O fim do fim de semana

1230 Words
            Quando o dia amanheceu claro e ensolarado, e eu pude apreciar essa beleza da imensa porta janela envidraçada no antigo quarto da minha mãe, eu tive certeza absoluta de que eu havia feito a escolha certa. Tomei um banho demorado, vesti uma roupa confortável e desci as escadas, sabia que logo James estaria em casa com os meninos e tinha razão: eu m*l colocara água na cafeteira e ouvi o carro na garagem. - Bom dia - Ben foi o primeiro a entrar carregando sacolas de comprar - estava com saudades - ele me abraça e eu beijo sua testa. - Bom dia - eu digo - fiquei com saudades também, como foi o passeio com o papai?  - Foi bom - ele diz dando um leve sorriso - acho que a Elle se divertiu bastante.  - E você? - pergunto - Divertiu-se? - Não gosto tanto de parques - ele ri nervoso - mas tá tudo bem...  - Certo - eu sabia que ele não gostava de parques: meu Ben tinha medo de altura desde sempre.              Logo os outros entraram na cozinha aos gritos e em meio à uma discussão sobre super heróis que eu não entendi direito, mas eles m*l me dirigiram a palavra e foram procurar por Ben que já os aguardava pacientemente.  - Bom dia - James aproxima-se beijando delicadamente meus lábios - alguém trabalhou muito, pelo visto.  - Sim - eu sorria - bom dia, querido, acho que trabalhei, mas está valendo a pena.  - Com certeza - ele concorda, o que não é normal - conseguiu a equipe de limpeza que estava procurando? - Sim eles vêm amanhã cedo - respondo.  - Perfeito - ele comemora.  - E o trabalho, como foi? - pergunto, mesmo sem querer saber, eu sabia que ele gostava de falar.  - Normal - ele responde e começa a ajudar-me à por a mesa - vai querer que o caminhão traga a mudança quando? - Quarta - eu respondo - quarta é um bom dia.  - E as crianças? - ele pergunta - Está com tudo certo para a escola?  - Sim - respondo - eu estou sim, só preciso comprar o material escolar e algumas roupas...  - Certo - ele enfia a mão no bolso e tira da carteira um cartão novo - acho que este é seu - ele pisca o olho - você pode colocar tudo o que precisar para você e as crianças no débito.  - Obrigada - respondo e o guardo em meu próprio bolso, sabia que acabara de ser comprada, ao menos por um tempo.              Apesar de detestar a parte onde um cartão de débito ou crédito encerravam qualquer conversa sobre qualquer coisa que eu precisasse fazer, naquele dia eu me senti um pouco aliviada: não queria conversar com James, muito menos discutir com ele. Eu queria a paz de estar em casa e se possível, sem ser incomodada com nada.              James contou-me seu plano: ficaria em casa até a manhã seguinte e sairia cedo para a cidade, poderíamos tomar sorvete no fim da tarde e jantar todos juntos, ele colocaria as crianças na cama e na manhã seguinte, ia trabalhar, prometeu ainda que estaria em casa no fim da tarde de quarta feira, e assistiríamos ao jogo de football que Ben queria ver - e isso porque sentiu culpa por não ter lembrado das fobias do pequeno ao leva-lo ao parque e sim, tudo parecia perfeito, e eu sentia-me feliz: eu tinha a capacidade de ficar feliz com poucas coisas, e assim que eu estava me sentindo até o telefone de James tocar: uma vez, duas vez, três vezes...             Eu poderia ter ignorado - e eu juro por tudo o que há de mais sagrado no mundo: eu tentei ignorar, de todas as formas, porém, em um certo momento, James pegou o telefone e saiu para atender no quintal. Eu estava acostumada à isso, mas naquele dia, a minha reação foi movida por algo que estava além do meu controle: eu fui tirar satisfações, pela atitude de Benjamin, no exato momento em que percebeu o pai saindo parra atender o telefone: - O que está acontecendo? - ele pergunta olhando para o quintal.  - O seu pai deve ter recebido uma ligação do trabalho - eu digo num suspiro.  - Não - Ben responde - hoje é domingo, mãe, fala sério...  - Tudo bem - foi tudo o que eu disse antes de abrir a porta para o quintal e sair andando em direção à James, fechando a porta logo em seguida. Pensei duas vezes, calculei a reação do meu marido e simplesmente cutuquei-o fazendo virar-se um tanto perplexo em minha direção: - O que foi? - ele pergunta num murmuro.  - Quem é? - eu pergunto, e ele sabia do que se tratava.  - Do que está falando? - ele tenta enrolar, é bom nisso.  - No telefone, James - eu digo séria.  - ... ligo para você depois - ele diz e desliga sem despedir-se, me encarando em seguida - está maluca? - Quem era no telefone? - insisto na pergunta, eu ainda não tenho a minha resposta.  - Você sabe bem que eu não lhe devo satisfações - ele diz arrogante.  - Eu ainda sou casada com você - eu respondo num momento de coragem: eu já imaginava o que viria depois, ele gritaria, pegaria as suas coisas e sairia, e no fundo, uma parte de mim queria aquilo, mas a reação dele foi totalmente contrária, ele suspirou, pegou minha mão e a beijou. - Você tem razão - ele diz - isso é errado, eu sinto muito.  - James, eu... - eu queria brigar, uma parte de mim queria gritar e mandá-lo sair dali. - Tudo vai ficar bem - ele abraçou-me e caminhamos juntos de volta para dentro de casa.              Poucas situações em toda a minha vida deixaram-me tão desconfortável como aquele momento: aquilo era quase como o ônibus escolar lotado na manhã depois de t*****r com Gregor, era quase como minha expressão atônita quando Dom havia socado meu ex namorado Steven em frente à árvore de Natal: eu não tinha reação nenhuma.              James realmente ficou em casa naquela noite, ele tratou-me com carinho e amor, colocou as crianças para dormir como se fosse o melhor pai do mundo, e ainda contou para Elle outra história do seu grande livro de histórias, diferente dos outros dias, ele estava disposto e bem humorado e na cama, transamos e estávamos em uma sintonia que há muito tempo eu não conseguia sentir entre nós dois.              O fim do fim de semana foi ainda melhor do que o começo, as coisas simplesmente pareciam ter se resolvido, e quando a segunda feira amanheceu, um sorridente e bem disposto James acordou-me com uma caneca de chá de hortelã e um beijo de bom dia, dizendo-me que voltaria para casa naquela noite, que era bom estar em casa.             Uma parte de mim estava feliz por isso, feliz demais, porque era a vida que eu sempre quisera ter, mas a outra parte de mim, ela estava simplesmente assustada, assustada demais para conseguir esboçar qualquer reação: uma parte de mim estava apavorada, como se eu sentisse que James era capaz de fazer alguma coisa c***l ou assustadora, eu havia lido alguma coisa sobre isso nos livros de psicologia que tivera que ler para um trabalho da faculdade... 
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