A semana novamente chegava ao fim e eu ainda estava processando do quanto era incrível como pequenas reformas ocupavam o nosso tempo e terminavam com o nosso dinheiro. Eu me sentia exausta e esgotada, de todas as formas possíveis e agradeci mentalmente quando, no fim da tarde de sexta feira, os empreiteiros recolheram as suas coisas dizendo-me que tudo estava terminado: agora era com a equipe de limpeza e a minha finalização.
Contratei uma equipe que me prometeu que chegaria na segunda feira pela manhã: o foco era lavar janelas, limpar a chaminé e dedetizar, mas para isso, eu precisava pintar, instalar algumas coisas e ter tudo em ordem, e pensava sobre isso enquanto caminhava distraída pelos corredores da grande loja de ferragens:
- O que exatamente você está procurando, Mel? – Gregor me perguntou enquanto eu andava feito uma barata tonta pela loja: eu buscava paz e sossego, por isso havia deixado as crianças com James na cidade naquele sábado, mas da loja, eu procurava outra coisa, achei graça de meus próprios pensamentos – Preciso de varões para cortinas, e os suportes e parafusos – respondi – e preciso de fita adesiva, aquela para fixar quadros em paredes...
- Certo – ele indicou-me onde estariam os varões de cortina – qual é a medida?
- Duas janelas de dois metros e meio – eu respondo e logo confiro minha listinha – e uma com um vão de três metros e meio, que é longa...
- Tudo bem – ele diz – precisará levar uma reforçada, o peso pode envergar.
- Isso ai é você quem sabe – eu brinco.
- Precisa de ajuda para instalar? – ele diz distraído, mas logo percebe a estranheza da pergunta – Digo, nós temos um rapaz que costuma fazer...
- Eu mesma faço – respondo sorrindo.
- Sempre foi independente – diz Gregor em tom de deboche.
- Ao menos sempre que possível, sim – eu concordo, no fundo eu não queria que Gregor pensasse que eu ainda era a garotinha que ele havia feito de boba, e isso era estranho, eu me perguntava há quantos anos que eu não tinha aquela atitude, a de querer demonstrar quem eu era de verdade, com James tudo era fácil, ele me apresentava às pessoas como sua esposa, e acredito que todas as pessoas pensassem no quanto eu era sortuda por ter um marido perfeito como ele, e em poder aproveitar os meus filhos por mais tempo em minha grande casa... Nenhum deles sabia de verdade quem eu era e o que eu fazia.
A minha vida de mãe em tempo integral era um furacão: entre as tarefas escolares e as férias de produtos orgânicos, era eu quem fazia pequenos ajustes em todas as roupas, era eu quem consertava algum brinquedo e saia às pressas para comprar pilhas, eu era quem limpava o quintal e trabalhava sozinha na decoração de Natal, e quando os amigos de James chegavam em casa, a maior parte deles, nem imaginava que era eu quem tinha cortado a grama e fixado as floreiras na parede.
Eu fora criada pelo pai para ser uma menina forte, mas eu costumava não demonstrar isso, por isso surpreendi-me comigo mesma, quando fiz questão de contar isso ao Gregor, como quem tentava impressioná-lo... Porque eu tinha feito aquilo?
Já com os produtos dos quais eu precisava dentro do carro, segui para uma grande loja de tintas – e não que não houvessem tintas na loja do Gregor, mas sim por que eu queria ir embora, pois tinha me sentido constrangida com minha atitude e também por que na outra loja tinha mais opções: eu precisava de um tom de cor de rosa muito específico, além de tintas especiais. A manhã de compras e a tarde de trabalho: aquele era o meu planejamento e eu pretendia segui-lo a qualquer custo.
Assim que cheguei de volta em casa e passei pela porta, percebi que dificilmente eu teria sucesso na missão de fazer daquele lugar algo que se parecesse com uma casa – amo menos com a casa que James estava pensando em ter – tudo estava tão bagunçado, com brinquedos e coisas dos meus filhos que eu sinceramente começava a perder as esperanças.
Sentindo-me um tanto derrotada – e quem não se sentiria? – eu tratei de começar pelo básico: recolher os brinquedos de todos e levar para os seus devidos quartos e assim que possível, comecei a pintura do quarto de Elle, e depois o dos meninos... James telefonou-me no fim do dia, havia levado as crianças em um parque e eles estavam exaustos. Perguntou-me se eu iria para a cidade e eu apenas resmunguei que não conseguiria nem mesmo pensar em dirigir e assim, combinamos que ele levaria os pequenos e o café da manhã logo cedo no domingo, para que todos descansassem em paz.
Mas eu não descansaria em paz... Continuei com minha missão até o fim: terminei a pintura – era apenas uma demão de tinta, em paredes sem problemas e peças vazias. No domingo eu poderia preocupar-me com os buracos para as cortinas e tudo mais.
Era tão tarde quando terminei, que apenas tomei um banho e peguei o carro, iria até uma lanchonete, comeria alguma coisa e voltaria para casa para dormir, somente eu e Deus sabíamos o quanto eu estava cansada...
O Paul’s era a lanchonete vinte e quatro horas mais antiga de Napperville, ao menos na minha opinião. O proprietário era falecido há tanto tempo, que o atual gerente era seu neto, que havia sido meu colega na escola: Henry McMilan, naquela época, era um garoto franzino e esquisito, hoje era um homem corpulento e sorridente, que reconheceu-me assim que cheguei:
- Mel – ele diz alegre e vem cumprimentar-me – bom ver você.
- Bom te ver também – respondo tentando parecer empolgada, apesar de exausta – tudo bem?
- Sim – ele responde – soube ontem que estava na cidade, falei com o Gregor e a Jenny...
- Ainda não vi a Jenny, estou tão envolvida com... – mas ele me interrompe.
- A reforma de sua casa? Gregor comentou... – ele sorri – e as crianças?
- Estão bem, estão na cidade, precisava de um tempo sem eles para agilizar as coisas – eu digo e logo vejo que Henry sinaliza para uma garçonete vir atender-me.
- Vou te deixar, eu preciso resolver algumas coisas – ele diz contente – é bom ter você de volta.
Eu também estava feliz de estar de volta, mas a única coisa que eu realmente estava precisando era de comida. Acabei me distraindo com o cardápio e o pedido, mas logo percebi que mais pessoas estavam dentro do restaurante, e Henry falava animado, gesticulando em minha direção, e então, eu o vi: Dom Del, e ele estava caminhando em minha direção: o capacete no braço, a jaqueta de couro e o sorriso mais lindo do mundo todo:
- Oi Mel – ele disse largando o capacete e sentando-se na minha frente – tudo bem?
- Tudo bem – eu digo sem jeito – e com você?
- Estou bem – ele riu – quer dizer, não é sempre que eu venho aqui comer alguma coisa e encontro com você, sozinha e disponível – ele ri – cadê o seu marido?
- Na cidade com as crianças, eu fiquei para terminar a pintura... – respondo.
- Sozinha? – ele ri alto – O seu marido é um b****a – ele coça a barba e me encara – sabe disso, não sabe?
- Dom, eu não classificaria desse modo – eu digo, mas sim, eu sabia que era – acho que ele apenas é diferente daquilo que você idealizou como o meu par perfeito.
- Ele está há mil léguas de distância de ser alguém que eu conseguisse julgar “aceitável” para você – ele disse sério – eu não sei que problema você tem.
- Eu não tenho problemas – eu respondo.
- Claro que tem – ele ri – mas não quero falar deles.
- Eu também não quero – respondo um tanto grosseira – vim comer.
Logo a garçonete traz meu pedido e Dom faz o seu próprio. Henry juntou-se à nós depois de um tempo e conversamos sobre a vida até eu ter certeza de que não conseguia mais manter meus olhos abertos. Despedi-me dos dois e voltei para casa, pensando bastante nas coisas que Dom havia dito e questionando-me se estar de volta era realmente a melhor opção.