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1481 Words
Quatro André Chacoalhei o líquido escuro dentro do copo enquanto admirava a paisagem exuberante através do vidro que cobria toda a parede da minha sala. O dia estava lindo, radiante, as pessoas aproveitavam o calor para curtir o sol e a água salgada que banhava a Praia de Copacabana. Levei o copo à boca engolindo mais uma dose do líquido que desceu queimando pela garganta.  Quem diria... Um escritório em Copacabana.  Girei meu corpo e passei a fitar atentamente a revista em destaque sobre minha mesa. Forbes. “Eles quebraram paradigmas da sociedade. Conheça os maiores selfie mades do Brasil.”  Era eu na capa. E não era a primeira vez, há 7 anos saí na Forbes Under 30. Naquela época fiquei desacreditado, explodindo de felicidade, mas hoje já estava acostumado com meu nome e minha marca sendo pauta de várias matérias em revistas de negócios. Nasci com o dom de fazer dinheiro, isso é fato. Estava aguardando minha secretária. Matilde estava comigo há pelo menos 10 anos, era uma excelente funcionária, alguém da minha confiança. Saber que ela deixaria o cargo em poucos meses me deixava um pouco aflito, seria difícil encontrar uma substituta à altura da sua competência. Mas eu a compreendia, ela havia completado 60 anos e tinha o sonho de curtir a aposentadoria com o marido e a família. Como ela mesma dizia, tudo nessa vida era um ciclo e, o dela com o grupo estava por um fio. Assim que ouvi as batidas contra a porta a abri no mesmo instante.  — Doutor André, boa tarde! — Matilde sorriu depois de fechar a porta e ajustar o óculos no rosto. — Trouxe alguns currículos que gostei para o senhor analisar. Todas têm experiência e excelentes antecedentes.  — Ótimo. Quero contratar alguém o mais rápido possível para preencher o buraco que será sua saída. — Balancei a cabeça com deboche para Tilde. Ela sorriu. — Para com isso, vou fazer com que elas fiquem super preparadas. Você nem vai sentir minha falta. — Impossível. Quer saber, Tilde, vamos fazer o seguinte. Já que você gostou tanto desses currículos faça você mesma o recrutamento e a entrevista com cada uma delas. Afinal, não há ninguém melhor do que você mesma para saber qual será a sua substituta ideal. Vou precisar sair mais cedo hoje.  — Nossa, mas que surpresa! Doutor André Matos precisando sair mais cedo numa sexta-feira — ela disse com sarcasmo, eu sorri para ela retribuindo suas desconfianças. — Nem só de trabalho vive o homem. — Acho que o senhor já está na idade de arrumar uma moça de compromisso, formar uma família. Tomei mais um gole do uísque e com deboche respondi à minha secretária: — Muito pelo contrário, estou na melhor idade e no melhor momento para viver a minha vida. Só agora tenho condições de fazer as viagens e as festinhas que sempre sonhei. Relaxa Tilde, estou vivendo muito bem do meu jeito. — Pisquei para ela que rapidamente revirou os olhos. — Então está bem, você estando feliz é o que importa. Mas não há nada melhor do que ter uma pessoa para compartilhar os momentos únicos, os mais felizes, assim como os mais difíceis da vida, é bom cuidar de alguém e ser cuidado na mesma proporção. Quando você encontrar o amor vai se dar conta do quanto são insignificantes as dezenas de mulheres que você dorme e as festinhas do final de semana. As conversas com Tilde já haviam se tornado um mantra na minha cabeça. Ela era uma mulher conservadora. Sempre viu minhas saideiras com péssimos olhos, porém nunca fez nada além de me aconselhar, no máximo apresentou as filhas de suas amigas da igreja. Uma delas inclusive era mais depravada do que muitas das mulheres que estava acostumado a sair por aí, fomos amantes por muito tempo, mas quando insistiu que queria namoro e compromisso pulei fora.  Não estava nos meus planos deixar esse sentimento de liberdade para trás. Ser livre e desapegado para mim não tinha preço, afinal de contas não havia nada melhor do que se importar apenas consigo mesmo. [...] Milena — Eu ainda não consigo acreditar! — Mamãe não parava de falar aquilo desde que o porteiro disse meu nome através do interfone. Agora desfazendo as malas no quarto de hóspedes, ela parecia estar mais inconformada do que nunca. — O Vicente está desesperado! Como você teve a audácia de vir para o Brasil com o João Paulo sem falar nada com ele? Como uma esposa larga o marido sozinho em casa? Por Deus, estamos no fim dos tempos! — Ah, mãe, desculpa, mas o Vicente me largava sozinha em casa praticamente todas as noites. Fim de semana então nem se fala, ele desaparecia que nem o mestre dos magos! — Não queira comparar, Vicente é homem, nunca deixou faltar nada para você e para o João Paulo mesmo estando ciente... — Chega, mãe! Ciente de quê? Que eu tive que abdicar 14 anos da minha vida por ele? Ciente de que ele não me deixou estudar, e realizar o meu sonho de ser advogada! — Enfurecida estreitei meus olhos e mordi o lábio cheia de raiva. — Se a senhora pensa que vai conseguir manipular minha vida outra vez, está muito enganada. Eu não sou mais aquela menininha boba de 16 anos, eu sou uma mulher de 30 anos, mãe e, perfeitamente decidida do que quero! Inclusive assim que terminar de ajeitar as coisas vou sair para procurar um emprego, eu e meu filho não vamos ficar aqui por muito tempo! — Emprego, como? Você não estudou, não sabe fazer nada! — Ah, mas a senhora sabe que alguém com o meu nome e minha classe tem os seus contatos. E outra, não vou escolher, posso fazer qualquer coisa. Limpar chão, servir mesas e atender telefonemas. Tudo para que eu não precise depender de mais ninguém. — Você, limpando o chão? Servindo mesas? — Marina me fitou com deboche. — Você nunca fez isso na vida. — Mas farei se for necessário — afirmei com convicção, sentindo o peito doer. As palavras de mamãe me machucavam de uma forma, que por mais que eu tentasse me defender, me fazia sentir um nada, um verdadeiro zero à esquerda. Ela não quis insistir mais, saiu e antes de fechar a porta do quarto me fitou com desgosto novamente. Esperei até ter certeza de que não estava por perto para cair sobre a cama e desmoronar. 30 anos, sem estudo nenhum. 30 anos sem nunca ter trabalhado. Mesmo com todos os contatos seria difícil conseguir alguma coisa para manter o meu padrão de vida atual. Quando cheguei comentei com papai sobre meu interesse de começar a estudar direito e, tudo que ele disse foi que eu não precisava disso porque o meu marido era o Embaixador do Brasil na Itália. Sim, ele tinha um cargo, influência política, além de ser muito respeitado. Mas, e quanto a mim? O que eu era além da mulherzinha dele, ou da filha de um ex-juiz com a reputação queimada?  — Mamãe? — Ouvi um barulho na porta. — Posso entrar? — Claro, filho. — João Paulo entrou e sentou na cama ao meu lado. — E aí, como estão as conversas com o seu avô? — Meu avô só fala sobre eu ser um grande advogado ou político... Falei para ele sobre os jogos e ele não curtiu muito, disse até que isso vai atrasar a minha vida. — Mas não liga para isso, eu falei para você de como seus avós são pessimistas... — Eu sei. Até falei para ele que se existe alguém que realmente seria uma ótima advogada ou política, esse alguém com certeza seria você, mamãe. Você é tão inteligente, comunicativa, fora o seu lado ativista. — Mas a mim ele não apoia. Disse que não vai pagar minha faculdade, vou ter que prestar o vestibular para tentar uma pública a essa altura do campeonato. — Não se preocupe, mãe, estou indo muito bem nos games, em breve vou ganhar muito dinheiro, vou pagar sua faculdade e tudo que você quiser. Porque você merece, é a melhor mãe que um filho poderia ter. — Obrigada, filho. — Abracei João Paulo que retribuiu da mesma maneira. Eu sempre amei a ideia dele ser apaixonado pelo mundo dos games. Lá em Roma João quase não saía, meu filho nunca me deu trabalho, os jogos sempre foram sua principal distração. Obviamente não conseguia imaginá-lo ganhando dinheiro com uma coisa tão banal, mesmo assim, lhe dava todo apoio, porque era o sonho dele e eu sabia o quanto era r**m não ter os pais apoiando seus sonhos. — Mas enquanto isso não acontece a mamãe vai procurar um emprego. Quero arrumar um trabalho logo para poder sair da casa dos seus avós, você vem comigo, né? — É claro!
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