Não consigo dizer exatamente o que aconteceu na noite de sábado: eu fiquei presa em um looping infinito de auto piedade e tristeza profunda. Acho que se eu falei duas ou três palavras durante o jantar de James e um sujeito esquisito com uma esposa que parecia uma Barbie – falsificada – foi muito, vagamente me lembro do sobrenome dos dois ser “Carter”.
- Pode me dizer o que está acontecendo? – James pergunta de maneira firme, porém gentil assim que entramos no carro – Você não me parece muito bem.
- Acho que eu estou muito cansada – respondo tentando manter a calma – depois do temporal, tive bastante trabalho...
- Sim – ele suspira – sinto muito ter arrastado você para isso.
Ele não disse mais nada, mas a sua atitude compreensiva era pior: eu temia que ele estivesse apenas me manipulando mais uma vez, como normalmente fazia, depois de uma ou outra discussão ou ainda, depois que ele aprontava alguma coisa, ele tratava-me estranhamente bem, como em uma tentativa de redenção ou de ao menos, diminuir a própria culpa.
Decidimos ficar no flat, e acho que nada me faria mais feliz do que uma cama confortável para dormir e silêncio, e foi exatamente o que eu consegui, James desejou-me boa noite e adormeceu antes mesmo do que eu, que revirei na cama por alguns minutos até finalmente cair no sono.
Voltamos juntos à Napperville na manhã seguinte: meu marido elogiou por diversas vezes o meu bom trabalho com as sujeiras do temporal, e sim, confessei que tinha tido ajuda, principalmente porque Sarah e Dom estavam sentados na varanda quando chegamos.
- Bom dia – Sarah disse contente ao me ver.
- Bom dia, Sarah – eu respondo – Dom, tudo bem?
- Tudo – ele sorri simpático – esse deve ser o James? – ele aproxima-se um pouco da cerca.
- O vizinho que parece não existir – ri meu marido estendendo-lhe a mão – é um prazer.
- Que é isso, o prazer é nosso – diz Dom – é bom ver que a Mel casou – ele riu provocando-me – particularmente, acreditei que ela seria encalhada para sempre.
- Não diga besteiras – Sarah dá um tapinha em Dom – é bom conhecer você, James.
A conversa não muito se alongou: eu queria abrir um buraco no chão e esconder-me assim que ela havia começado, mas por sorte, durou pouco. Dispensamos a babá e passamos um agradável domingo em família, exceto pelo fato de que meu marido resolveu voltar à cidade ainda no fim da tarde e não na manhã seguinte, o que me fez lembrar, imediatamente, da garota com roupas de corrida.
Dirigi até a estação para deixa-lo e não disse uma única palavra sobre o assunto. James e eu nos despedimos como se nada estivesse acontecendo e voltei para casa, para encontrar com Sarah novamente, enquanto ela podava roseiras quase ao lado da cerca.
- Querida - ela disse assim que me aproximei - permita-me fazer uma pergunta.
- Claro, Sarah - eu digo sorrindo.
- Como consegue ficar sozinha por tanto tempo? - ela não tem rodeios - Quer dizer, com seu marido fora...
- Eu não estou sozinha - eu respondo tentando driblar a verdadeira pergunta - eu ainda tenho as melhores companhias possíveis.
Saio sorrindo, mas com o estômago revirando: em breve, todos ali saberiam que o meu marido era um b****a, que não tinha o menor respeito e nem a menor consideração por mim ou pela família que tínhamos juntos. Logo eu seria apenas a pobre coitada, chifruda e infeliz, que morava no 771, no terceiro quarteirão da Baker's Street. Aquilo fez meu sangue ferver e quando dei por mim, estava telefonando para James:
- Oi querida - ele diz - esqueci de alguma coisa?
- Sim - eu respondo - esqueceu de me contar quem era a garota...
- Que garota? - ele ri - Do que está falando?
- Sábado, em frente ao prédio, roupas de corrida... - eu digo para fazê-lo lembrar-se.
- Ah - ele resmunga - não era ninguém, de onde tirou isso?
- Cheguei mais cedo - eu disse.
- Está me espionando? - ele pergunta irritado.
- Você não parecia estar se escondendo - eu retruco - quer saber, estou cansada.
- Descanse - ele diz.
- Não, seu i*****l, eu estou cansada de você - eu grito - pelo amor de Deus, como pode ser tão cínico?
- Casou-se com o melhor advogado - ele riu - pensei que saberia lidar com isso.
Ele desligou o telefone e eu desabei chorando ao lado da porta do meu quarto: por quanto tempo mais eu levaria aquilo adiante, fingindo estar tudo bem? Porque eu ainda insistia naquele casamento, naquela vida? Perdi a noção do tempo e então, quando pensei que nada poderia piorar, eu me lembrei da carta que Dom havia entregue na tarde de sábado, eu sabia onde ele estava, no bolso do avental de jardinagem. Desci correndo as escadas, murmurei alguma coisa sem sentido para Benjamin que bebia água na cozinha e fui até nosso pequeno galpão de apoio, nos fundos do pátio. O envelope dobrado estava exatamente onde eu tinha lembrado, abri com cuidado:
“ Acho que eu cometi um erro...
... e não, não foi quando eu marquei aquele encontro, o meu erro foi ter deixado você ir, foi ter levado você de volta, sendo que tudo o que eu mais queria, era que você tivesse ficado. Acho que esse sempre foi o meu maior desejo, a minha vida toda: eu queria que você tivesse ficado.
A verdade – c***l e impiedosa – é que eu sempre fui o garoto que não tinha coragem de dizer o que sentia, o garoto bobo, o seu garoto. Eu sou o cara que nunca quis que você fosse embora e aquele que infelizmente, nunca conseguiu fazer nada para que você ficasse. Isso parte o meu coração, o tempo todo.
Acho que nós dois tivemos a nossa prova, de que no fundo, absolutamente nada entre nós dois mudou, e eu não quero que mude, Mel, eu nunca quero que mude. Eu quero estar perto de você, quero poder te ver e conversar por horas sobre tudo como fizemos... Eu não quero perder você de vista, nunca mais.”
Porque Dom estava fazendo aquilo? Porque as coisas precisavam ser ainda mais difíceis do que eram? Mesmo irritada com o fato de Dom saber exatamente o que deveria dizer, me sentia feliz de poder ler, me sentia feliz de ser a receptora de cartas e bilhetes tão carregados de sentimentos... Como eu disse, havia muito mais verdade entre nossos olhares do que em muitas declarações por ai, eu apenas passara a minha vida toda, evitando ver.