O som do oceano batendo na beira da areia era relaxante. O sol estava muito forte e minha pele começava a se bronzear.
Minha irmã estava ao meu lado, perfeita, os cabelos escovados, alinhados ao rosto, o biquíni de tom vermelho bem maior e ajustado que o meu, que era fino, pequeno, um tanto bagunçado da minha brincadeira no oceano, assim como meu cabelo, cacheado, um pouco cheio.
A diferença entre nós era nítida. Maria era perfeita. Sempre com tudo no lugar, o rosto de boneca e a moda em dia. Ela adorava ser patricinha, paparicada, era o meu avesso completo.
Por isso era minha melhor amiga.
Não éramos irmãs biológicas e sim primas, para nós, não existia nenhuma diferença.
Cheguei em sua casa com doze anos, após a morte dos meus pais e ela, apenas com nove, me deu um sorriso e disse: “viveremos juntas para sempre”.
— ANASTÁCIA! MARIA! — Mamãe gritou.
— Droga. — Maria gemeu.
Ouvimos seus passos e cobri meu rosto para olhar mamãe marchar em nossa direção. Seu rosto furioso foi um alerta do próximo grito.
— Vocês saíram SOZINHAS? — Berrou a última parte ao ponto de retumbar e os pássaros saírem voando de medo.
— Quantas vezes terei que dizer que as festas que seu primo promove não são para moças como vocês?
— Angelo tomou conta de nós. — Maria falou docemente.
— Angelo Marino não toma conta de si mesmo! — Ela explodiu, sacudindo os braços. — Fotografias saíram na imprensa e imagine só a minha surpresa ao ver minhas duas filhas ao fundo de uma boate lotada de mulheres com reputação duvidosa!
— Não julgue meninas que são livres porque podem aproveitar a vida — comentei acidamente.
— Havia muitas amigas da faculdade lá.
— O lugar odioso que você frequenta todos os dias para ter um diploma desnecessário não é bem um exemplo. Nós fazemos parte da famiglia e eu quero que minhas duas filhas tenham excelentes casamentos!
— Continuou falando e me desliguei totalmente.
Seu rosto estava começando a ficar molhado de suor, por estar na praia e sem chapéu. Ela odiava sol e areia. Nós tínhamos essa casa porque Maria e eu amávamos, mas a mamãe abominava ficar bronzeada.
Maria ainda estava prestando atenção no discurso da importância de ser uma boa esposa, porque ela se importava e sonhava com o casamento.
Papai não colocava tanta pressão em mim, mesmo sendo mais velha, porque sabia que não era meu sonho. Queria me casar… um dia, bem distante. No nosso meio, já estava ficando velha para os padrões.
A maioria das meninas se casava entre os dezoito e vinte anos, mas a Sra. Di Galattore estava mudando as regras sutilmente. Algo que não agradava muito uma velha matriarca tradicional como minha mãe.
Maria estava com dezoito anos e ansiosa para um pedido de casamento. Ela queria ter uma casa e tomar conta de sua vida. Em parte, entendia. Sair do domínio da mamãe parecia ser algo impossível.
Diferente dela, eu não queria sair da casa dos meus pais direto para um casamento.
Meu pai biológico, era irmão mais velho do meu pai de criação.
Apesar de ter nítidas lembranças com meus pais, gostava de esquecer.
Meus dois casais de pais também casaram por acordos dentro da famiglia, porém, por mais que mamãe fosse maluca e o papai com uma profissão diferente dos demais pais por aí, no nosso lar havia amor, diversão, viagens e momentos únicos.
Meus pais biológicos m*l se toleravam, e era nítido o quanto fui detestada por ser menina.
— Vamos jantar na casa do Lucca essa noite. É aniversário da Maria Catarina, comprei presentes em nomes de todos, mas eu não quero vocês duas de conversa com os amigos solteiros dos seus primos. — Ela se abanou. Maria me deu um olhar e rimos.
— Eu duvido muito que Lucca convidará qualquer pessoa fora da nossa família, estou apenas me prevenindo. Entrem logo, não quero que fiquem vermelhas.
— Sim, mamãe. — Minha irmã e eu falamos juntas.
— Ótimo.
Lucca e sua esposa, Anna, eram pessoas queridas e gostavam de proporcionar eventos. Mamãe era filha caçula da família Moreno, uma grande e tradicional prole italiana. De quatro filhas, todas tiveram casamentos bons.
Tia Ágatha, casou-se com um banqueiro britânico. Ela achava que era da realeza. Tia Joanna, casou com um político da linhagem da família Médici. Tia Sara casou com um homem rico, da família Marino, mas não tanto quanto os maridos de suas irmãs, porém, ele enriqueceu muito mais que todos. Faleceu há muitos anos e deixou a rede de hotelaria para seu filho mais velho, Lucca.
Mamãe, a caçula, casou-se com o segundo filho de uma família poderosa que passou a ter negócios com meu tio (já falecido). Meu avô não era ninguém menos que o contador da máfia siciliana e um poderoso subchefe.
Meu pai biológico herdou sua posição e quando faleceu, meu amado pai de criação assumiu o lugar. Nós fazíamos parte da famiglia.
Tradicionalismo, poder e honra mascaravam a vida contraventista que vivíamos.
Meninas como eu não tinham autorização para fazer o que eu mais amava: estudar, viajar e experimentar o gosto de uma vida normal.
Antigamente era ainda pior, mas como as esposas dos chefes trabalhavam, ninguém implicava tanto comigo sobre fazer faculdade e ter viajado para intercâmbios ao longo da vida. Maria não gostava muito, ela era focada na sua imagem de princesa e eu sempre acabava saindo como a irmã do avesso.
Mamãe se importava muito com a nossa imagem e reputação. Ela zelava para que não saíssem fofocas sobre nossa virgindade. Éramos as garotas mais protegidas do mundo. Aprendi a fugir dos meus guardas e ensinei minha irmã, tanto que conseguimos chegar à festa do nosso primo sem que ninguém soubesse — e voltamos ilesas.
Ao entrarmos, ouvi mamãe acusar papai que se ele não tivesse permitido que tirasse minha habilitação, não conseguiria ter fugido. m*l sabia ela que fomos de táxi.
Maria segurou minha mão, me puxando para nosso quarto. Embora fôssemos grandinhas e vivêssemos brigando muito, gostávamos de dividir o mesmo espaço na casa de praia. Na nossa casa, cada uma tinha seu quarto.
— Vai tomar banho primeiro, até conseguir domar esse cabelo, vamos nos atrasar. — Maria ordenou.
— Pensei em ir com ele à moda selvagem. — Sacudi meus cabelos na frente do espelho. Maria riu, parou atrás de mim e colocou as mãos nos meus ombros.
— Por favor, já enlouquecemos a mamãe o suficiente essa semana. Vá com seus cabelos domados e use seu vestido azul transpassado, é o favorito dela.
Dei a língua e fui tomar banho, lavando meu cabelo e levando um bom tempo secando, esticando os fios e ainda passando chapinha. Comecei o processo de me maquiar e levamos mais de uma hora nos arrumando.
Papai começou a tocar a sineta, mandar mensagens e enviar a nossa empregada a cada cinco minutos para nos apressar. Apenas quando mamãe também ficou pronta, que saímos do quarto.