Se eu pensasse, ao menos um pouquinho, em todo o contexto geral, eu jamais teria me colocado naquela situação assim como jamais teria colocado Dom naquela situação. Eu o conhecia desde quando ele era apenas um bebê e eu tinha certeza de que coisas como as que haviam acontecido naquela cabana no meio da floresta, poderiam sim, colocar muitas coisas em risco, para mim e também para o Dom.
Eu tentei, de verdade, fingir normalidade. Quem é que não tentaria? Eu precisava voltar para casa, lavar uns pratos, organizar as coisas... Mas eu ainda estava ali, praticamente presa a um momento como se toda a minha felicidade dependesse dele.
Os cabelos castanho escuros encaracolados, sempre despenteados e parecendo compridos demais, ele sorria enquanto dormia... Quantas pessoas eu realmente observei dormindo ao meu lado? Seria aquele um dos momentos que passariam pela minha cabeça, como um filme, nos meus momentos finais? Eu certamente morreria imensamente feliz, naquele momento, eu não conseguia imaginar ter me sentido mais plena e segura do que deitada ao lado dele, vendo-o dormir. Voltei a realidade logo que lembrei-me de todo o resto da minha vida: eu ainda era casada, ainda era mãe de três filhos com uma casa e todo o resto para cuidar, e eu precisava ir embora, assim, eu tentei sair da cama sem acordá-lo, mas foi uma tentativa falha, logo ele virou-se e puxou-me de volta para a cama com força, beijando meu pescoço em seguida:
- Eu não posso acreditar que você ia fugir de mim – ele diz rindo – mais uma vez.
- Uhm – eu aconchego-me em seus braços, era difícil demais de resistir – eu não pretendia fugir – respondo deslizando os dedos por seu antebraço, redesenhando uma de suas tatuagens – mas você sabe que eu preciso ir embora.
- Está chovendo – ele diz e morde meu pescoço – devia ficar um pouco mais...
- Não posso – respondo – de verdade, eu preciso ir – encaro o relógio sobre a mesa de cabeceira – se eu não for agora, eu vou acabar me atrasando.
- Tudo bem – ele brincou um pouco mais com meus cabelos – sabe que eu não concordo, mas eu vou levar você de volta dessa vez... Mas vai chegar um dia, que eu não vou mais levar você – ele ri – vou trazer você para essa cabana e você vai viver feliz para sempre aqui ao meu lado...
Depois que Dominic me deixou no estacionamento do Shopping, como de costume, eu andei pelas lojas comprando uma ou outra besteira que precisava para casa e antes de voltar, em definitivo, para a minha deprimente e triste vida real, eu acabei passando no supermercado para abastecer a despensa também. Eu sabia que o meu comportamento era totalmente intolerável e inadequado mas, ainda assim, uma parte de mim que ainda se considerava livre, tentava me lembrar que eu era a única responsável pela minha felicidade e que se ela estivesse naquela cabana, com o Dom, eu precisava parar tudo o que eu estava fazendo e ir atrás dela.
E os meus filhos? - eu me perguntava enquanto caminhava lentamente pelos corredores do supermercado - Como é que eu vou ensinar algum valor à eles quando eu mesma não fui capaz de controlar os meus impulsos? Como explicar-lhes o que é certo e o que é errado, quando eu mesma estou cometendo um imenso erro? Como eu olharia para eles de novo? Como eu os encararia depois do que eu havia feito?
Quando dei por mim, eu estava parada, no meio do supermercado, chorando copiosa com as mãos agarrando a barra do carrinho de compras. Que situação vergonhosa... O que é que pensariam de mim?
- Mel? - uma voz feminina, vinda de trás de mim se aproximava - É você?
- Ahn? - resmungo ao me virar para trás e me deparar com Jenny.
- Ah, querida - ela simplesmente larga o seu carrinho de compras e me abraça apertado - o que foi que aconteceu?
- Nada - respondo - eu só... Não estou em um bom dia e eu acho que esqueci da lista do supermercado em casa - minto - bobagem - seco o rosto com a parte de trás das mãos, nervosa - sabe como é, aqueles dias em que tudo parece dar errado...
- Sim - ela sorri bondosa - quem sabe tomamos um café e você se acalma um pouco?
- Ah, eu estou bem - outra mentira - eu só... Vou até em casa e pego a lista.
- Ótimo - ela solta o carrinho - vou com você, tomamos um café e voltamos ao supermercado.
- Não vou incomodar você, Jenny - eu digo - deve estar na correria...
- Me salve - ela diz rindo - vem, vamos - ela me pega pela mão e sorri - nós duas estamos realmente precisando disso.
Não voltei a protestar: eu sabia que Jenny tinha razão quanto à eu precisar de alguma atenção, ajuda, conversa e ao mesmo tempo, detestava ela, porque queria ficar sozinha e tentar absorver as coisas que estavam acontecendo. No fim das contas, acabei aceitando de bom grado a companhia dela, ainda estava cedo e aqueles momentos com ela, poderiam fazer com que eu me sentisse melhor depois do que havia feito e ainda, poderiam mudar a minha expressão carregada de culpa.
Assim que chegamos até a minha casa, fomos para a cozinha e preparamos um café na cafeteira chique e cheia de funções que James havia comprado para mim, anos antes, no Natal. Acho que havia sido um dos poucos presentes que eu realmente havia gostado, ele tinha o costume de me dar coisas que nunca encontrava oportunidade de usar, como joias caras e bolsas de grife. Não que eu não gostasse delas, mas ninguém usa brincos de diamante e bolsas Chanel para ir fazer compras no supermercado do bairro em uma tarde de quinta feira, não é mesmo? Então, era um pouco s*******o e eu logo pensei que talvez as sugestões viessem de suas amantes jovens e exibidas, que ainda deviam dizer o tanto de sorte que eu tinha por ter um marido tão bom que ainda me desse bons presentes como aqueles.
Minha cabeça estava tão bagunçada que eu quase me esqueci que Jenny estava ali comigo ou que eu havia ido em casa para buscar a minha lista de compras que deveria estar em algum lugar daquele caos chamado cozinha.