Peguei as crianças na escola e corri para casa: de repente eu estava tão empolgada com o Natal que eu quase esqueci de todos os meus problemas. Dom esteve comigo, através do celular, quase o tempo todo. Concentrei minha atenção em algumas coisas enquanto as crianças descobriam os enfeites: da casa, de nossa antiga casa e os que eu havia comprado. Pintamos nossos nomes nas bolinhas que Dom havia presenteado e sim, quando peguei a caixinha com as luzes, a receita ainda estava lá, escrita com caneta cor de rosa e ao lado tinha um coração que Dom tinha desenhado. Lembro que mamãe ficou furiosa por termos riscado na caixa, mas acho que a lembrança boa daquele momento, valeu a bronca que levamos.
- O que é? - perguntou Ben.
- Essa é a receita do melhor chocolate quente do mundo todo - eu digo com lágrimas nos olhos.
- E quem faz? - perguntou Elle.
- Talvez eu saiba fazer - eu digo - mas quem faz com maestria, é a Sra. Delaney.
- Tia Sarah? - pergunta Ben.
- Ela mesma - eu digo sorrindo - e quando eu era pequena, eu montava os enfeites de Natal com os Delaney, e o Dominic, ajudava aqui em casa com os nossos, e ela sempre fazia chocolate quente.
As crianças pareciam encantadas, e não sossegaram enquanto eu não fui para cozinha para preparar. Claro que eu tinha comprado os marshmallows e que Dom me assessorou pelo telefone antes que eu começasse, mas no fim das contas, deu certo e todos ficamos felizes e quentinhos.
Nossa decoração estava ficando boa: árvore, meias na lareira, presépio... Eu queria lâmpadas para colocar no quintal ainda, e trocar as capas das almofadas do sofá, tudo isso era parte do Natal, até mesmo as canecas de louça em formato de cabeça de rena, com os chifrinhos quebrados que haviam lá em casa: duas na minha e duas na casa dos Delaney. Aquilo lembrou-me que mamãe e Sarah eram bem próximas, e que possivelmente, Sarah perdera uma amiga quando minha mãe decidiu voltar ao Brasil.
- Obrigada - eu disse à Dom no telefone, antes de dormir, enquanto conversávamos por chamada de vídeo.
- Não me agradeça - ele sorriu bobo, ainda estava ao lado da árvore de Natal.
- Sim, eu agradeço - suspiro - acho que se não fosse por você eu teria perdido algumas coisas hoje - eu digo.
- Não estava no clima - ele diz - eu entendo. Que bom que ajudei.
- Ajudou muito - eu digo - e o meu chocolate quente ficou ótimo.
- Tudo bem, eu acredito - ele riu - semana que vem vamos assar biscoitos.
- Não - eu digo rindo, não conseguia me imaginar dividindo uma cozinha com Dom, ao menos não para fazer biscoitos.
- Sim - ele insiste - na casa da mamãe, ela estava louca para convidar você e as crianças...
Conversamos mais um pouco e ele disse que Sarah não aceitaria não como resposta, e aquilo me fez pensar em quantas vezes eu sentei no balcão da cozinha dos Delaney para confeitar biscoitos com Dom, e aquilo me transportou para um dos nossos últimos anos juntos:
- Está torto - Dom disse empurrando um pouquinho mais o glacê branco em meu floco de neve com um palito.
- Está bom - eu digo, não estou com muita paciência naquele dia.
- Vai usar o azul? - ele pergunta sorrindo.
- Não - eu digo desinteressada.
- Qual é o seu problema? - ele larga a colher e me encara.
- Não consigo - solto meu biscoito na bancada - perdi o meu pai, minha vida tá uma d***a, Dom - eu digo chorando - não consigo pensar em biscoitos...
- Por isso que deve pensar - Sarah veio com outra fornada e largou sobre o fogão, caminhando lentamente em minha direção - quando as coisas parecem mais complicadas, precisamos ter alguma coisa para nos agarrar... É quase Natal - ela diz rindo - então sim, precisamos de biscoitos, independente do que esteja acontecendo.
- Não me parece certo - eu diga fungando enquanto ela e Dom me abraçam.
- Seu pai acharia certo cancelar o Natal? - ela pergunta.
- Não - eu respondo - ele amava o Natal, principalmente com neve - completo.
- Esse ano teremos um lindo Natal com neve e o seu pai, vai estar conosco, em nossos corações, certo? - Sarah disse
Eu devia ter quinze anos, o primeiro Natal sem o papai e era muito recente a perda. Aquilo me incomodou um pouco, porque em minha lembrança doía tanto, e hoje em dia, parecia nem mesmo doer mais, aquela dor era uma pequena parte de todas as coisas que deixamos para trás, algumas, sem nem mesmo perceber...