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1128 Words
Três Milena A ansiedade não me deixava ficar parada. De minuto em minuto checava minhas malas e as de João Paulo para ter a certeza de que não estava esquecendo nada. Toda vez que viajava para o Brasil sentia um frio na barriga, mas dessa vez parecia uma nevasca. Isso porque ao invés de fazer uma das raras visitinhas de 4 em 4 anos, eu iria para ficar. Estava decidida a não pôr mais os meus pés aqui. Nada contra a Itália, Roma, onde fui muito bem acolhida, mas eu já não aguentava mais. Fui além de todos os meus limites para conseguir dividir o mesmo teto com ele por mais de 12 anos.  Olhei para o espelho e foi impossível não deixar as lágrimas caírem quando enxerguei meus olhos azuis contrastando com as olheiras arroxeadas e meu lábio cortado, novamente.  Não demorou para que lembranças fortes de ontem à noite, mescladas com as do ano passado e de todo esse tempo que estive aqui me assombrassem. Meu Deus. O que eu fiz para merecer isso? Sempre fui uma excelente esposa, abdiquei da minha vida para cuidar dele e do nosso filho. Estou há 14 anos praticamente exilada nessa casa, evitando fazer um passeio no shopping ou até mesmo compras no mercado para não levantar desconfianças e consequentemente despertar seu ciúmes possessivo e violento.  O que eu fiz de errado? Por que estava fraquejando? Por que estava desistindo de lutar pela minha família e o meu casamento? — Mãe? — Meu coração errou uma batida quando avistei João Paulo no reflexo de espelho. Meu filho entrou na suíte com aquele olhar penoso que me deixava afligida e disse: — Você não está pensando em desistir, não é mesmo? Eu não aguento mais ver o Vicente te agredindo. Está mais que claro que ele nunca gostou de você. Nem de mim!  — Filho, não diga isso. Vicente é o seu pai, é claro que ele gosta de você. Ele te ama... — Não é o que parece! — Escuta. — Firmei-o pelos ombros e olhando diretamente em seus olhos comecei a falar numa tentativa de aplacar a dor e a raiva que ele vinha alimentando pelo homem que o criou. — O seu pai trabalha muito, ele passa o dia inteiro fora de casa, se estressando para nos dar essa vida boa... — Eu não me importo! Minha amiga do game mora numa favela e é muito mais feliz que eu. A família dela não tem nenhum luxo, mas os pais dela são felizes. Isso porque o pai dela não fica espancando a própria mãe e dizendo que ela é um lixo de filha! Mamãe, passa logo a maquiagem para esconder esses machucados, o voo sai em menos de duas horas. Não podemos nos atrasar, não podemos continuar aqui! Engoli o bolo em minha garganta e abri um sorriso para meu filho. — Esse desejo todo de ir para o Brasil é para ficar perto dessa menina? João Paulo, você é muito novo para fazer essas loucuras de amor. Fora que você nunca viu ela pessoalmente. — Já vi, sim, falo com ela por chamada de vídeo toda noite, mas, não é sobre isso mãe. Por que você se conforma de ser tratada como um saco de pancadas pelo Vicente? Daqui a pouco ele chega estressado do trabalho como sempre, você fala qualquer coisa e leva um t**a na cara! Eu não me conformo. Eu não aceito! Se você não se arrumar, eu vou fugir e deixar você aqui sozinha com esse covarde. Porque para mim ele não é um pai, é um covarde! Mordi o lábio desviando o olhar do meu filho, pensando no quanto me tornei uma mulher fraca, sem coragem o suficiente para tomar uma atitude que mesmo vista por todos os ângulos era certa. Sair de casa com o meu filho e viajar para outro país sem nenhum aviso prévio, reencontrar a minha família, encarar uma nova vida.  Recomeçar.  Tudo parecia difícil demais. — Aquele dia você disse que se ele ousasse tocar a mão em você outra vez, nós iríamos voltar para o Brasil. Você prometeu pra mim, mamãe. Por favor, não volte atrás. Ele nunca vai parar de nos humilhar desse jeito, é assim desde que me entendo por gente... — Apesar de ser sério e estar o tempo todo se esforçando para não demonstrar fraqueza, João Paulo não conseguiu segurar as lágrimas, aqueles olhinhos negros e brilhantes mexia com meu coração. Meu filho era a coisa mais valiosa que eu tinha, faria tudo por ele, por nós dois. E ele tinha razão, eu não merecia ser tratada como um saco de pancadas assim como ele não merecia crescer no meio dessa situação. Se antes eu ainda tinha dúvidas, agora acabou. Minhas malas estavam prontas. Ia esconder essas marcas horríveis. Ir embora com meu filho e esquecer que um dia fui usada e humilhada durante todos esses anos. Talvez eu conseguisse começar uma nova vida, ou até mesmo tentar corrigir os erros do passado... — Você tem razão, meu amor. Cheque suas malas enquanto me arrumo, já, já eu fico pronta. João Paulo secou as lágrimas e finalmente abriu um sorriso. — Não se preocupe, mãe, eu sei que vai ser difícil, mas vai dar tudo certo. Eu sei que vai dar, a gente merece viver em paz. — João Paulo me envolveu num abraço apertado, cheio de carinho. Meu filho estava radiante, fazia tempo que não o via tão alegre. Nem parecia que ele estava deixando o colégio, os amigos, toda uma vida que foi construída aqui. Mas aí lembrei que ele era adolescente, estava na idade das descoberta, dos primeiros amores e decepções, estava com o coração cheio de coragem para se arriscar por seus sonhos. Eu também já tive aquela idade, sabia muito bem o que ele estava sentindo. Mas, infelizmente, já havia passado dessa fase. Aprendi que com um tempo a coragem vai se diluindo com as perdas, fracassos e, o receio vai ocupando seu espaço. Isso é o que muitos adultos chamam de juízo, mas para mim é só medo de quebrar a cara outra vez. Finalmente estava pronta, assim como as malas e o meu filho. O Uber já estava à nossa espera. Respirei fundo tentando trazer de volta a coragem que um dia tive. Estava certa de que teria que encarar uma nova vida e não seria fácil, mas continuar com essa não dava mais para mim. — Então, mãe, vamos? — Vamos. Confiante abracei meu filho e juntos seguimos. Por algum motivo um sentimento de esperança preencheu meu coração, eu não deveria pensar nisso, mas seria impossível viver no Brasil e não colocar um ponto final naquela história. Independentemente do que acontecesse, eu estava ansiosa.
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