Fomos às compras na manhã seguinte, já que o meu dia anterior tinha sido improdutivo e nostálgico, resolvi que aquele seria um dia produtivo: o empreiteiro apareceria no começo da tarde e fariam reformas na cozinha e quartos. O quarto de Ellie, ou seja, o meu antigo quarto, seria repintado, assim como o quarto de hóspedes onde eu acomodaria os meus meninos, e com isso, tínhamos várias decisões para tomar: os tons certos de tinta, todas as estampas floras possíveis e principalmente: qual seria o jantar, já que o almoço havia sido fast food. O telefone tocou perto das seis horas, enquanto eu colocava pedaços de frango para assar no forno:
- Alô? – eu digo assim que atendo.
- Sou eu – reconheço a voz do meu marido ao telefone – pensei em ir até aí.
- Tudo bem – eu concordo sorrindo – eu estou preparando o jantar, vou esperar por você.
- Vou levar um vinho, então – ele diz – amo você.
- Também amo você.
Desliguei o telefone e tentei entender o que estava acontecendo: será que meu marido soubera da visita de Dom? Ou estava arrependido do que havia dito ao telefone? Concentrei-me no jantar e esperei pacientemente pela chegada do meu marido.
- Oi querida – ele disse assim que passou pela porta que eu havia deixado aberta.
- Oi – eu apareci na porta da cozinha – como foi o dia?
- Bom – ele suspira – consegui sair cedo, achei que era bom vir ver como vocês estavam.
- Claro – eu sorrio, mesmo achando a atitude dele estranha.
Nossa conversa é interrompida no mesmo instante pelas crianças que descem correndo as escadas e logo o puxam por ela para mostrar o restante da casa. Volto para a cozinha: o telefone de James toca constantemente, e eu me recuso a olhar para ver quem é, no fundo, eu sei bem que provavelmente é a nova secretária. Ouço ele descendo as escadas e vou mexer em uma caixa, atrás de taças de vinho:
- Encontrou as taças? – ele pergunta já começando a abrir o vinho.
- Sim – eu respondo sorrindo.
- Obrigada por me dar mais uma chance – ele diz de repente – vamos fazer isso tudo dar certo, Mel, vamos ser felizes, e vamos estar juntos.
- Vamos – eu respondo.
Nosso jantar foi agradável, James parecia estranhamente interessado na casa, nas cores e elogiou, por diversas vezes, meu bom gosto, meu empenho e minha dedicação em transformar aquilo tudo no nosso lar. Ele ficou em casa aquela noite, transamos e dormimos cedo, e eu poderia jurar que tudo ficaria bem... Mas então, eu acordei no meio da madrugada com o som de uma moto, meu coração bateu acelerado, será que era mesmo quem eu estava pensando? Resolvi descer para beber um copo de água, e encontrei uma carta embaixo da porta, eu sabia quem havia escrito. Guardei na minha bolsa e voltei para a cama.
Quando James saiu na manhã seguinte, ele disse que me avisaria caso pudesse ir para casa à noite, e eu disse que esperaria. Uma parte de mim, amava James em casa: as crianças estavam felizes e tudo parecia como em um lindo filme, uma família feliz e unida, mas às vezes, a outra parte de mim aparecia, porque as coisas não eram como nos filmes, e ele me culpava por não cuidar tão bem de mim, por estar frustrada, por que eu tinha escolhido deixar de lado minha carreira para cuidar das crianças... Eu sabia quando aquilo acontecia, era quando ele estava frustrado com alguma coisa que não era minha responsabilidade, mas era em mim que ele descontava, era comigo que ele brigava e eu detestava tudo aquilo.
“Mel
Obrigada por ontem à noite, pelo vinho e pela companhia. Acho que no fim, eu sempre esperei que pudéssemos ter nossos bons momentos juntos novamente... Eu sei que ontem, eu disse à você que eu sempre seria o seu melhor amigo, mas infelizmente, eu vou precisar quebrar essa promessa, eu acabei de descobrir que eu não posso ser o seu melhor amigo, não mais.
Eu pensei em ver você, passei ai mais cedo, e você estava com ele. Depois de tudo o que conversamos, apesar de tudo o que eu sabia dele, você me parecia feliz ao lado dele e me incomoda demais saber que você se sujeita à tantas coisas apenas para ter alguns momentos de felicidade.
Eu não posso ser o cara que enxuga as tuas lágrimas, que te abraça e cuida de você, não se toda a vez que eu te encontrar, você estiver ainda mais machucada... Eu ouvi muito ontem à noite, o suficiente para entender o que você está vivendo e isso me incomoda, isso me dói e eu não queria ver você assim.
Vou me afastar, apenas para não te causar problemas, e isso porque minha mãe disse que os vizinhos já estão comentando sobre nossa noite na varanda e isso vai ser o melhor para nós dois. Se você precisar de mim – de verdade – tem uma estrada de chão, ao lado da entrada do acampamento do Tedy, lembra? Segue por ela até o fim, ela termina em um portão de madeira, eu estarei lá, um pouco longe para não ver o que não quero, mas ainda estarei lá por você. Com amor, Dom”
Eu fiquei imóvel segurando mais um pedaço de papel... Era como se todas as coisas que eu quisesse ouvir, minha vida toda, caíssem sobre mim, com exceção dessa última, eu não queria que ele se afastasse, mas eu sabia que ele tinha razão, eu sabia, lá no fundo, que era o melhor para ele e também para mim.
Voltei à peregrinação de materiais para a obra: a Sra. Delaney disse que cuidaria das crianças para mim por um tempo, e eu aceitei de bom grado, entrei em uma grande loja de ferragens, o martelo daquela casa estava quebrado há uns vinte anos, pelo menos, e eu precisaria de um novo.
- Bom dia – um homem de porte grande, sorridente e simpático atendeu-me – em que eu posso... – e nesse momento ele me encarou sorrindo – meu Deus, Mel?
- Gregor – eu disse rindo – nossa, quanto tempo!
- Muito – ele sorri e sai de trás do balcão para abraçar-me – é bom ver você.
- É bom te ver também – ou não, eu não estava certa sobre aquilo, Gregor ainda parecia um imenso troglodita ao meu lado, agora mais do que nunca: uma barba longa castanha, os cabelos já apresentando fios grisalhos e os olhos azuis que levavam as meninas ao delírio no passado – não sabia que ainda estava por aqui.
- Nunca sai – ele suspira – perdi meus pais quando fiz vinte e dois e assumi a loja, acabei fazendo umas mudanças, mas fiquei... E você?
- Voltando – respondo séria – cheguei tem uns dois dias e...
- Está reformando a casa? – ele pergunta.
- Fazendo alguns ajustes e adaptações – respondo – o estado dela era ótimo.
- Incrível – ele sorri – pensei em comprar ela, quando casei, há uns quatro anos... Acabei cedendo à ideia inicial e indo viver no outro lado da cidade, perto dos pais da Jenny.
- Jenny Carter? – perguntei, costumávamos nos dar bem.
- A própria – ele riu – e eu sei que brigávamos muito, ainda brigamos, mas a Jenny sempre foi uma boa garota – ele suspira – boa demais para mim.
- Fico feliz por vocês – eu digo, ainda quero o martelo e quero sair dali, é estranho.
- Me dá seu telefone? Podemos combinar de jantarmos, sei lá... A Jenny está esperando gêmeos, ainda no começo da gestação, são nossos primeiros... E você? Casou?
- Incrível – o que? Jenny detestava ele e agora estava casada com ele, esperando gêmeos – sim, sim – respondo, James está na cidade a maior parte do tempo, mas estou casada tem quase onze anos, e uma pequena tropa, um rapazinho com oito, uma menina com seis e um pequeno com quatro...
- Nossa – ele riu – nunca imaginei você sendo a mãe dedicada.
- Imaginou o que sobre mim? – pergunto curiosa.
- Que sairia desse lugar e seria uma mulher de negócios incrível e intimidadora, pensei que nunca voltaria e que nunca mesmo entraria em uma loja de ferragens - ele riu.
- Eu já fui essa pessoa – disse com o estômago revirando – mas agora sou a perfeita dona de casa que precisa de um martelo.
Consegui terminar as compras e voltar para casa. A Sra. Delaney – ou Sarah, agora ela insistia que eu a chamasse de Sarah – estava ensinando Ellie a fazer crochê quando cheguei. Larguei as compras e ela encontrou-me na cozinha:
- Encontrou o que precisava, querida? – ela pergunta.
- Sim, eu encontrei – respondo – acredito que logo vou poder dizer que está tudo pronto.
- Que bom – ela sorri – fico feliz que esteja de volta e que pretenda ficar, mas posso fazer uma pergunta?
- Claro – eu respondo sem nem mesmo pensar.
- Isso não se trata apenas da casa, não é mesmo? - ela me encarava um tanto piedosa.
- Não entendi – digo confusa.
- Você não veio apenas pela casa, pelo emprego do seu marido – ela me encara sorrindo com bondade – você está buscando uma coisa que acredita que essa casa vai trazer à você.
- Mais ou menos – eu confesso, era difícil mentir para ela, por isso ela sempre fora a responsável por nos interrogar sobre nossas façanhas quando pequenos.
- Querida, posso dar um conselho bobo à você? – ela pega minhas mãos.
- Claro, Sarah...
- Tem coisas que não podem ser consertadas – ela beija minha testa e sai andando pela porta dos fundos.
Tudo bem, eu precisava de um tempo para conseguir digerir aquelas coisas também e depois que ela saiu eu me ative a sentar em um dos bancos e olhar para o quintal vazio por um tempo, eu vivera tanto naquele lugar que as vezes era até estranho estar de volta...