Antes, durante, e após ação de graças

1553 Words
Desde aquele dia, vinha me preparando para a minha primeira ação de graças em família. No manicômio, tínhamos celebrações discretas. Eu, algumas enfermeiras e outros pacientes nos reuníamos para compartilhar doces. Nada extravagante, já que o açúcar nos deixava agitados, e as enfermeiras evitavam, mas era algo que eu apreciava, mesmo não participando das conversas. Refleti sobre a ideia de invadir o escritório do Senador Lowtner e como ele ficaria chateado se descobrisse. Desde o primeiro dia, ele deixou claro que valoriza sua privacidade, então achei melhor adiar essa ideia. Eram 8 horas da manhã, e o senador agendou uma consulta com uma psicóloga para mim. Não me surpreendi, pois ele vinha demonstrando preocupação desde o dia em que fiquei trancada no quartinho dos fundos. Pedi a Philips que me acompanhasse ao consultório, pois nos tornamos bons amigos. — Obrigada por vir, significa muito pra mim — agradeci a Philips ao chegarmos no consultório. — Ah, deixa disso. Significaria ainda mais se fosse o Christian que estivesse aqui. Revirei os olhos. Não era de hoje que trocavam indiretas. — Isabel? — a secretária chamou da sala de espera. — Sou eu — confirmei. — Venha, querida. É a sua vez. Respirei fundo. Adentrei o consultório, e a psicóloga sorriu para mim. Pandora, como ela se apresentou depois, tinha cabelos afro e pele n***a, uma mulher linda. Sorri de volta e me sentei. — Como vai, Isabel? — Vou bem. E você? — Me chamo Dora. Pandora, na verdade — ela sorriu fracamente — agora me diga, o que há? — Sinceramente? — ergui a sobrancelha — Tudo? Primeiro, não faço ideia de quem sejam meus pais e tenho a sensação de que meu padrasto me odeia. Além disso, acho que amo o Christian, o que é um problema, porque ele só me vê como uma paciente problemática. E... Eu me odeio por tudo isso. Odeio quem sou. Ela me observou com atenção e assentiu com a cabeça. — Compreendo — ela disse. — E? — E que... Você n******e afirmar que alguém te odeia sem ter certeza disso. Conclusões como essa, especialmente para pessoas com baixa autoestima, só servirão para agravar sua situação. Além disso, agora você tem uma segunda família. Eu sei que é difícil para você aceitar, mas tente se inspirar em coisas boas. Penso em rebater, mas opto pelo silêncio. — Tudo bem — é o que consigo dizer. — E quanto ao fato de você estar apaixonada pelo Christian, posso assegurar que não há motivo para preocupação, pois isso não é verdade. Franzi a testa. — Por que não? — É fundamental compreender que a capacidade de amar outrem está intrinsecamente ligada ao amor-próprio. Esta não é uma conclusão derivada de estudos científicos convencionais, mas sim do entendimento profundo sobre a dinâmica do amor. A autoaceitação e o cultivo de uma r*****o saudável consigo mesma são pré-requisitos para estabelecer conexões afetivas genuínas. Em outras palavras, a ausência de amor próprio pode impactar negativamente a habilidade de nutrir um amor verdadeiro em direção aos outros. — Não? Então por que não paro de pensar nele, e de como ele está? E como meu estômago enche de borboletas quando o vejo... — admiti. De certa forma, surpreendi-me. Nem mesmo eu sabia sobre meus sentimentos. Dora observou atentamente minha expressão e sorriu compreensivamente. — Esses sentimentos são comuns quando estamos próximos de alguém por quem nutrimos afeição. O pensamento constante e a sensação de borboletas no estômago são sinais de uma conexão emocional significativa. No entanto, é crucial discernir entre a atração emocional e a possibilidade de um relacionamento saudável. Podemos explorar esses sentimentos mais profundamente ao longo de nossas sessões, se desejar. Lembre-se de que compreender suas emoções é um passo importante. Uma mistura de reflexão e perplexidade tomou conta de mim. As palavras dela ressoavam em minha mente, desencadeando uma avalanche de pensamentos sobre quem eu era, meus relacionamentos e, principalmente, sobre Christian. As borboletas no estômago agora pareciam ter ganhado novos significados. A jornada para entender meu próprio coração parecia apenas começar, e eu me via em um turbilhão de emoções e indagações. — Tudo bem... Vamos lá então. Me diga algo que você ame em seu corpo. Olhei para mim mesma, procurando algo que me deixasse feliz. — Não consigo pensar em nada. — Disse, suspirando sinceramente. — Vamos, se esforce. Três minutos se passaram até que finalmente algo alcançou a minha mente. — Um sinal de nascença que tenho bem aqui — apontei para minha perna. — Certo, agora me fale algo que você aprecia em seu rosto. — Acho que gosto das maçãs — afirmei, depois de ponderar por alguns segundos. — Eu também acho suas maçãs do rosto lindas — ela sorriu — hum... Me diga algo que você goste em seu cabelo. — A resistência — sorri ironicamente, reconhecendo o aspecto resiliente dos meus fios. Ela registrou algumas coisas em seu bloco de notas e passou a falar: — Certo, Isabel, tenho duas mensagens para compartilhar. Uma delas é reconfortante, e a outra pode ser desafiadora. Qual delas você gostaria de abordar primeiro? — Acho que a reconfortante — disse, delicadamente arrumando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — A notícia positiva é que não há evidências de autodepreciação em seu comportamento. Indivíduos que se desgostam buscam algo que lhes proporcione satisfação, mesmo que de forma mínima, e muitas vezes não encontram. Ao observar suas respostas durante a sessão, pude notar uma identificação com aspectos positivos de sua aparência. Isso sugere que, apesar das preocupações que compartilhou, você demonstrou uma capacidade de apreciar qualidades admiráveis em si mesma. O processo de autodescoberta é gradual, e é encorajador perceber que você já possui elementos que lhe trazem contentamento, mesmo que mínimas, entende? Aliviei os ombros. Não seria nada bom se eu estivesse depressiva. — E quanto à notícia desafiadora? — Você precisa enfrentar o que sente e conversar com o Christian. Você precisa confrontar e lidar com o que sente, Isabel. A comunicação aberta com o Christian é fundamental nesse processo. Depois de sair do consultório, Philips ainda estava lá, com as mãos na nuca. — Podemos ir? Ele levantou a cabeça e sorriu. — Sim... A gente pode ir comer alguma coisa. Ele me conduziu a um estabelecimento simples, apelidado por ele de "Hot Dog da Dulce". A simplicidade do local me surpreendeu, considerando a posição financeira elevada dele. No entanto, essa experiência foi positiva, transmitindo uma sensação agradável e autêntica da parte dele. Hoje seria o Dia de Ação de Graças. Ganhei um vestido azul marinho do senador que gostei muito. Rodei pela casa, esperando que os meninos se arrumassem. Depois que todos estavam sentados à mesa, calados, resolvemos brindar. — Ao amor! — comemoraram. E assim foi o Dia de Ação de Graças. Fui para a sacada, e Christian me seguiu. — Como foi seu dia? — ele perguntou. — Fui à psicóloga, — sorri, lembrando — foi bem divertido... O que você fez? — Eu visitei a faculdade, talvez eu volte com os estudos. — Maravilhoso. — O que você falou com a psicóloga? — Christian perguntou, timidamente. — Isso é segredo, mas falamos sobre você. — Sobre mim? Fiz que sim com a cabeça, e Christian sorriu. — Chris? — Hum? — Indagou, apressadamente. — Você acha que eu sou louca? Antes que ele respondesse, Philip se aproximou de nós. — Hey, Phil! — disse, abraçando-o. Philip sorriu sem graça, e Christian fez o mesmo. — Christian, o que você acha de colocar Philip dentro dos nossos planos? — exclamei. — Ah, por mim tudo bem — ele assentiu. — Que plano? — Queremos desvendar a identidade dos meus pais biológicos... Não é que eu não aprecie o senador, mas você sabe como é, né... O Chris já tem em mente qual será o próximo passo. E então, o que acha? — Nossa, quanta informação! Mas estou dentro, claro. Sorri com determinação. Minha mãe, como alguém de bom coração que eu acredito que ela fosse, provavelmente diria que eu estava traindo meu novo pai, que deveria deixar essa história de lado. Contudo, é inevitável. Eu preciso saber quem eu sou. Mereço isso. No dia seguinte, colocaríamos nosso plano em prática. O objetivo de Christian era obter minha certidão de nascimento no escritório do senador, que ficava nos fundos da mansão. Eu já havia retornado ao meu antigo quarto quando Christian o invadiu, correndo. Como nos tempos do manicômio, ele parecia feliz e espontâneo. Era assim que eu gostava de vê-lo. — Oi, Chris, aconteceu alguma coisa? — perguntei, rindo. — Não, tá tudo bem? — Tá sim — sentei na ponta da cama, e ele fez o mesmo. — Ei, sabe o que é... — Chris começou a falar, eu ergui a sobrancelha e ele continuou — é sobre o que vai acontecer hoje a noite e... — E? — insisti, curiosa. — Você gosta do Philip? — Claro, ele é tipo o meu melhor amigo — respondi, sem perceber a decepção que parecia surgir nos olhos dele. — Mas e eu, o que eu sou para você? — perguntou, cabisbaixo. Nesse momento, ergui sua cabeça e olhei nos seus olhos. — Você é... — E aí, pessoal, como vai o plano? — Philips surgiu do nada.
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