Em desespero, saí frenética do quarto, deixando os dois de lado. Acabei dormindo no quarto dos fundos, logo, não retornei para a sala a noite toda. Ao despertar, minha enfermeira trouxe os remédios junto com o café da manhã.
— Tem certeza que ainda preciso tomar esses remédios? — perguntei, exausta.
— Estes são diferentes, senhorita. Vão te ajudar a recuperar a memória.
Não estava nada entusiasmada para retrucar, apesar de saber que a recuperação da minha memória parecia uma quimera inatingível.
Algumas horas depois, Philip bate à porta, mas o impedi de entrar. Não queria falar com ninguém, acreditava que isso só pioraria as coisas. Desta vez, o senador disse que entraria. E quando digo "disse," refiro-me a uma ordem, não um pedido.
— O que está havendo? — ele perguntou, sentando-se ao meu lado.
— Coisas... — respondi, fitando o chão.
— Que coisas são essas?
— São só coisas.
Percebi que eu me fechava novamente, assim como no dia em que conheci Christian. Recordava-me de como éramos diferentes, tornando-nos, estranhamente, tão iguais.
— Na verdade, eu... — comecei a falar —, acho que seria maravilhoso se pudesse voltar lá no manicômio qualquer dia desses. — sugeri.
— Sim, claro. Lá está a sua segunda família. Sei que deve ser importante pra você visitá-los. — o senador disse, apreensivo — você vai sair para jantar?
— Sim.
Então ele se levantou e saiu.
Philip bate à porta novamente, e desta vez, o deixo entrar.
— Oi. — ele disse, entrando.
— Olá.
— Christian me contou o que aconteceu — ele começou a falar.
— Que bom! Então agora você sabe que eu não sou a única culpada da história. — disse aliviada, olhando-o nos olhos.
— Nenhum dos dois foi. — Philip retrucou.
— Ele a beijou, eu beijei você. Somos idiotas.
— Primeiro que, Isabel, sem querer te magoar, vocês não namoram — eu revirei os olhos — mas sei que você gosta dele. Ele entraria aqui se você não estivesse uma fera, e te explicaria tudo nos mínimos detalhes porque ele se importa com você.
— Explicar o que? Que eles formam um casal feliz e lindo? — falei, num tom irônico.
— Nós somos um casal feliz e lindo só porque nos beijamos? — ele perguntou.
— Não, claro que não! — respondi, ele ergueu uma sobrancelha como se dissesse que um beijo não significa nada — é totalmente diferente.
— Ah, é? E por quê?
— Porque eles estavam noivos, eles iam se casar se ela não tivesse desistido dele para fazer faculdade em Búzios, que por sinal não deu certo, então ela volta e o Christian se apaixona por ela novamente! — comentei, quase sem ar.
— Você está certa, em partes, Natalie beijou-o e não o contrário.
— Tudo bem, Philip, só que ninguém beija sozinho.
Refleti sobre essas palavras; realmente, não podia julgar Chris. Afinal, eu mesma fiz algo semelhante na noite passada, mesmo que tenha sido para provocar ciúmes. Entretanto, por mais que entendesse minha própria motivação, a situação toda ainda era dolorosa.
Philips interrompeu meus pensamentos, pedindo com gentileza:
— Talvez devessem conversar e explicar as coisas. Gosto de você, Isabel, e de como você é diferente. Admiro o seu olhar, o seu jeito, até os fios dourados do seu cabelo longo. E é por esse motivo, dentre outros, que eu exijo que fique com quem você ama.
Philip sempre demonstrou uma gentileza que, de alguma forma, me tocava profundamente. Sua presença constante e apoio incondicional desde sua chegada criaram um vínculo especial entre nós. Ele era alguém em quem eu confiava e que sempre esteve lá quando precisei. Havia algo reconfortante em sua amizade.
— Philip, eu... — comecei, mas fui interrompida por suas palavras.
— Não retruque! Isso é o melhor para você.
Enquanto Philips se retirava, deixando-me para trás com meus pensamentos tumultuados, percebi que a noite seria decisiva. O jantar se aproximava, e eu sabia que teria que encarar Christian e, mais importante ainda, a mim mesma.
O jantar estava uma delícia, sem dúvidas. Filé mignon e suco para os menores de idade preenchiam a mesa, e todos permaneciam em silêncio, como se uma sombra pairasse sobre nós.
Decidi quebrar o gelo quando todos terminaram de comer:
— Christian — ele me olha quase imediatamente quando digo seu nome —, Eu preciso falar com você, por favor.
Ele assentiu com a cabeça, e nos dirigimos para a sacada.
— O que foi? — Chris perguntou, num tom cuidadoso.
— Nada, eu só queria dizer que... Ah, você sabe... Não sinto nada pelo... ahn... Philip — concluí.
— Eu também não sinto nada pela Natalie, Isabel. Eu nem sei por que ela me beijou, ela só pode estar louca mesmo.
Ao ouvir essa palavra, meus olhos se fecharam. A tristeza invadiu meu peito, uma pontada de desconforto por testemunhar Chris referindo-se a alguém como "louca". Afinal, eu era uma moradora de um manicômio, e aquelas palavras me atingiam de maneira peculiar em minha mente. Por mais que tentasse escapar, minha história sempre deixaria suas marcas.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Eu sei que não — concordei baixinho — fique tranquilo, eu estou bem — menti.
— Você não precisa ser forte 24h por dia. Você pode chorar se quiser.
Chris era caloroso, atencioso e representava um refúgio no inverno emocional em que me encontrava.. Agradeci por tê-lo ali, tão próximo de mim.
— Obrigada — suspirei, deitando minha cabeça em seu ombro esquerdo.
— Você me perdoa?
Fiz que sim com a cabeça.
No silêncio que se seguiu, meus pensamentos pareciam um tumulto. Não sabia como enfrentar a situação com Philip, nem mesmo como lidar com o que estava acontecendo entre Christian e eu. Era um emaranhado confuso de emoções, e aquela noite se apresentava como o cenário perfeito para esclarecer tudo, mesmo que isso significasse enfrentar verdades desconfortáveis.