Todas as cartas que não foram lidas

1780 Words
               Preparei um café forte e busquei a caixa, tinha tido uma noite boa, apesar de como ela havia começado, mas não dormir teria as suas consequências, eu não tinha mais quinze anos. Acabei sentando-me no sofá da sala para abri-la com cuidado: haviam tantas cartas escritas à mão que eu m*l podia contar, todas eram curtas, uma folha de papel amarelado pelo tempo, escritas com caneta esferográfica preta, com a caligrafia simples e ao mesmo tempo caprichada de Dom, eu comecei com a primeira: “27 de maio de 2007                 Você foi embora. Melinda, como você pode? Eu estou aqui agora, chorando, com meu coração partido. Acho que você nunca vai saber como é que eu me sinto... Eu amo você, e eu não quero te perder. Eu quero que você volte, porque eu não vou saber me virar sem você, sou um zero à esquerda, esqueceu? Como pôde me deixar? “                 Um “zero à esquerda”, aquilo me fez rir... Quantas vezes eu e ele discutimos por algo i****a e eu o chamei assim? Perder minha amizade, mesmo que já estivéssemos afastados, deve ser sido tão difícil para Dom quanto havia sido para mim, e talvez, eu pudesse ter sido um pouco egoísta quando pensei que, apenas para variar, os meus problemas eram os maiores. Peguei outra, a próxima do montinho: “29 de outubro de 2009                 Eu vi você chegando ontem à noite com o seu novo namorado... Melinda, eu daria tudo para ser o cara segurando a sua mão. Acho que nunca vamos chegar em um momento em que isso seja possível, mas é meu maior sonho, desde que eu tenho uns nove anos, eu acho. Eu cresci sonhando em ter uma garota como você ao meu lado e agora eu te vejo com ele, e novamente o meu coração está partido”                 Como assim daria tudo para ser o cara segurando a minha mão? Aquilo, para variar, era bom de ler... Era o tipo de coisa que o Dom diria pessoalmente para me fazer sentir bem, talvez eu não estivesse parecendo muito feliz naquela noite, talvez meu namorado na época não conseguisse superar as expectativas que o meu melhor amigo colocava nele... “15 de abril de 2011                 Acho que esse é a coisa mais esquisita que eu já fiz em toda a minha vida... Eu acabei de f********o pela primeira vez. Acho que eu precisava contar para alguém e acho que esse alguém precisava ser você. Antes que me pergunte, sim, eu usei preservativo...                 Eu estava saindo com a Beatrice há uns três meses e então, começamos a namorar. Esta manhã, tivemos tempos livres e viemos para a minha casa. As coisas esquentaram e bem, aconteceu. A Bea ficou nervosa quando fomos embora, ela chorou, ela estava insegura. Foi assim que se sentiu? p**a m***a, Mel, somente hoje eu consegui entender o que aconteceu aquela vez com Greg.                 Gostaria que tivesse sido diferente. Gostaria que ele nunca tivesse tocado você, porque sinceramente, eu aposto que ele não era o cara certo, ele não se preocupou, tenho certeza que não foi bom para você e ainda contou para a escola toda. Eu sinto muito, de verdade. Eu era o seu melhor amigo, e eu deveria ter protegido você disso também.”                 Ponto sensível: não podemos falar sobre Gregor. Aquela era uma ferida ainda aberta... Não pelo s**o ter sido péssimo e ele ter me machucado um pouco, mas apenas porque eu nunca deveria ter feito aquilo, eu nunca deveria nem mesmo beijado aquele i****a! Aquele era o tipo de coisas que eu costumava fazer para fugir dos meus problemas e naquela época, o meu problema era gostar do garoto que eu não podia beijar...                 Com o tempo, eu parei de me culpar, Gregor fez isso com absolutamente todas as garotas que saíram com ele, e por mais que isso não fizesse eu me sentir bem, não consertasse as coisas, amenizava, assim eu conseguia aceitar que aquela m***a toda era um problema dele e não meu, eu não tinha feito nada de errado.                 Ler coisas que Dom havia escrito depois de t*****r com a sua garota me deu uma estranha sensação de paz: ele preocupou-se mais em contar-me como ela havia se sentido e em como ele lembrou de como eu deveria ter me sentido anos antes, o que significava para mim, que ele tinha crescido e se mantido decente e fofo como eu costumava me lembrar e aquilo era uma coisa boa. “25 de Dezembro de 2012                 Não sei nem por onde eu devo começar, Mel. Sinto muito... Não consegui ficar ouvindo aquele cara gritando com você, foi demais para mim. Acho que jamais vai me perdoar por isso, e tem razão. Eu amo você, não consegui ver ele te tratando daquela maneira, Mel. Você merece um cara melhor.                 Acho que eu acabei não desejando um Feliz Natal, há quantos anos não fizemos isso? Ajudei a minha mãe com uns biscoitos ontem e me lembrei de quando nós fazíamos isso... Comíamos metade das fornadas, mas era divertido. Acho que tudo o que eu podia fazer com você era divertido, Mel. Eu sinto muito a sua falta.”                 Biscoitos de Natal? Eu ri alto... Depois de arruinar o meu namoro, o inocente lembrou de falar de biscoitos de Natal... Enquanto eu chorava semi alcoolizada ao lado da lareira e sozinha, ele escrevia cartinhas falando sobre coisas bobas que costumávamos fazer, ainda era um menino bobo. “ 24 de maio de 2014                 Hoje eu beijei você. Eu não tive a capacidade de perguntar se você estava bem, se estava solteira ou se tinha um namorado, se estava triste ou feliz, ou mesmo se me perdoava... Eu estou namorando a Carol, eu não podia fazer isso com ela, eu sinto muito.                 Voltando ao beijo, eu nunca pensei que eu tivesse coragem para tanto... E de verdade, eu queria seguir beijando você, para o resto da minha vida... Eu queria ser o cara que chega com você em casa, que vai para a cama com você todas as noites, mas isso me parece um sonho impossível. Teve um tempo, na época da sua festa de quinze anos, que eu acreditei que era possível sermos nós dois, mas hoje, eu vejo que isso era apenas uma ilusão.”                 Não consegui ler mais... Aquelas foram suficientes para mim: era recíproco, era verdadeiro, real. Meu coração dividia-se entre a felicidade de saber que eu tinha realmente tido aquele amor lindo na minha vida, e ao mesmo tempo, ele estava apertado por saber que eu nunca vivera esse amor como ele deveria e merecia ter sido vivido. Benjamin apareceu no topo das escadas: - Mãe – ele pergunta – você tá bem? - Sim – enfiei as cartas de volta na caixinha – estou bem sim, só estou vendo coisas velhas... - Você não dormiu nada – ele senta ao meu lado e me abraça – é o papai, não é? - O que tem o papai, querido? – pergunto. - Ele deixou você triste, de novo... – ele diz. - Não, bebê – eu beijo sua testa – são só coisas bobas – levanto-me para guardar a maldita caixa em algum lugar onde ninguém as encontrasse.                 Não consegui me concentrar em nenhuma tarefa naquele dia, por mais simples que ela pudesse parecer, era como se simplesmente minha mente estivesse estagnada nas lembranças de Dominic. Porque tudo tinha que ser tão complicado? Se eu tivesse chegado meia hora mais tarde, nem mesmo o teria encontrado e aquelas cartas estariam guardadas, muito provavelmente, no fundo de um armário qualquer, e não estariam em minhas mãos e principalmente em meus pensamentos.                 Meu casamento vinha sendo um problema há anos, mas eu tinha esperança de resolver, com a última ligação de James eu havia percebido que não seria assim tão simples e com meu reencontro com Dom, eu sabia que seria ainda mais complicado do que poderia ser mas, sem sombra de dúvidas, a pior parte era saber que isso estava afetando os meus filhos, e a forma com que Ben perguntava constantemente se o papai era o culpado pela minha tristeza, me deixava sem chão: como eu poderia explicar uma coisa dessa de forma amena, sem transformar James, que apesar de tudo era um bom pai, em um monstro hipócrita e calculista?                 Essa parte também doía: nada do que ele fazia era sem pensar, ele sempre tinha o plano A, B e C, e se bobeasse, o alfabeto todo. Casar com um bom advogado tinha essa desvantagem, minha argumentação nunca seria tão boa quanto a dele e eu sempre perderia qualquer discussão.... Eu perderia qualquer coisa com ele, eu perderia todas as coisas que realmente importavam para mim, e eu sabia disso perfeitamente, ele sempre fizera questão de deixar tudo muito claro.                 Acordei os pequenos, Ben ajudou-me a preparar o café da manhã, eu tinha muitas coisas nas quais pensar e o meu dia não renderia muito por ter dormido pouco. Me ative a fazer listas de compras, a verificar o funcionamento da maquina de cortar grama e do podador de cercas vivas que ficavam no galpão dos fundos e adivinhem? Na parte dos fundos do galpão, onde antigamente tínhamos uma horta – que eu já pensava em reativar – havia as iniciais M e D, com um símbolo do infinito e eu conseguia lembrar exatamente quando havia sido feito: - Mel – eu podia ouvir Dom gritando desde a cerca em frente à nossa casa. - Aqui no fundo – eu respondo – na hortinha... - O que está fazendo ai? – ele pergunta, a horta era uma coisa que eu fazia com o papai e eu o havia perdido tinha pouco mais de dois meses. - Pensei em tentar – eu disse chorando – mas não vou conseguir, eu não sei... - Podemos tentar, eu ajudo você – ele diz decidido abrindo o portão que separava aquele espaço do restante do nosso quintal. - Não adianta – eu respondo chorando – um dia você também vai me deixar – eu grito – todo vão me deixar, Dom, é isso que acontece... Todos vão embora. - Isso não é apenas sobre o seu pai ou sobre a horta – ele abraçou-me apertado – eu vou estar aqui sempre, certo? Eu não vou deixar você, Mel.                 E assim, sem mais nem menos, ele sacou o canivete do bolso e fez aquilo na parede. E por anos, todas as vezes que eu ia até o pátio, eu voltava aquele lugar apenas para admirar a capacidade que aquele garoto tinha de fazer coisas simples que me faziam sentir melhor de forma quase que instantânea.  
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