Capítulo 4

1544 Words
   Eu caminhei pela mesma trilha da última vez, só que não fui até a parte com as flores na floresta, resolvi experimentar uma outra trilha.  Se eu estava com medo? Razoavelmente. Medo de morrer, ser devorada ou me perder pra sempre, acredito que o básico em experiências como essa, mas aí estava o que me diferenciava de outras pessoas nessa situação, eu odiava deixar o medo me impedir de fazer o que eu gostava de fazer, independente do perigo iminente.  A gente já corre o risco de morrer a cada segundo de nossas vidas, tudo pode acontecer, então...né, não tem muito o que possa ser feito. Enquanto seguia as curvas da pequena trilha quase invisível no meio das árvores, ouço um pio bem baixo, vindo das raízes de uma grande árvore à esquerda, ao me aproximar, vejo um filhotinho de passarinho. Ele era bem gordinho e tinha algumas peninhas, parecia um bolinho, e pelo que percebi, ainda estava em estado de transição para a fase adulta, por isso ainda tinha algumas peninhas e provavelmente ainda não deveria saber voar. Ele fazia força com as asinhas tentando levantar voo sem muito sucesso. Era um filhotinho muito fofo. Olhei para cima e forçando a vista, consegui ver um pequeno ninho em galho acima. Olhei pro passarinho.  Olhei pro galho.  Parecia bem alto para alguém com nenhuma habilidade atlética como eu.  Olhei pro passarinho de novo. O desgraçado piava da forma mais fofa do mundo... Hoje não, ciclo da vida. Não durante meu turno. Apertei forte a mochila nas minhas costas e me aproximei cautelosamente do filhote no chão, que curiosamente nem tentou fugir.  Acho que nunca teve grandes contatos com humanos, sorte a dele.  Pus ele no bolso do meu casaco e esfreguei as mãos uma na outra.  Primeiro pensamento: Como se isso fosse me ajudar Segundo pensamento: Não sei por que fiz isso, mas nos filmes parece que ajuda em alguma coisa Terceiro pensamento: eu estava adiando minha escalada, e sabia muito bem disso. A notícia boa era que os galhos daquela árvore eram baixos, o que facilitava muito.  A r**m é que eu sou a pior escaladora da minha turma na escola, quase não consigo encarar a parede de escalada em uma das olimpíadas que a minha escola havia organizado. Mas hoje era meu dia.  Fui fazendo pequenos progressos, me apoiando em cada galho e fazendo impulso com os pés. Iria ficar dolorida amanhã, mas valeria a pena.  Assim, consegui chegar até o galho que tinha o ninho, me segurei nele e consegui me sentar. Era realmente bem alto, e eu estava com alguns arranhões no final de tudo, fora o incrível esforço para não olhar pra baixo.  Tirei com cuidado o passarinho e coloquei de volta no ninho, estava muito satisfeita comigo mesma, e se isso não era um item da minha lista, agora iria virar. Tomando coragem, resolvi olhar a vista. Dava pra ver bastante coisa, desde a copa de algumas árvores menores, até o carvalho com suas raízes lotadas de flores. Aquele céu deveria ficar magnífico a noite. Tiro a mochila nas costas e tirei lá de dentro um pequeno caderno, que é meu xodó. Um pequeno Sketchbook que uso pra TUDO. Do fundo do meu bolso tiro uma pequena pena que tinha caído do filhotinho, e colo no canto da página com a fita que tinha trago na mochila.  Tiro de lá também as outras coisas que tinha trago pra isso, como lápis coloridos. O galho era bem espaçoso mas ainda tinha que tomar muito cuidado pra nada (principalmente minha pessoa)  cair. Faço na mesma página um desenho do passarinho, foi meio difícil, pois ele não parava quieto. Mas no fim gostei do resultado. Eu posso não ser boa na maioria das coisas que eu faço, mas admito que no desenho, até que não sou tão ruim...        Depois, virei a página e fiquei rabiscando o que dava pra ver do céu.  Fazia tempo que não desenhava. Fiquei meses sem pintar nada, já que acabei recomeçando hoje, provavelmente vou engatar nisso até o fim do verão. É sempre assim. Quando olho de novo pro céu, me amaldiçoo por ser tão avoada e imersa em pensamentos, já estava entardecendo de novo. Droga. Tenho que ir pra casa. Guardo tudo às pressas na mochila e já começo a descer com cuidado pelos mesmos galhos que usei de apoio para subir. Já estava quase na metade do caminho quando acabo pisando em falso em uma pequena f***a entre os galhos. Entro em desespero no mesmo segundo que perco o equilíbrio, estico os braços na esperança de agarrar qualquer galho que venha ao meu redor, mas ao invés disso, acabo passando meu antebraço em uma parte pontuda de um pequeno galho, mas não consegui me segurar em nada. Bem, o que dizer sobre isso? Não tinha o que pensar, não tinha nenhuma outra forma de reagir, nem dava tempo, eu estava esperando minha cara de encontro ao chão, mas ao invés disso, ouço uma voz e caio em algo... Digamos Macio demais para ser o chão.        --------------- ... Ai meus Deus que vergonha... Eu acho que matei alguém O que eu faço? -Ai meu Deus do céu, me desculpa!- Não tive nem tempo de avaliar a minha situação ou a de quem eu devo ter matado por cair em cima, pois ouço uma série de piados em um galho acima que chama minha atenção. Vinha bem do ninho onde eu tinha posto o passarinho, ele se debatia tentando voar de uma forma desengonçada e engraçadinha, suas asas indo com força pra cima e pra baixo, conseguiu levantar alguns centímetros pra frente que foi o suficiente pra sair de dentro do ninho e cair no pé da árvore, sendo amortecido por algumas folhas. -Não acredito nisso. - Passarinho desgraçado... -Er...com licença- olhei pra baixo de mim e dei de cara com um garoto. Ah é, eu caí num estranho... Tinha até me esquecido. Eu tento me levantar, faço um esforço e consigo sair de cima dele, porém quando estava na metade do caminho sinto uma dor h******l no meu tornozelo e no braço que tentava me apoiar, cambaleei sem forças e acabei caindo de novo. O estranho que eu tinha derrubado já tinha se levantado, estava de costas pra mim mas se virou na mesma hora quando eu caí. Céus. Eu não poderia ter encontrado um lugar melhor pra cair. Tudo bem que eu me sentia totalmente quebrada, com dores em todo lugar, e é provável que eu também teria batido a cabeça (explicaria a tontura que estava sentindo acompanhada de um leve zumbido que deixava tudo que estava acontecendo fora da minha mente bem distante), mas eu tinha que tirar um tempo pra admirar a desgraça que acabara de ser jogada na minha vida. Era tão...exótico. Um jeito meio pirata e completamente encantador com seus cabelos negros e um rosto de quem parecia sempre escondendo um sorriso irônico (e foi nesse momento que descobri que tenho uma queda por piratas de sorrisos irônicos). Como se um conjunto desse já não chamasse atenção de mais, eu estava totalmente perdida e encantada em seus olhos. Cada um com uma cor diferente. Enquanto um era de um verde vivo e brilhante, de um tom esmeralda; o outro era n***o com uns tons que pareciam avermelhados... Eu não conseguia desviar meus olhos... Ou Se quer PENSAR. E eles estavam muito perto agora, pareciam preocupados, gritavam alguma coisa mas eu não conseguia entender. Me forço a voltar para a realidade e lembro da forte dor que sentia principalmente no meu braço e no meu tornozelo. Eu gemo de dor e percebo que eu estava praticamente deitada no chão, se não fosse pelo meu tronco encostado nele, que pelo visto tinha me salvado de outra queda. -O que houve?? Você está bem?? Onde dói?? -- Tudo. -- foi tudo que eu consegui responder. Eu me sentei com cuidado, mas ainda gemendo pela dor. Olho pro meu braço e tinha um pequeno, porém um pouco fundo corte lotado de farpas e sujeira que se misturavam com o sangue, minha perna também tinha alguns arranhões,meu tornozelo esquerdo parecia torcido e eu sentia algo molhado na minha testa, eu esperava que fosse um terceiro olho misterioso que tivesse começado a chorar, talvez fosse mais divertido de lidar do que sangue. -d***a, essa é a última vez que tentei ajudar a natureza- Falei, quase perdendo a consciência, mesmo sabendo que era mentira. Eu estava quase imersa em uma convidativa escuridão, tentava me forçar a me manter os olhos abertos, mas ela me puxava. Eu só queria dormir e me entregar ao vazio de relaxar e não pensar em nada, pois minha cabeça doía de mais,  A única coisa que me impedia era a voz insistente e preocupada que ficava me puxando de volta.  -Tente se manter acordada ...-eu me senti ser levantada e carregada pela trilha, mas a essa altura minha consciência  já estava distante demais para raciocinar direito.  Eu via a copa das árvores acima de mim e elas se misturavam com o preto por alguns momentos enquanto eu fechava os olhos.  Eu apagava e voltava por breves momentos, só não dormia totalmente por causa da voz insistente, que ficava tentando conversar comigo. Eu não entendia a maioria das coisas que ela tentava dizer, apenas algumas frases soltas, pois meus ouvidos ainda zumbiam. -*murmúrios -Não deveria...Floresta sozinha...- e foi seguindo assim, antes que eu percebesse eu estava na minha casa,  tentei avisar que a porta estava trancada mas só saiam gemidos.  O que de qualquer forma foi em vão, pois ele simplesmente empurrou a porta e ela se abriu. Droga, eu tinha me esquecido de trancar.  Não, pera...  Como ele sabe onde eu moro?
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