Não sei se foi o meu cansaço, a tensão ou o gim tônica da noite anterior, mas a verdade é que eu dormi como um anjo e quando o sábado amanheceu – não, vamos ser sinceros, quando eu decidi sair da cama, depois das nove horas – um sol tímido esforçava-se para aparecer por entre nuvens pesadas, resquícios do temporal.
Após minha pequena batalha matinal, onde por pouco minha cama não me venceu, arrastei-me para o andar de baixo, onde abri as cortinas e deparei-me com o lamentável cenário de pós temporal: folhas espalhadas, galhos quebrados e tanto para se fazer que eu desanimei.
- Bom dia – a voz de Elle surgia do topo da escada.
- Bom dia pequena – eu digo subindo de volta para encontra-la – dormiu bem?
- Sim – ela responde bocejando – eu nem mesmo ouvi a chuva.
- Ah é? – eu pergunto – E como sabe que chouve?
- Eu senti o cheiro – ela diz fazendo-me rir.
Logo eu a ajudo a vestir-se e encontramos com Ben que resmunga sem parar sobre o tédio dos dias de chuva e não ter o que fazer, acabei pro tomar a decisão mais i****a de minha vida ao pensar neles, como tanto espaço e tanta sujeira:
- Vamos fazer um mutirão de limpeza – eu digo decidida.
- Como assim? – Ben pergunta curioso.
- Calçaremos as botinas de chuva, luvas, e iremos para o quintal, com sacos de lixo e vassouras, vamos deixar tudo limpinho e organizado para quando o papai vier para casa.
- Oba – Elle grita, ela adorava o contato com a natureza desde sempre – vamos pular nas poças...
- Não – responde Ben – vamos ajudar a mamãe...
Os dois ainda discutem por um tempo, e Elle quase consegue convencer o irmão de que a ideia de pular em poças é mais divertida do que ajudar, mas o mais velho parece bem focado em ajudar. Depois do nosso café da manhã que mais pareceu um brunch, fomos para o jardim devidamente equipados, aquele seria, sem dúvidas, um dia memorável.
Deixamos para Jimmy a tarefa de retirar ervas daninhas das floreiras e Ben, varrendo o gramado por perto. Elle estava varrendo a varanda e eu comecei a juntar os galhos quebrados e as cascas de árvores que haviam se espalhado por tudo: cada um com uma tarefa que condizia com o seu tamanho.
Perto das três da tarde, James telefonou, fazendo com que eu me assustasse:
- Oi – eu digo empolgada.
- Oi querida – ele responde – tudo bem ai?
- Sim – digo – a que horas você chega?
- Então – ele resmunga – acho eu não conseguirei ir para casa essa noite...
- James – eu digo indignada – hoje é sábado.
- Sim, querida – ele ri – eu sei, e por isso pensei em uma coisa diferente.
- Uhm – eu resmungo.
- Srta. Carter vai chegar aí às dezoito e trinta, ela ficará com as crianças e você pode vir... – ele diz.
- ... acompanhar você em um jantar de negócios? – pergunto.
- É – ele responde sem jeito – sabe, é importante para mim.
- Sempre é – eu resmungo.
- Posso contar com você? – ele insiste.
- Sim, eu só... – mas ele me interrompe agora.
- Te espero às dezenove – e desliga sem que eu consiga dizer qualquer outra coisa.
Tratei de apressar-me, e com o podador em mãos, comecei um minucioso trabalho de poda nas cercas vivas. Parava constantemente para verificar se os pequenos estavam bem e logo continuava, até aquele maldito ronco da moto de Dom Del tirar totalmente o meu foco. Antes que eu pudesse digerir a ideia de mais um jantar de negócios, eu estava encarando o sorridente Dom por cima da cerca:
- Boa tarde – ele diz sorrindo.
- Oi Dom – eu respondo.
- Oi galerinha – ele grita, acenando aos pequenos que não o conheciam para logo depois abaixar o tom de voz, direcionando-o diretamente para mim – já estava sentindo a sua falta.
- Não seja bobo – eu digo rindo – sabe que não foi certo e...
- Eu não faço ideia do que você está falando – ele deu dois passos para trás e enfiou as mãos nos bolsos – vou tirar essa jaqueta, dar um beijo na mamãe e venho ajudar você.
- Não se incomode – eu respondo.
- Não foi uma pergunta, foi uma afirmação.
Minutos depois ele aproximou-se sem a jaqueta e pegou o podador de minhas mãos:
- Sabe que Sarah está morrendo por te ver lidando com tudo sozinha, não sabe? – ele pergunta.
- Ela que te chamou? – eu pergunto.
- Sim – ele ri – ela disse que você era orgulhosa demais para pedir ajuda, mas que eu deveria vir.
- Obrigada – eu cedo – acho que precisava mesmo.
- Tudo bem – ele riu – acho que senti falta de podar essas cercas...
Eu ri enquanto lembrei-me de quando ele ajudava a mim e ao papai no mutirão de limpeza do jardim, no início da primavera e depois, no outono. Ele era, como o papai dizia “p*u para toda a obra” e sabia desde bem pequeno, manusear as ferramentas e equipamentos, o que tronava ele um ajudante melhor do que eu que não tinha muita noção e m*l manuseava uma vassoura.
Dom ajudou-me com a poda, e em um terço do tempo que eu levaria. Os pequenos terminavam de ensacar os lixos e restos de poda enquanto conversávamos tranquilamente ao lado do portão:
- Obrigada - eu digo finalmente - de verdade.
- Não me agradece - ele ri - só acho injusto que o b****a do seu marido deixe tudo para você.
- Ele está... - eu parei, sabia que o que eu faria.
- Não me dê desculpas - ele ri - eu estou satisfeito com a ausência dele, prefiro você sem marido.
- Deixa de ser bobo - eu digo sem jeito.
- Olha - ele enfia a mão no bolso traseiro e tira um envelope dobrado - parece que tem mais uma.
- Preciso conversar sobre isso - eu respondo, pegando a carta.
- Acho que eu sei o que você vai dizer - ele ri.
- Preciso que as guarde - eu digo sem encara-lo nos olhos - e eu não queria dizer isso.
- Como eu pensei - ele sorri e se afasta um pouco - tudo bem, eu guardo, mas você vai ter que leva-las até a minha casa.
- Não - eu digo rindo - não pode fazer isso comigo.
- Tudo bem - ele sorri - até o estacionamento, na quarta-feira.
- Dom - eu tento fazer ele mudar de ideia...
- Espero você às onze horas, Mel - ele acena para os pequenos - até logo.
Voltei para dentro de casa com o coração novamente disparando: era fácil demais gostar de Dom, e era mais fácil ainda quando ele parecia fazer tudo certo, enquanto James insistia em fazer tudo errado. Mandei Ben para o banho, preparei as roupas de cada um deles. Deixei o cartão e o telefone do delivery para que a nossa babá pudesse pedir o jantar e depois, tratei de cuidar do banho dos pequenos.
Dezoito e cinco, a babá chegou, eu ainda não tinha nem mesmo escolhido o que iria vestir. Optei por calças pantalonas, salto altíssimo e uma blusa social em tom carmim. Era bonito, chique e casual, afinal, era sábado. Sabia que James aprovaria. Dei um jeito nos cabelos e optei pela maquiagem infalível dos olhos esfumados e batom no tom da blusa: apesar de estar acima do peso eu tinha bom gosto e sabia como e vestir de uma forma que valorizasse o que eu tinha de bom.
Dirigi com pressa, mas com cautela, e ao chegar à porta do edifício onde James mantinha alugado o flat, eu poderia dizer que estava feliz, ao menos até eu ver o que estava vendo:
James, meu marido, com roupas de corrida, ao lado de uma garota de uns vinte e dois anos, magérrima, linda, também com roupas de corrida. Eles conversavam animados e eu fiz um tremendo esforço para não surtar. Peguei o telefone e liguei para ele:
- Oi querida - ele diz no automático.
- Está pronto? - pergunto.
- Sim, eu - ele revira os olhos para a moça à sua frente - tive um imprevisto, estarei pronto em vinte minutos.
- Certo - eu respondo, chego em dez.
Esperei para ver o desfecho. ela fala algo e ele ri, ele se aproxima e a abraça, depois a beija no rosto e acaricia o pescoço dela - mas que m***a, James, eu estava quase acreditando que podia confiar em você... Controlo o meu choro e vejo a garota afastar-se e James sumir pela porta do edifício. Conto os minutos no relógio, desço do carro, entro no prédio, pego o elevador, disposta à terminar de vez com tudo, mas no fundo eu sei, que eu não vou ter coragem nem mesmo de dizer qualquer coisa.