O desastre que fora o meu feriado de Ação de Graças ainda estava entalado em minha garganta: eu não estava feliz, nem mesmo em um único segundo, mas estava sorrindo e sendo a melhor anfitriã possível para os meus convidados. James sabia que eu faria isso, e não se esforçou, nem mesmo um pouco, para melhorar o clima tenso entre nós dois, pelo contrário, por diversas vezes ele repetiu ao pai e ao irmão que eu tinha uma vida muito boa e que deveria agradecer pro ter o marido que eu tinha.
As crianças ainda são pequenas, com exceção de Benjamin, que parece pegar no ar qualquer coisa estranha, os mais novos nem mesmo percebiam que alguma coisa estava errada. O hematoma em meu rosto, semanas antes, eu havia disfarçado diariamente com maquiagem e agora, sentia-me feliz por ao menos, não precisar mais fazer isso.
James voltou para a cidade na segunda pela manhã. O frio começava a ficar mais e mais intenso e eu sabia que tinha outra missão pela frente: compras de Natal. Mesmo não estando – nem um pouco – no clima natalino, eu sabia que precisava seguir minhas próprias tradições, pelas crianças.
Dirigi até o centro de Napperville para começar a minha peregrinação: eu sabia exatamente o que cada um dos meus pequenos esperava ganhar, e se um cartão de crédito com limite estratosférico era tudo o que eu teria do meu marido, eu o aproveitaria. Pouco eu tinha andado quando o ronco, já conhecido, da moto de Dom interrompeu os meus passos instantaneamente. Eu o vi parar meio quarteirão na frente e vir sorrindo em minha direção:
- Mel – ele diz animado – tem tempo para um café?
- Ah, eu não sei – eu pensei nos nossos últimos encontros.
- Na cafeteria – ele riu – acho que eu tenho uma coisa boa para você.
- Certo – concordei.
Entramos e fizemos o nosso pedido, logo dom estava nervoso e agitado:
- Um emprego – ele diz enfim – na escola onde trabalho. Estão selecionando alguém para o departamento financeiro, com experiência em fluxos e em demonstrativos para acionistas.
- Nossa – aquilo era como um balde de água fria, nunca imaginaria – eu não pensei sobre trabalho.
- Pois então – ele sorriu – trate de pensar, o processo seletivo está aberto e você pode trabalhar, ao menos alguns dias da semana, em home office.
- Parece incrível – eu disse já sonhando com a possibilidade.
- Pensei que gostaria – ele sorri.
- Obrigada Dom, de verdade.
Conversamos por mais alguns minutos e ele disse que precisava voltar ao trabalho. Eu mesma, precisava voltar às minhas compras, mas fiz isso com a minha cabeça funcionando sem parar: com um emprego, as coisas iam mudar de figura, ao menos um pouco. Voltei para casa de imediato e preparei meu currículo, enviando para o email que Dom havia me passado.
Com o passar da semana, eu quase me esqueci do emprego, ao menos até receber uma ligação telefônica no fim da tarde de quarta-feira, agendando uma entrevista comigo para a manhã de quinta: era a minha chance de brilhar. Busquei uma roupa adequada no closet, ensaiei respostas para as perguntas mais básicas e comuns... Dormi cedo, e descansei: não queria chegar para a entrevista com a expressão exausta que eu vinha carregando nos últimos tempos.
A entrevista foi tranquila, quer dizer, eles nem mesmo imaginavam receber um currículo tão bom quanto o meu, conforme os recrutadores, havia sido uma “grata surpresa” e eles reiteraram que inclusive, pensariam em uma proposta melhor, caso eu fosse selecionada.
Encontrei com Dom no corredor da escola, assim que sai da entrevista:
- Como foi, Mel? – ele pergunta ansioso
- Aparentemente, fui bem – eu respondo – esperar pelo resultado.
- Sabe que vai ser bom para você, não sabe? – ele pega minha mão e logo a solta.
- Sim – eu digo sorrindo – eu sei.
- Andou sumida – ele diz.
- Um pouco – respondo num suspiro.
- Café amanhã – ele volta a pegar minha mão e para beija-la com delicadeza – lugar de sempre, dez horas.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele saiu andando e eu, sai rindo na direção oposta, saindo para o estacionamento. Telefonei para Jenny ao sair da escola, ela estudara lá por um tempo, e eu achei legal dizer que tinha lembrado dela. Combinei de visita-la na segunda pela manhã, assim poderíamos conversar com mais calma e sem crianças – ou bebês nascendo.
Me peguei ansiosa pensando no encontro que eu teria com Dom na manhã seguinte. Organizei a casa e preparei o jantar. O inverno nitidamente se aproximava e eu ainda tinha a missão de decorar a casa para o Natal: as crianças não me perdoariam se eu não o fizesse. Consegui colocar todos na cama cedo, levantar sem atraso e sair no horário pretendido, em direção ao centro comercial.
Novamente – como eu percebi que seria de praxe – não conversávamos, não dizíamos nada, ele apenas entregava-me o capacete e saímos em sua moto.
- Decoração natalina? – eu disse assim que encontrei caixas de papelão sobre a mesa de centro.
- Sim – ele respondeu – achei que seria legal se você me ajudasse com isso.
- Tá brincando? – eu digo rindo.
- Não – ele sorri de volta e se aproxima de mim, enfiando uma touca em minha cabeça – vamos lá, Mel, eu sei que você adora isso!
Passei as quatro horas mais divertidas dos últimos anos! Entre cafés e chocolates quentes carregados de marshmallow, Dom e eu decoramos toda a cabana – eu nem mesmo sei como ele tinha acumulado tantos enfeites – e sim, ele tinha guardado as bolinhas que pintamos com nossos nomes em tinta relevo dourada, para a casa da mãe dele, anos antes.
- Você guardou – eu digo sorrindo.
- Óbvio – ele riu – e você? Guardou as suas? – ele pergunta.
- Sim – respondo – ainda estão na caixa...
- Mas não vai poder colocar na sua árvore esse ano – ele riu.
- Provavelmente vai ficar estranho – eu digo.
- Eu pensei que sim – ele riu – por isso, eu tive uma ideia melhor...
- Melhor? – pergunto.
- Sim – ele me entrega uma caixa com quatro bolas vermelhas e uma tinta relevo dourada – você faz novas, para você e os pequenos e aí, quando olhar para elas, lembra de mim!
- Obrigada por isso – eu o abraço apertado.
- Agora que recuperou o seu espírito natalino – ele brinca – preciso levar você de volta.
No estacionamento, ele se ateve a dizer que esperava, no mínimo, fotos da decoração já que agora havíamos trocado os números de telefone e lembrou-me que a receita do melhor chocolate quente – o da mãe dele – eu tinha anotado atrás da caixa de lâmpadas para a árvore, no ano de 2003 e aquilo me fez rir durante todo o percurso de volta para casa.
Parei em uma loja no centro e fiz algumas compras natalinas: sim, com toda a certeza, Dom tinha me feito recuperar o meu espírito natalino com aquela ideia maluca de decorar a cabana comigo, e eu me sentia estranhamente bem com aquilo: era uma coisa que nós costumávamos fazer juntos...