Eu acredito que eu esperava voltar a ser feliz, estando em casa, como se Napperville fosse a solução dos meus problemas conjugais, porque mesmo com todas as traições e mentiras de James, mesmo ameaçando-o disso constantemente eu não era capaz nem mesmo de cogitar a ideia de deixa-lo, eu acreditava que eram apenas deslizes e que agora, estaríamos juntos por mais tempo e que as coisas todas ficariam bem, eu acreditava de verdade nisso e esperava que tudo voltasse a ser o meu conto de fadas do início do casamento: estávamos inclusive programando uma viagem de segunda lua de mel, no Caribe, deixaríamos as crianças com minha cunhada e teríamos enfim, um tempo somente para nós dois.
O que eu não esperava, de verdade, era encontrar Dom logo no meu primeiro dia em Napperville: um dia ensolarado e quente de verão. James, eu e as crianças estávamos em um pequeno flat alugado na cidade enquanto eu cuidaria de algumas reformas na casa, naquele dia, James teria folga e ficaria com os pequenos enquanto eu veria as condições da casa. E assim foi, eu m*l desci do carro, praguejando internamente contra aquele calor e o vento, e a poeira, e eu o vi... Instantaneamente o meu coração disparou e eu fiquei presa naquele momento, naquele exato momento: era o meu Dom que estava ali, lindo e maravilhoso, da última vez que eu o havia visto, ele ainda tinha o rosto liso de menino, mas agora uma barba cerrada complementava o seu visual: jeans ajustado, camiseta preta e coturnos, aquele era o mesmíssimo Dom do qual eu me lembrava.
- Melinda – ele disse sorrindo e caminhando em minha direção, para logo me dar um abraço apertado: ele ainda tinha o mesmo brilho no olhar, os mesmos cabelos ligeiramente crespos e agora, usava um perfume intenso e muito masculino.
- Dominic – eu ri alto – meu Deus, quanto tempo.
- Tempo demais – ele sorri soltando-me e olhando para mim de cima para baixo – você está tão...
- Velha? – eu questiono – Velha, cansada – eu ri.
- Eu ia dizer outra coisa – ele dá ombros e ri – pensei que nem fosse mais sua – ele indicou a casa.
- Ah – eu ri – bem, houveram umas propostas, mas eu acho que no fundo, eu sempre soube que ia acabar voltando.
- Voltando? – ele sorri – Isso é sério?
- Sim – eu respondo – acho que precisa de umas reformas, mas em breve voltaremos a ser vizinhos...
- Não – ele responde – não vamos ser vizinhos.
- Porque? – pergunto.
- Estou de mudança – ele indica uma caminhonete pick up carregada em frente da casa – eu já estava meio fora, provisoriamente – ele dá ombros – sabe como são as coisas com o meu pai, nunca vou ser bom o suficiente – ele ri – aí tentei voltar depois da faculdade, mas não tem como.
- Claro – eu sabia como o pai dele era tradicional – e acabou cursando o que?
- Ah, me especializei em linguagem, estou dando aulas para o ensino médio e escrevendo – ele diz.
- Escrevendo? – pergunto surpresa.
- Sim – ele suspira – sempre gostei, e acho que depois... – ele faz uma pausa – acho que um dia percebi o quanto eu gostava e acabei me dedicando mais. E você?
- Deixei minha carreira de lado – suspirei incomodada – casamento, três filhos... As coisas ficam complicadas.
- Nossa, tá falando sério? – ele parecia um pouco decepcionado.
- Qual das partes? – eu o encaro rindo.
- Todas – ele esfrega o rosto com as duas mãos – não acredito que se casou, e nem mesmo avisou...
- Tinha perdido o contato – respondo – e bem, foi uma coisa muito simples, nem mesmo minha mãe foi capaz de vir.
- Nossa – ele pareceu surpreso – mas enfim, espero que goste de voltar para casa, Mel – ele da uma piscadinha – preciso ir andando que devolvo essa pick up ainda hoje.
- Tudo bem – eu respondo sorrindo – foi bom ver você.
- Foi muito bom ver você também, a gente se vê por ai.
E assim nos despedimos, meu coração parecendo que saltaria pela minha boca a qualquer momento, minhas pernas um tanto bambas e o meu corpo todo arrepiado pelo toque delicado de seus dedos ao se despedir: eu não conseguia dizer desde quando, mas Dominc Delaney exercia um estranho poder sobre mim, acredito que desde aquele beijo, anos antes, quando eu estive em Napperville.
As condições da casa eram boas – depois de recuperar-me do encontro com Dom eu consegui avaliar: necessitava de pintura, restauração do gesso, limpeza pesada nos banheiros e no pátio, alguns ajustes nas aberturas uma dedetização e então, decoração e ambientação. Consegui alguns contatos de prestadores de serviço em Napper com meus vizinhos – a Sra. Delaney, muito solicita, indicou-me diversos profissionais, e quando eu estava saindo da casa, finalmente, passei pela caixa de correio e encontrei uma pequena caixinha de papelão, com um bilhete escrito à mão:
“Encontrei essas coisas durante a minha mudança e eu juro que eu as levaria para a minha nova casa, como recordação, mas então, saí com essa caixa na mão e encontrei com você, deve ser um sinal do destino, gostaria que ficasse com isso, afinal, todas elas são para você. DomDel”
Abri a caixinha receosa, e encontrei não uma, mas uma enorme pilha de cartas, escritas à mão, envelopadas e endereçadas à mim, em meu endereço antigo em Napperville. Não tive coragem de abrir nenhuma delas, e deveriam ter em torno de cinquenta... Apenas guardei a caixinha na minha mochila e dirigi de volta à Chicago.
Voltei ao flat onde encontrei minha família: Benjamin jogava vídeo game, estava com oito anos, um garoto esperto e bondoso, Elleanor desenhava no chão da sala, seis anos e uma mania de questionar tudo ao seu redor e então, nosso caçula Jeremias corria de meias com um dinossauro de pelúcia pela casa, quatro anos e tanta energia que eu às vezes questionava se não havia mesmo um botão para desliga-lo por um tempo.
- Olá – James disse quando passei pela porta, segurando uma sacola de papel – achei que voltarei mais tarde.
- Ah, olá – eu sorri e logo ouvi vários “mamães” ecoando pela sala – não, não foi necessário – suspirei – a casa está em boas condições, só vamos precisar de uma pintura e alguns reparos leves...
- Ótima notícia – ele sorri – o que acha de ir para lá com as crianças, querida? – ele questiona.
- Não entendo – respondo – precisamos fazer reformas...
- Sim, e como pretende acompanhar esse processo? – ele pergunta.
- Não sei – suspiro, e logo a lembrança da caixinha de Dom apareceu – mas sim, provavelmente é uma boa ideia – pondero alguns segundos – acho que podemos nos acomodar no antigo quarto da minha mãe e depois, conforme vamos preparando a casa...
- Está decidido – ele responde não parecendo importar-se muito – amanhã ou depois, você decide – ele diz – e eu posso pedir que enviem nossa mudança de NYC...
- Tudo bem – respondi: eu estava cansada demais para discutir.
- Preciso que você se arrume – ele diz – temos um jantar com alguns parceiros comerciais – ele diz apressado – consegui uma babá, com boas referências...
- James, não tem nem três dias que estamos aqui – eu protesto.
- Ossos do ofício – ele beija levemente meu rosto enquanto passa por mim indo em direção ao quarto.
Todas as coisas sobre o nosso relacionamento são assim, desde sempre: James decide, comunica e eu executo. Eu não sei quando foi exatamente que eu aprendi a ser tão condescendente, a ser tão submissa e manipulável, organizei as coisas do jantar, encarei minha imagem no espelho: sentia-me velha, meu rosto começava a apresentar marcas suaves da idade, a pela não era mais tão radiante, eu não conseguia livrar-me das olheiras e nem cuidar tão bem dos meus cabelos. Tinha ganhado alguns quilos depois das gestações, se bem que nunca fora a mulher magra padrão... Agora a vida estava feita: casamento, filhos, e uma imensa lista de arrependimentos.
Depois de arrumar as crianças, encarei as limitadas opções de roupas no closet improvisado: vestido preto simples, decote marcado, era bonito e nada vulgar... Sapatos de salto alto vermelhos verniz, bolsa combinando, maquiagem simples, eu tinha uma boa imagem, era visto. James elogiou-me assim que me viu, no fim das contas ele sabia o quanto eu era “adequada” para os seus jantares de negócios: tinha estudo, vestia-me adequadamente e sabia me comportar de forma civilizada.
Após uma breve discussão sobre as reformas da casa e de James repetir que eu não deveria aborrece-lo com “coisas pequenas”, calei-me e segui para o jantar. Não lembro do que houve, minha cabeça começou a doer no exato momento em que eu encarei a Sra. Menphis – uma coisa desconexa vestindo vermelho escarlate e branco e o seu marido, Sr. Menphis, um homem que parecia ter três vezes a idade dela, no mínimo.
Assim que voltamos para casa, decidi que precisava conversar com James sobre a reforma:
- Querido, quando espera ir até Napper? – questionei.
- Quando tudo estiver pronto – ele me responde de forma ríspida.
- Não vai tomar parte nenhuma na reforma? – pergunto.
- Quem decidiu viver em Napperville foi você – ele responde – por mim, o flat estava bom...
- Claro – eu respondo irônica – você não tem oito anos, nem seis, nem quatro...
- E porque foi que eu concordei? – ele me encara – Preciso trabalhar, não tenho tempo.
- Certo – suspiro – eu dou um jeito. Algo que você queira?
- Que se pareça com uma casa – ele riu – e não como uma creche.
- Tudo bem – eu entendia a colocação dele.
Comuniquei minha dor de cabeça, tomei um remédio e fui para a cama. Sabia que teria muito, muito trabalho no dia seguinte.