Esclarecer

990 Words
Em desespero, saí frenética do quarto, deixando os dois de lado. Acabei dormindo no quarto dos fundos, logo, não retornei para a sala a noite toda. Ao despertar, minha enfermeira trouxe os remédios junto com o café da manhã. — Tem certeza que ainda preciso tomar esses remédios? — perguntei, exausta. — Estes são diferentes, senhorita. Vão te ajudar a recuperar a memória. Não estava nada entusiasmada para retrucar, apesar de saber que a recuperação da minha memória parecia uma quimera inatingível. Algumas horas depois, Philip bate à porta, mas o impedi de entrar. Não queria falar com ninguém, acreditava que isso só pioraria as coisas. Desta vez, o senador disse que entraria. E quando digo "disse," refiro-me a uma ordem, não um pedido. — O que está havendo? — ele perguntou, sentando-se ao meu lado. — Coisas... — respondi, fitando o chão. — Que coisas são essas? — São só coisas. Percebi que eu me fechava novamente, assim como no dia em que conheci Christian. Recordava-me de como éramos diferentes, tornando-nos, estranhamente, tão iguais. — Na verdade, eu... — comecei a falar —, acho que seria maravilhoso se pudesse voltar lá no manicômio qualquer dia desses. — sugeri. — Sim, claro. Lá está a sua segunda família. Sei que deve ser importante pra você visitá-los. — o senador disse, apreensivo — você vai sair para jantar? — Sim. Então ele se levantou e saiu. Philip bate à porta novamente, e desta vez, o deixo entrar. — Oi. — ele disse, entrando. — Olá. — Christian me contou o que aconteceu — ele começou a falar. — Que bom! Então agora você sabe que eu não sou a única culpada da história. — disse aliviada, olhando-o nos olhos. — Nenhum dos dois foi. — Philip retrucou. — Ele a beijou, eu beijei você. Somos idiotas. — Primeiro que, Isabel, sem querer te magoar, vocês não namoram — eu revirei os olhos — mas sei que você gosta dele. Ele entraria aqui se você não estivesse uma fera, e te explicaria tudo nos mínimos detalhes porque ele se importa com você. — Explicar o que? Que eles formam um casal feliz e lindo? — falei, num tom irônico. — Nós somos um casal feliz e lindo só porque nos beijamos? — ele perguntou. — Não, claro que não! — respondi, ele ergueu uma sobrancelha como se dissesse que um beijo não significa nada — é totalmente diferente. — Ah, é? E por quê? — Porque eles estavam noivos, eles iam se casar se ela não tivesse desistido dele para fazer faculdade em Búzios, que por sinal não deu certo, então ela volta e o Christian se apaixona por ela novamente! — comentei, quase sem ar. — Você está certa, em partes, Natalie beijou-o e não o contrário. — Tudo bem, Philip, só que ninguém beija sozinho. Refleti sobre essas palavras; realmente, não podia julgar Chris. Afinal, eu mesma fiz algo semelhante na noite passada, mesmo que tenha sido para provocar ciúmes. Entretanto, por mais que entendesse minha própria motivação, a situação toda ainda era dolorosa. Philips interrompeu meus pensamentos, pedindo com gentileza: — Talvez devessem conversar e explicar as coisas. Gosto de você, Isabel, e de como você é diferente. Admiro o seu olhar, o seu jeito, até os fios dourados do seu cabelo longo. E é por esse motivo, dentre outros, que eu exijo que fique com quem você ama. Philip sempre demonstrou uma gentileza que, de alguma forma, me tocava profundamente. Sua presença constante e apoio incondicional desde sua chegada criaram um vínculo especial entre nós. Ele era alguém em quem eu confiava e que sempre esteve lá quando precisei. Havia algo reconfortante em sua amizade. — Philip, eu... — comecei, mas fui interrompida por suas palavras. — Não retruque! Isso é o melhor para você. Enquanto Philips se retirava, deixando-me para trás com meus pensamentos tumultuados, percebi que a noite seria decisiva. O jantar se aproximava, e eu sabia que teria que encarar Christian e, mais importante ainda, a mim mesma. O jantar estava uma delícia, sem dúvidas. Filé mignon e suco para os menores de idade preenchiam a mesa, e todos permaneciam em silêncio, como se uma sombra pairasse sobre nós. Decidi quebrar o gelo quando todos terminaram de comer: — Christian — ele me olha quase imediatamente quando digo seu nome —, Eu preciso falar com você, por favor. Ele assentiu com a cabeça, e nos dirigimos para a sacada. — O que foi? — Chris perguntou, num tom cuidadoso. — Nada, eu só queria dizer que... Ah, você sabe... Não sinto nada pelo... ahn... Philip — concluí. — Eu também não sinto nada pela Natalie, Isabel. Eu nem sei por que ela me beijou, ela só pode estar louca mesmo. Ao ouvir essa palavra, meus olhos se fecharam. A tristeza invadiu meu peito, uma pontada de desconforto por testemunhar Chris referindo-se a alguém como "louca". Afinal, eu era uma moradora de um manicômio, e aquelas palavras me atingiam de maneira peculiar em minha mente. Por mais que tentasse escapar, minha história sempre deixaria suas marcas. — Não foi isso que eu quis dizer. — Eu sei que não — concordei baixinho — fique tranquilo, eu estou bem — menti. — Você não precisa ser forte 24h por dia. Você pode chorar se quiser. Chris era caloroso, atencioso e representava um refúgio no inverno emocional em que me encontrava.. Agradeci por tê-lo ali, tão próximo de mim. — Obrigada — suspirei, deitando minha cabeça em seu ombro esquerdo. — Você me perdoa? Fiz que sim com a cabeça. No silêncio que se seguiu, meus pensamentos pareciam um tumulto. Não sabia como enfrentar a situação com Philip, nem mesmo como lidar com o que estava acontecendo entre Christian e eu. Era um emaranhado confuso de emoções, e aquela noite se apresentava como o cenário perfeito para esclarecer tudo, mesmo que isso significasse enfrentar verdades desconfortáveis.
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