um dia alguém chegasse e mudasse à realidade de Bete. — Só quando os porcos voarem! — ela afirmou como sempre fazia e gargalhou fervorosamente. Naquela mesma noite meu celular vibrou com uma mensagem de texto de Marcos, ele queria me encontrar para conversar. Meu coração afundou e acelerou ao mesmo tempo. Ele poderia estar querendo apenas me pedir que esquecesse tudo, ou poderia dizer que queria mais. E foi minha ansiedade em saber o que era, que me fez correr para tomar um banho e trocar de roupa. — Mãe, vou até a casa da Bete! — gritei, enquanto já descia as escadas correndo. — Olhe a hora, amanhã vocês têm aula. — ela murmurou em resposta. Enquanto corria pela rua digitei uma mensagem rápida para Bete, pedindo para ela me encobrir e informei que explicaria mais tarde. Meu corpo se chocou com força contra alguém que me segurou firme, me ajudando a recuperar o equilíbrio. — Está com pressa? — Marcos murmurou, com um sorriso enorme no rosto me fazendo perder o fôlego. Droga, tinha sido pega em minha euforia para encontrá-lo! — Pensei que eu ia até sua casa. — falei baixo, tentando recuperar minha dignidade. — Não mesmo, eu estava indo te buscar. — ele disse, pegando minha mão e me fazendo acompanhá-lo. — Vamos conversar no parque. No parque? Definitivamente ele queria me pedir para esquecer, do contrário me levaria para um lugar mais reservado. Caminhei em silêncio como se estivesse sendo levada para o matadouro, em parte era como sentia, afinal ia matar todos os meus sonhos antes mesmo que pudesse pôr em prática. Depois que finalmente assumi para mim mesma estar apaixonada por ele teria que engolir isso e esquecer. — Escuta, eu sei o que você quer falar, então podíamos nos poupar o resto do caminho. Eu vou esquecer tudo o que aconteceu, se quiser eu posso até desmentir tudo na escola... — tagarelei, quando adentramos o parque me sentindo patética de mais para seguir ele para levar um fora educado. — Não quero que esqueça, não agora que finalmente me permiti sentir o gosto dessa boca linda. — ele disse, me fazendo parar congelada no lugar. — O quê? Fui tão bom em esconder meu desejo por você? — Do que você está falando... — Ele não me deixou terminar. Assim que alcançamos a tenda me puxou de encontro a si, me beijando com vontade, a mesma voracidade da primeira vez. Meu corpo se derreteu gradativamente contra o dele, como se precisasse do contato por inteiro como na outra noite. Marcos se sentou no chão e me puxou junto. — Eu tentei a todo custo esconder o meu interesse por você, desde a noite em que te levei pra casa. Você lembra no ano passado? — Eu apenas concordei com a cabeça, chocada de mais para falar. Sua mão afastou alguns fios de cabelos dos meus olhos e ele aproveitou para me segurar mais perto. — Mas não consegui, só pensava em te beijar, em sentir seu corpo assim contra o meu. Eu sei que errado, mas é mais forte do que meu autocontrole. — Nossos lábios encontraram o caminho um para o outro e eu subi minhas mãos por seu cabelo, querendo puxá-los para mim. Em um ímpeto subi em seu colo, montando-o, precisando cada vez mais dele, intensificando o beijo. — Eu quero você desde aquele dia. — murmurei contra seus lábios sem me afastar. Quando ele puxou meu lábio entre os dentes mais firme, eu soltei um gemido constrangedor. — Eu com certeza vou para o inferno por isso. — o ouvi gaguejar contra meu pescoço. Aquele era um caminho sem volta para nós, faríamos o que tivéssemos vontade, nos entregaríamos por inteiro um para o outro sem medir os problemas ou consequências. Estávamos assumindo nossos sentimentos com o coração e isso nos marcaria para sempre.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD