Um mínimo de ordem para viver

1597 Words
Assim que voltei para casa, depois de finalmente buscar as criaças na escola, eu sabia que teria pouco tempo até que James telefonasse e então, eu acabaria preciasando acelerar um pouco a minha organização em casa. Comecei mandando o filho mais velho para o banho e enfiando os mais novos na banheira enquanto guardava as compras de higiene e também alguns itens de primeiros socorros que eu havia pegado na farmácia para repôr em casa e prometi a mim mesma que eu não inventaria nada muito complicado e complexo para o jantar, porque eu precisava descansar - e muito. Acabei organizando um pouco as coisas no quarto das crianças enquanto vestia e penteava eles. Eu amava meus filhos, mas sinceramente, depois de tudo o que havia acontecido naquele dia, eu nãoo estava com muita cabeça e nem com muita paciência: - Mãe - Benjamin é quem chama, da porta do quarto da sua irmã mais nova. - Oi filho - eu digo tentando focar na nossa conversa - precisa de alguma coisa? - Sim - ele diz - tem um evento na escola, do football... - Ah, entendo - respondo sorrindo - e o que a mamãe pode fazer? - Basicamente - ele entra no quarto e me entrega um bilhete da escola - assinar o bilhete e me levar lá no sábado... - Sério? - eu aperto as bochechinhas dele e sorrio - Sabe que eu faria qualquer outra coisa... - Sim, eu sei - ele sorri - ia ser bem legal se o papai fosse também - ele diz - e se vocês não brigassem nesse dia... - Entendo - digo e assino o bilhete que dizia que haveria uma seleção para o time principal e concordo - sim, pequeno, ia ser bom que o seu pai estivesse lá. Eu prometo conversar com ele e prometo que não vamos discutir, caso ele consiga vir, certo? - Obrigada mãe - Ben agradece e logo já está correndo em direção à saída. Eu esqueci completamente da viagem que James falara mais cedo, então, ele com certeza não estaria na seleção para o time, no sábado. Deixei o tempo passar e eu recobrar o meu juízo perfeito antes de contar isso ao Benjamin, ele com certeza ficaria bem chatgeado. Eu mesma tentei me manter focada, eu juro que eu tentei. Desci as escadas e fui para a cozinha, onde, com a ajuda de Benjamin, eu coloquei todas as compras em seus devidos lugares e organizei a despensa e a lavanderia, afinal, o novo ano estava começando e eu precisava de um mínimo de ordem para viver, ainda mais se eu quisesse conciliar um marido ausente, três filhos pequenos e um amante. Assim que James enviou a mensagem que pedia por mais dois ternos, outro par de sapatos a algumas camisas, eu comecei a preparar a mala que levaria para ele no dia seguinte. Ben entrou no quarto e eu acabei contando-lhe sobre a viagem, dizendo que sentia muito e ele apenas respondeu com um "tudo bem, eu já sabia que ele acabaria não indo... ele nunca pode ir" seguido de um "mas eu estou feliz que você vá" e então, eu bolei um plano rapidamente: deixaria os pequenos com a babá e dedicaria o sábado apenas à Benjamin, o meu primogênito. Ben adorava uma programação especial e também, adorava atenção exclusiva. Se eu fosse sozinha para o evento dele e depois fizessemos alguma coisa sem os irmãos - como um sorvete, compras ou mesmo um café - ele já se sentiria extremamente importante e amado, e esse era o tipo de coisa que eu não negaria ao meu filho nunca, jamais. Acabamos jantado lasanha congelada, arroz e vegetais salteados. Ben jogou com os irmãos na sala enquanto preparei o jantar e apenas quando todos haviam comido e os pratos estavam na lava-louças, é que eu tive um pouco de tempo para mim: sentei no sofá da sala com uma taça de gin tônica enquanto meus filhos brincavam e assisti um pouco de televisão - desenhos, no caso, não pensem que uma mãe de três crianças tem muito direito de escolher programação... Ainda assim, foi o suficiente para me distrair um pouco. Coloquei as crianças na cama, pontualmente, às nove horas da noite. Eu estava me dedicando em cumprir os horários para que nenhum pequeno ser humano sonolento perturbasse o andamento da rotina de todos com protestos, birras e reclamações: todos precisavam dormir e descansar para estarem bem dispostos na manhã seguinte, inclusive eu mesma, que me enfiei na banheira cheia de água morna tão logo pude, com outra taça de gin tônica e o telefone celular em mãos, afinal, eu precisava controlar os pequenos, ao menos pela babá eletrônica, caso algum não estivesse realmente dormindo ainda e começasse a agitar demais. Mal eu havia me acomodado, mergulhada na água quentinha e envolta no aroma de lavandas, quando o meu telefone tocou. Eu havia passado o resto do dia, desde que havíamos nos separado naquele maldito estacionamento do centro comercial, sem ter absolutamente nenhuma notícia de Dom, e sinceramente, eu acreditava que depois de tanto tempo e tantas coisas acontecendo, que ele estava tão confuso quanto eu, ou ainda mais do que eu... Dom era o cara sensível, era ela quem percebia toda e qualquer anormalidade ou mínima perturbação da paz e principalmente, era ele quem costumava abalar-se com todas as mudanças: - Oi – eu digo, ainda que falando baixo com medo de acordar um dos pequenos que aparentemente, dormiam em paz. - Estou atrapalhando? – ele pergunta nervoso – Quer dizer, você pode falar agora? - Não – eu respondo – quer dizer, não está atrapalhando... Eu posso falar agora, sim... - Certo – ele suspira – e como é que você está, Mel? - Eu estou bem – eu respondo – e você? Como está? - Você sabe bem como é que eu estou – ele ri – confuso, extasiado, realizado, preocupado... Sinto tantas coisas que eu nem sei por onde é que eu deveria começar a me explicar. - Acho que estamos bem parecidos nesse quesito – eu digo – em casa? - Não – ele responde – pra ser sincero, eu estou fumando um cigarro enquanto encaro a janela do seu quarto. Luz acesa... - Que medo de você – eu digo brincando. - Sou um bom perseguidor – ele ri – com tempo para um drinque antes de dormir? - Drinque? – eu pergunto confusa. - Sim – ele ri – encontrei uma garrafa de Martini aqui no meu antigo quarto... - Tudo bem – eu respondo – vou só sair do banho e vestir alguma coisa. Te encontro na varanda? - Sim – ele ri – como nos velhos tempos... Antigamente, quando éramos jovens – e bobos – roubávamos bebidas de uma casa ou de outra e bebíamos na varanda, com as garrafas escondidas atrás dos grandes vasos de plantas que minha mãe tinha. Claro que não precisávamos esconder nada, mas achamos graça da ideia e quando eu saí para encontra-lo, eu carregava dois copos plásticos grandes e coloridos, com canudos retorcidos, que eram bem do tipo que usávamos, fingindo estar tomando refrigerantes, para camuflar doses de álcool contrabandeado. Sentados no chão da varanda, Dom e eu tínhamos dividido tantas coisas ao longo de nossas vidas e agora, dividíamos as nossas culpas: - Sabe que o que eu fiz foi errado, não sabe? – ele pergunta sem me olhar nos olhos, encarando o portão de madeira branca, metros na nossa frente. - E o que eu fiz? – pergunto – Por um acaso foi certo o que eu fiz, Dominic? - Não me chama de Dominic – ele ri – sabe que eu odeio quando faz isso... - Porque é que odeia tanto? – pergunto rindo. - Faz com que eu me sinta ainda mais t**o do que eu normalmente já sou – ele suspira – vamos, seja boazinha, apenas Dom... - Tudo bem – dou de ombros e olho para ele: o tempo que para mim, tinha sido um inimigo c***l, tinha feito dele um homem lindo, ainda mais lindo do que eu poderia imaginar quando deixei tudo para trás – nós dois erramos... O que é que nós vamos fazer sobre isso? - O que é que você quer que eu faça sobre isso? – ele pergunta e naquele instante eu percebi o quanto eu era uma pessoa r**m, c***l e irresponsável: Dom estava ali, totalmente disposto a fazer o que eu quisesse... E eu? Era uma mulher casada, que possivelmente nunca na vida teria coragem de deixar o meu marido. - Eu não sei – respondo com toda a sinceridade do mundo e com toda a coragem que eu consigo reunir – de verdade, Dom, eu não tenho a menor ideia do que é que vamos fazer a respeito disso. - Tudo bem – ele sorri e logo beija a minha testa, levantando-se em seguida – eu vou te dar tempo para pensar a respeito, para decidir o que quer fazer e o que é melhor para você. E se quiser me ver ou se precisar conversar, sabe onde me encontrar e sabe que pode me telefonar, não sabe? - Claro que eu sei – respondo. E assim, Dominic se foi e me deixou com aquela garrafa de Martini no fim, sentada no chão duro da varanda encarando o tempo que começava a se fechar, preparando-se para outra nevasca. Recolhi o cobertor no qual estávamos enrolados e voltei para dentro, para a minha casa quentinha, para a minha vida...
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