Mesmo que eu quase estivesse me esquecendo, Jenny ainda estava em minha casa, em minha cozinha. Eu não quis nem mesmo pegar o telefone celular perto dela, afinal, não queria que ela acabasse vendo alguma coisa como mensagens de textos de Dom ou ligações estranhas. Também não queria atender meu marido, caso ele estivesse telefonando, e como no fundo ele não se importava muito, eu sabia que o melhor que eu tinha a fazer, era ignorar aquela chamada.
- Não vai atender? - ela pergunta.
- Não - eu respondo - acho que nós duas sabemos que eu não estou em um bom momento, não quero conversar no telefone.
- Vai me contar o que é que está acontecendo? - ela pergunta.
- Muitas coisas estão acontecendo - eu confesso - com o James e comigo, essa coisa de ficar longe, sabe? Acho que podemos não ter pensado direito à respeito.
- A distância é um pouco complicada, mas ele não vem para cá com certa frequência? - ela pergunta.
- Sim - respondo - e as vezes eu mesma vou até a cidade...
- Eu não consigo saber do que é que você está reclamando, mulher - ela sorri - é provisório, querida, quando James assumir uma posição mais segura, sabe que ele vai trabalhar menos e que vai ter bem mais tempo para você, não se preocupe.
Concordei apenas para não precisar discordar, aí estava um dos talentos que eu havia desenvolvido no meu casamento. Toda a vez que eu estava cansada demais para discutir ou argumentar - o que frequentemente acontecia, dadas às condições em que James e eu vivíamos - eu apenas dizia um "aham" longo e lento ou um "uhum" qualquer e encerrava, pelo menos por um tempo, aquele assunto. Não era a solução, mas servia com James, serviria com Jenny também, somente para que eu não precisasse me explicar muito.
Ela falou incessantemente, o que me fez, muito rapidamente, lembrar que um dos motivos pelos quais eu havia deixado de ser a melhor amiga da Jenny era esse: absolutamente tudo no mundo, precisava ser sobre ela. Se eu estivesse com um problema, como de fato eu estava, se ela soubesse disso, ela certamente acabaria tendo um problema ainda maior e, definitivamente, eu não estava com cabeça alguma para esses melodramas da pobre dona de casa do subúrbio que se sente sozinha enquanto o marido trabalha há três ou quatro quarteirões dela, na empresa da família.
- Porque você conhece o Gregor - ela continua - ele tem aquele temperamento explosivo e não pensa muito antes de falar ou agir ...
- Pode acreditar que eu conheço - respondo sem dar muita importância: Gregor era o cara que tinha acabado com a minha reputação na escola e por causa dele eu havia chorado por três dias e tudo o que me deixava um pouquinho melhor era a companhia de um garoto magrelo e franzino e os chocolates que ele insistentemente contrabandeava para o meu quarto.
- Então - ela sorri - como é que eu vou dar conta de tudo, não é?
- Verdade - achei um fio da conversa para dizer algo mais coerente e que, com sorte, consolaria aquela mulher - a verdade, Jenny, é que não precisamos dar conta de tudo.
- Falou a gata que tem três filhos e ainda trabalha fora - ela diz um pouco decepcionada.
- Mulher - eu a encaro - eu já estive aí. Eu já fui a mãe com os bebês pequenos, a que precisava dar conta de tudo, a que não conseguia nem mesmo lavar os próprios cabelos. Mas quer saber? Isso tudo passa. Os bebês crescem, a gente começa a perceber o que é necessário e o que não é e no fim, conseguimos equilibrar as coisas - isso parecia adulto e coerente, gostei - além do mais, precisamos das válvulas de escape.
- Válvulas de escape? - ela pergunta, curiosa.
- Sim - eu respondo rindo - um café no meio da tarde com uma amiga querida, ou uma noite qualquer de bebedeira com o pessoal do tempo da escola - suspiro - é o que nos mantém sem surtar, por um tempo.
Acho que serviu para ela. Jenny agradeceu imensamente pela minha companhia e pelos meus conselhos. Claro que eu não me referia bem à aquilo que eu falei para ela, como válvula de escape, e sim, Dom. Dom sempre fora o meu ponto de equilíbrio no meio de todo o caos. Tudo podia desabar, mas ainda tinha ele... Até que não tinha mais. E agora tinha novamente.
Consegui, finalmente, voltar ao supermercado e fazer as compras. Eu costumava detestar fazer compras mas, naquele momento, não havia absolutamente mais nada que eu quisesse tanto fazer do que as compras do mês.
Andei lentamente pelas gôndolas e prateleiras e coloquei as coisas no carrinho com uma ordem quase que metódica. Era esquisito pensar mas, enquanto eu organizava as compras no carrinho, colocava, ao menos um pouquinho, a minha cabeça em ordem. Me lembrei do telefone que havia tocado mais cedo e o peguei, rezando para não ser uma mensagem de James dizendo que chegaria para o jantar.
James: Onde você está?
Mel: Supermercado. Não ouvi o telefone. Tudo bem aí?
James: Ah, certo... Fiquei preocupado. Tudo bem sim e aí? Já pegou as crianças?
Mel: Busco eles em meia hora. Precisa de alguma coisa?
James: Atende, eu vou te ligar.
Espero pacientemente pela ligação de James. Estava detestando cada vez mais falar com ele, ao vivo ou por telefone, até mesmo por mensagens... Como que o nosso príncipe encantado se transforma em um sapo com o passar dos anos? O tele toca e eu prontamente atendo: vou acabar com isso o mais rápido possível.
- Oi - eu digo tentando parecer natural e animada.
- Oi, Mel - ele diz - olha só, houve um imprevisto aqui no trabalho... Eu vou precisar fazer uma viagem para Los Angeles. Algo como uns cinco ou seis dias.
- Ahn, tudo bem - respondo instintivamente - você precisa de alguma coisa?
- Sim - ele responde - eu gostaria que pegasse algumas coisas minhas em casa, e trouxesse até a cidade amanhã... Ainda vai estar de folga no trabalho, não vai?
- Vou sim - respondo - pode me mandar por mensagem o que precisa?
- Claro - ele responde - quer que eu mande a babbácuidar das crianças e você passa a noite comigo amanhã?
- Preciso trabalhar - respondo - meu último dia de folga é amanhã, preciso estar de volta aqui muito cedo para que dê certo.
- Que pena - ele diz, mas eu sei, assim como ele, que não passar a noite com ele não é bem um problema para nenhum de nós dois.
Me despeço de James enquanto termino as compras. Sei que vou predcisar sair do supermercado e ir correndo buscar as crianças, mas estou bem com isso, aparentemente, não tem muita coisa que vá abalar a minha paz mais do que ela já está abalada com todos os acontecimentos do meu dia.