Sobre voltar para casa

1580 Words
               Tem uma coisa estranha sobre voltar para casa: parece que algumas coisas nunca saíram de lá, e que você simplesmente as pega de volta no exato momento em que passa pela porta e eu acredito do fundo do meu coração que eu peguei muitas e muitas coisas no exato momento em que eu passei por debaixo daquela porta, como o meu amor por jardins bem cuidados e assoalhos de madeira de lei bem cuidados... Portas pesadas com desenhos arredondados, eu amava aquele lugar com todas as minhas forças.                 Eu havia deixado James no flat naquela manhã com todas as coisas dele e havia pegado as crianças e nossos pertences e dirigido até a minha antiga casa, com o carro cheio e os pequenos todos eufóricos e questionadores: - Tem espaço? – perguntou Ben – Tipo, pra jogar bola? - Sim – respondo pacientemente – temos um quintal grande, só preciso dar um jeito nele. - E eu vou ter um quarto somente para mim? – pediu Elle. - Assim que eu conseguir pintar ele – eu respondo sorrindo. - O Jimmy vai ficar comigo? – pergunta Ben novamente. - Se você aceitar, sim, ao menos enquanto ele é pequeno...                 Eles falaram o percurso todo e bem, não posso dizer que a nossa chegada foi empolgante ou emocionante: chovia torrencialmente e a grama estava muito alta... Acho que as crianças estavam um pouco decepcionadas. Entramos e eu constatei que não haviam goteiras, caminhei lentamente até as janelas e abri as cortinas, tudo ainda parecia tão igual que chegava a assustar.                 Mostrei a casa às crianças: no subsolo tínhamos uma peça grande mais a lavanderia, depósito e adega, além de um quarto e um banheiro, no térreo, sala de estar, sala de TV, sala de jantar integrada com a cozinha, despensa, escritório, lavabo e suíte de apoio e no andar superior, uma imensa suíte, uma suíte normal, dois quartos e outro banheiro. Ainda havia o sótão, mas não era muito grande.                 Aparentemente, eles passaram a gostar mais da casa com o passar das horas: descobriram meu antigo quarto e minhas antigas coisas, e foi engraçado ver eles brincando com meus brinquedos, eu nem acreditava que todas aquelas coisas tinham simplesmente ficado lá.                 A Sra. Delaney foi minha primeira visita – outra vez: - Minha querida – ela sorriu quando abri a porta – preparei uma torta de frango para vocês, sei como mudanças são – ela riu – devem estar famintos... - Ah, muito obrigada, entre – eu disse – crianças, venham conhecer nossa vizinha, a Sra. Delaney – eu digo e logo os pequenos descem as escadas. - Essa mocinha é a sua cara – ela diz encarando Elle – é tão bom ter você de volta, querida. - Também é bom voltar...- respondo sorrindo. - E o seu marido? – ela questiona sem a menor cerimônia. - Está se instalando no escritório, com bastante trabalho – eu minto – deve vir no fim da semana. - Muito bom – ela sorri – que sejam todos bem vindos. - Obrigada – respondemos em coro.                 Os pequenos decidiram dormir todos em meu quarto, e assim que eu acomodei Elle e Jimmy, desci para preparar um chá e mandar Ben largar de uma vez por todas o console portátil onde jogava. - Ben, querido... – eu digo – precisa ir dormir... - Eu sei – ele responde e desliga o aparelho me encarando – sabe que o papai não vem no fim de semana, não sabe? - Não entendi, Ben – eu digo. - Ele disse hoje mais cedo, que trabalharia muito e só nos veria às vezes... – ele responde. - Seu pai está exagerando – eu respondo e me um minuto eu entendo exatamente o que está acontecendo e com isso, suspiro para conter minhas lágrimas – acho que você deve ir para a cama.                 James telefonou no fim do dia, e a conversa já iniciou demonstrando que não seria das mais amigáveis: - Como está tudo por ai? – ele pergunta. - Bem – respondo – e por ai? - Normal – ele diz – dia cansativo no trabalho, consegui fechar contrato com o Sr. Menphis. - Parabéns – respondo – O que disse às crianças? - Sobre? – ele desconversa. - Sobre a mudança... – eu digo. - Que não os veria sempre... – ele responde num suspiro, como se estivesse cansado de dar explicações. - Pretende ficar na cidade? É isso mesmo James?  - eu questiono. - Sim, eu pretendo – ele por fim responde – acho que você precisa de tempo para você e para as crianças e a rotina ficaria muito corrida... - Como eu pude acreditar em você? – pergunto já chorando.                 Meu marido não disse mais nada, apenas desligou o telefone e naquele momento eu percebi que eu tinha caído em mais uma de suas armadilhas psicológicas: agora ele era o pobre homem que matava-se de tanto trabalhar para bancar a vida luxuosa de sua esposa que não trabalhava e seus filhos e a ingrata ainda o atormentava e fazia dramas, ameaçava pedir divórcio... Chorei por horas no chão da sala, ignorei o fato de que as crianças estavam dormindo no andar superior e sentei-me na varanda com uma garrafa de vinho, uma taça e uma carteira de cigarros.                 O som de uma moto distraiu-me de meus devaneios: uma moto grande e pesada, a chuva era fraca agora e a moto parou em frente à casa ao lado. Eu não precisava ser um gênio para saber que era Dominic naquela moto, ele apenas atravessou o jardim bem cuidado da sua antiga residência e deixou um pacote para a sua mãe que o esperava na porta. Assim que pegou, agradeceu e voltou para dentro. Ele acendeu um cigarro e caminhou até a cerca que dividia nossos jardins: - Insônia? – ele pergunta. - Sim – eu respondo erguendo a taça – vinho? - Aceito – ele responde e logo pula a cerca me fazendo rir, ele fazia isso desde sempre – não posso dizer que o faço com a mesma facilidade e destreza – ele ri. - Ainda me parece em forma – eu brinco – vou buscar outra taça... - Não se incomode – ele ri e pega a taça que eu tinha nas mãos, dando um gole no vinho e sentando-se ao meu lado encarando os relâmpagos no horizonte – e então? Vai querer me contar porque está sozinha, sentada no chão da varanda, fumando e bebendo no meio do temporal? - Acho que você não quer saber, Dom – eu respondo. - Tem certeza? – ele segura meu rosto com as mãos, outro costume esquisito que ele tinha para obrigar-me a olhar dentro de seus olhos verdes. - Acho que eu tenho – suspirei. - E o que eu posso fazer para melhorar? – ele pergunta pegando minha mão, pressionando delicadamente as juntas dos meus dedos, era outra coisa que ele fazia desde sempre. - Quer ser o meu melhor amigo de novo, DomDel? – eu pergunto já chorando. - Eu sempre vou ser o seu melhor amigo, Mel... – ele diz me abraçando, e naquele abraço, todos os problemas da minha vida pareciam simplesmente desaparecer.                 Conversamos por horas, Dom contou-me tudo o que havia feito na minha ausência, suas amizades estranhas, seus problemas, suas namoradas... Me fez rir quando contou que a Sra. Delaney havia batido nele com o rolo de macarrão quando soube que ele perturbara eu e Steven naquele Natal, e disse que morreria de vergonha se precisasse me encarar novamente.                 O dia amanheceu e eu estava aninhada no abraço do meu melhor amigo: agora tínhamos garrafas vazias e um cobertor na varanda e ele me fazia rir até minha barriga doer imitando os valentões da nossa época, até tocarmos no assunto do Greg: - Sempre me perguntei uma coisa – ele diz – e acho que agora, a nossa diferença de idade não é mais um impeditivo para você me dizer a verdade... - Vai perguntar o que houve com Greg? – eu pergunto. - Na verdade, eu não sou masoquista – ele ri sem jeito – não quero saber o que fez com Greg, quero saber porque é que você namorou com ele? - Ah, Dom – suspirei, não podia dizer para ele que gostar de Greg era normal, e que esquisito era ter quinze anos e fantasiar beijar um garoto de dez – muitas coisas me induziram ao erro. - Uma série de fatores que te levaram à esse desastroso momento?  - ele riu. - Por aí – eu digo – acho que o que eu realmente queria, naquela época, eu não podia ter... – disse sem nem pensar direito. - Só naquela época, Mel? – ele me encara, olhando no fundo dos meus olhos: era quase impossível manter o controle com ele olhando para mim daquele jeito.                 E eu apenas desviei o olhar... Se havia alguém nesse mundo capaz de abalar totalmente as minhas estruturas, esse alguém era o Dom, e ele fazia isso com a maior naturalidade do mundo, para meu desespero. Ficamos ali por mais um tempo, até eu dizer que precisava entrar, as crianças acordariam, os vizinhos nos veriam e as coisas ficariam estranhas. Nos despedimos e eu fui para dentro, por mais uma vez, eu entrei por aquela porta sem ter feito o que eu mais queria fazer e então, eu me lembrei da caixinha que ele havia entregado dias antes. 
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