— Há uma reunião na saída da cidade. Eles chegaram há uma hora e desde então, seguem dentro do restaurante.
— Fiquem de olho e não permitam que passem para dentro do meu território.
— Eles estão se agrupando. — Carlo comentou.
— Eu sei. Não quero nenhum soldado. Quero um único homem. — Coloquei meu copo na mesa.
— Fiquem vigiando de perto. Aqui, eles não vão crescer, mas não quero espantar e perder meu alvo.
— Sim, senhor. — Voltou para o seu lugar.
Fred me seguiu até o quarto, troquei de roupa e fui para minha academia privada. Treinava todos os dias. Carlo costumava me acompanhar, mas ele sabia que meu humor estava perigoso. Precisava ficar sozinho.
Agarrei um saco de pancadas, batendo tão forte que a corrente que o segurava no teto estava rangendo. Meus socos eram firmes e precisos, carregados de raiva e ansiedade.
O cachorro soltou um latido com o estrondo que o saco deu na parede. Parei, arfando, olhando para as cicatrizes nas minhas mãos cobertas por tatuagens.
Aquele dia fodido. Fui criado para não me importar com a dor e muito menos com a morte, mas assistir a minha única família morrer trazia uma queimação no meu peito.
O gosto do desejo pela vingança era familiar na minha boca.
A máfia albanesa cresceu nos últimos anos, principalmente depois da recuada dos russos em Nova Iorque. Eles lidavam com um tipo de merda que a famiglia não lidava mais há anos: prostituição e tráfico de mulheres.
Na Filadélfia, eles tentaram crescer. Sendo um território um tanto menor que o Estado de Nova Iorque, meu tio, na época o subchefe, derrotou os planos e manteve a dominação.
Isso não aconteceu sem uma retaliação que tinha cheiro de traição.
Nós três fomos pegos na saída de um dos nossos clubes mais discretos e levados a um galpão do outro lado da cidade. Fomos torturados por horas. Muitas horas. Primeiro, eles me fizeram assistir a morte do homem que me criou e depois, largaram meu primo, meu irmão de criação, agonizando no chão até o último suspiro.
Olhei para a unha do meu dedo mindinho. A coisa ridícula que colocaram ali depois de uma cirurgia plástica para reparar a que foi arrancada. Meu corpo era repleto de marcas da vida que levava desde que nasci.
Sendo um Carlucci, a mulher que fosse escolhida para ser minha esposa precisava, no mínimo, entender quem éramos sem discutir.
Tudo que eu não queria lidar era com outra Fernanda.
Eu não queria um novo casamento de fachada, muito menos uma mulher que aparentava ter repulsa em me tocar. Não queria ter amantes ou precisar encontrar alívio em qualquer outra além daquela que carregaria meu sobrenome.
Queria filhos. Queria formar a minha família e deixar herdeiros. Não havia mais ninguém vivo. Eu não aceitava ser o último de todos.
Aceitar o casamento não era uma opção. Era ordem. Eu acataria, com condições. Escolheria a mulher que ficaria ao meu lado.
A primeira vez, éramos crianças quando o acordo foi feito. Agora, apesar de ter apenas vinte e oito anos, eu não queria uma esposa com menos de vinte.
Minha lista de itens não parava de aumentar conforme pensava, jogado no chão da academia, com Fred bufando no meu ouvido.
Meu telefone apitou e estiquei a mão, olhando o e-mail solicitando a confirmação da minha presença no jantar de Ação de Graças em Nova Iorque, enviada por Giana, secretária da Sra. Rafaelli. Cliquei no ícone, confirmando e pensei um belo f**a-se. Seria uma exibição de mães querendo apresentar suas filhas.
Minha posição como subchefe era atraente, principalmente por minha cidade ser uma das mais lucrativas, perdendo para o lado do Sr. Galattore e para D.C, onde um pirralho iria herdar cofres lotados de dinheiro político.
Se existia uma coisa no qual eu não tinha paciência, era para socialização. Fernanda não visitava os pais e muito menos os convidava para nossa casa.
Nossas aparições públicas eram exclusivamente em eventos a que éramos obrigados. Sempre havia uma sensação de estranhamento em público, sorte que poucos casais demonstravam afeto.
Fernanda se reunia com suas amigas e voltava para o meu lado apenas na hora de ir embora, sem trocar uma mísera palavra.
Com toda certeza a família falava sobre isso. Um casal jovem tão frio um com o outro. Não me importava. Estava interessado em manter meu território, o lucro e afastar qualquer sinal de fraqueza.
Ter um subchefe e seu herdeiro assassinados no mesmo dia foi uma vergonha para nossa defesa, que sempre foi motivo de orgulho.
Odiava a sensação amarga que fomos traídos.
A mansão Carlucci tinha grandes defesas, milhares de soldados em suas casas e um sistema de segurança impecável. Eles jamais conseguiriam invadir, portanto, foi mais fácil nos pegar sem um comboio. Poucas pessoas sabiam sobre a nossa localização naquela noite, o que para mim, significava que fomos apunhalados pelas costas.
Fred soltou um bufo, cansado de estar na academia e correu para a porta.
Levantei do meu lugar, abri a porta da escada e ele subiu correndo para o pátio que ficava no térreo. Minha cobertura duplex era muito espaçosa. Me mudei logo que pareceu sensato depois da morte de Fernanda.
Era um local isolado, o prédio me pertencia e morava ali apenas quem eu queria.
Joguei a bolinha dele, que saiu correndo, derrubando uma cadeira, mas sem se importar nem um pouco. Trazendo para perto novamente, jogou aos meus pés, querendo repetir a brincadeira, incansável.
— Chega disso. Entre — ordenei. Com a língua para fora, foi trombando pela escada direto para seu pote de água.
Entrei no chuveiro, me arrumei e rapidamente saí para a noite da Filadélfia, serena em um lado da cidade, agitada em outro.
Fui para o canto mais tranquilo, entrando em um apartamento familiar. Jogada na sala, Amélia desviou o olhar da televisão e afundou o cigarro no cinzeiro. Seu corpo voluptuoso estava coberto com uma pequena camisola de cetim vermelha.
— Chegou cedo, querido. — Sorriu torto.
— Eu sei. — Olhei ao redor. — Amanhã você deverá ir.
Surpresa pintou seu rosto. Continuei.
— Meus homens irão cuidar do seu retorno para a Itália.
— O que isso quer dizer, Romano? — questionou com o forte sotaque.
— Estarei noivo nas próximas semanas e o nosso relacionamento será inconveniente em todos os sentidos da palavra. Até mais. — Dei meia volta e saí, fechando a porta. Alguns segundos depois, ouvi o som de um vaso sendo arremessado na porta.
O temperamento de Amélia sempre foi um alerta. Eu a trouxe da Itália depois de conhecê-la em uma temporada na Sicília. Ela não era uma mulher que fazia parte do meu círculo, mas entendia a nossa vida e estava à margem. Dançarina de um dos clubes de Palermo, nós começamos um relacionamento puramente s****l há um ano.
Não gostava de me envolver com várias mulheres porque não confiava nelas. Não confiava em ninguém.
Jamais permitiria que qualquer pessoa se aproximasse em um momento em que minhas defesas estariam baixas, apenas pelo prazer de f***r.
Isso eu faria em qualquer lugar, principalmente com tantas sob meu domínio, em meu território.
Durante meu casamento com Fernanda, foram milhares de mulheres, mas antes, eu era um homem que se permitia baixar a guarda.
Hoje, não mais.