Foram exatamente três dias de fossa total, onde eu apenas existia e esperava pelo delivery. Acordava, chorava, comia e dormia... Quando deixei de conseguir dormir sozinha, apelei para todos os remédio tarja preta, por três longos dias. Sabia que meus filhos voltariam no dia seis, mas não consegui reagir até o dia quatro.
O motivo da minha reação foi, como já era de se esperar, uma visita de Dom. Quando eu ouvi a moto, lembrei que meu carro estava m*l estacionado em frente à minha casa, que as cortinas estavam fechadas e talvez, se eu não aparecesse, poderiam chamar a polícia. Corri para abrir a porta.
- Oi Mel - ele disse assim que me enxergou.
- Oi - eu respondo desanimada, estava de pijamas, às três e meia da tarde.
- Tudo bem ? - ele pergunta, esperando um convite para entrar.
- Mais ou menos - respondo e me afasto um pouco, abrindo espaço para que ele entrasse - e com você?
- Você tá na m***a - ele me abraça - e eu estou razoavelmente bem.
- Que bom que reconhece - tento rir - obrigada por ter vindo.
- Minha mãe disse que não aparece desde a véspera do ano novo, ficou preocupada - ele diz.
- Lamento - eu sinto certa culpa - não queria preocupar ela.
- Ela não tem que estar se metendo na vida dos outros - ele diz rindo - vai me contar o que aconteceu?
- Não - respondo num suspiro - não tem necessidade nenhuma.
- Sabe que eu vou ficar furioso, não sabe? - ele beija a minha testa - E é por isso que não quer me contar.
- Sim - suspiro - exatamente por isso.
- Tudo bem - ele ri e me solta - mas vim aqui por outro motivo também.
- Que motivo? - pergunto curiosa.
- Cancelaram minha viagem - ele responde - e solicitaram a sua presença no setor administrativo o quanto antes.
- Na escola?- pergunto incrédula.
- Sim - ele responde - eles disseram hoje pela manhã que tentaram o seu celular e não tiveram retorno...
- Claro - aquilo era quase a luz que eu precisava ver no fim do túnel - eu vou tomar um banho e vou até lá.
- Sim - ele sorri e me encara - sei que é importante para você, por favor, não desiste disso.
- Eu não vou desistir - respondo.
- Preciso voltar ao trabalho - ele diz desanimado - nos falamos mais tarde, certo?
- Sim - eu digo apressada - eu te vejo na escola, estarei lá em uma hora.
- Perfeito.
Dom se despede de mim e eu sinto o meu peito parecendo explodir de alegria: vou trabalhar, receber meu salário, sustentar meus filhos e terminar com James. É tudo o que eu preciso.
Tomo um banho e me visto apressada... Jeans escuro, justo, saltos altos. Uma blusa de cashmeere e um casaco. Pareço decente e informal, como eu havia percebido ser o outfit naquele ambiente. Dirijo apressada e logo me apresento na secretaria da escola, de onde sou encaminhada ao diretor de ensino e ao diretor administrativo.
- Boa tarde- digo sem jeito, é meio dia, não sei se digo bom dia ou boa tarde - ou bom dia - acabo por rir, nervosa.
- Bom dia - responde um homem gordinho e baixinho - sou Samuel Dorian, diretor de ensino, quando não almocei, digo bom dia.
- Então bom dia - ri o outro homem: alto e esguio, com aparência simpática - David Melbourne, diretor administrativo.
- É um imenso prazer, Sr. Dorian e Sr. Melbourne... - digo sem jeito.
- Sem tanta formalidade, Mel - diz David - aqui todos somos muito próximos - ele sorri - chamei você por ter uma proposta, creio que possa lhe interessar.
- Claro - respondo, praticamente implorando que ele me proponha qualquer coisa, pois vou aceitar.
- Basicamente, não temos como remunerar você como deve, em período integral - diz Samuel - refiz todas as contas e cheguei à um valor - ele estende um papel escrito USD 2100 - e esse valor, seria, o que alguém com o seu currículo, recebe por um turno de quatro horas - ele suspira - pensamos em te oferecer isso, por turnos de seis horas e possibilidade de home office sempre que necessário e possível.
- Na verdade - suspira David - acreditamos que se quiser trabalhar em casa por dois dias na semana, ainda é totalmente viável para nós... O que acha?
- Ah - eu digo nervosa - eu acho excelente - obvio, a proposta inicial eram USD 1500 por oito horas - me sinto até lisonjeada...
- Não - diz David - nós que estamos. Sabemos que é uma profissional muito capacitada e temos certeza de que nosso setor financeiro contábil vai estar muito bem cuidado em suas mãos.
- Obrigada - digo com os olhos marejados.
- Se você aceita - diz David - bem vida ao time.
- Obrigada - respondo empolgada - então, somos do mesmo time.
Acertamos mais detalhes da minha contratação - que eu trabalharia à tarde, que eu teria horário flexível para acompanhar a rotina das crianças que começaria na segunda feira, dia 7 de janeiro. Dom estava ao lado da porta quando a entrevista terminou, comemoramos - sem muito escândalo - e eu lembre de agradecer à ele pela indicação e pelo empenho em não me deixar perder e muito menos desistir.
Minha alegria não durou muito: assim que cheguei em casa, recebi uma mensagem de James dizendo que estaria em casa à noite para conversarmos, e por mais que eu não quisesse, sabia que aquilo era realmente necessário e que eu não poderia procrastinar nem mais um dia.
- Olá - ele diz abrindo a porta.
- Oi - respondo seca, estou na cozinha.
- Tudo bem com você? - ele pergunta como se não soubesse da resposta.
- Ah, sim - respondo - eu estou bem sim, obrigada.
- Certo - ele está sério, não está tentando nem mesmo amenizar aquela situação - está ocupada?
- Não - seco as mãos, havia terminado de lavar a louça.
- Que bom - ele sorri - precisamos conversar.
Caminhamos para a sala, onde nos sentamos em silêncio. Eu sabia que ele começaria falando, então apenas esperei pacientemente:
- As coisas saíram do controle - ele suspira - acho que minha secretária me interpretou mal...
- Sim - eu respondo.
- E as coisas não deveriam ter chegado àquele ponto, veja, não tivemos nada - ele diz.
- Claro, tudo bem - eu respondo.
- E mesmo que algo estivesse acontecendo - ele suspira - você não pode me dizer nada, me cobrar nada, eu sei sobre todas as coisas que você tem feito...
- Coisas que eu tenho feito? - eu o encaro confusa.
- Sim - ele responde - os amigos em casa, os bares, sei até mesmo que tem um novo emprego.
- Como sabe disso? - pergunto.
- Seus documentos estão vinculados aos meus, recebi notificações quando seu contrato foi lançado no sistema.
- Isso é doentio - digo irritada.
- Não estou bravo - ele diz - estou feliz, estou orgulhoso de você.
- Obrigada - respondo desgostosa.
- Mas - ele completa - de toda a forma, precisei vir até aqui pessoalmente - ele diz - para que possamos esclarecer todas as coisas - ele suspira.
- Certo, o que quer esclarecer? - pergunto.
- Divórcio está fora de cogitação... Fica péssimo para mim e r**m para você - ele diz - então, contente-se em saber que está e estará casada comigo, até que eu possa dizer que podemos nos separar.
- Está maluco? - eu grito.
- Não terminei - ele suspira - o que eu faço da minha vida, não lhe diz respeito, mas você, vai respeitar seu marido e eu quero que me comunique sobre suas visitas e saídas, fica feito para mim, ter uma esposa que não me respeita - ele sorri debochado - e por último, e não mesmo importante: foi você quem quis assim.
- Eu? - grito - Eu quem quis ser traída, desrespeitada?
- Sim - ele responde - eu devia ter dado ouvido à minha mãe, ela sabia que você não era boa o suficiente - ele suspira, mas a bobagem esta feita, e eu preciso assumir as consequências - ele me encara sério - se for uma boa menina, aquilo nunca mais se repete, se não for, eu não posso garantir.
- James? - eu o encaro incrédula - você está me ameaçando?
- Não - ele sorri - eu apenas estou avisando - ele alonga o pescoço - suba e tome um banho, vou comer você antes de voltar para a cidade.
- Como é que é? - eu pergunto.
- Exatamente como ouviu - ele responde sério - levante-se e vá para o banho, espero você no quarto.
- Sai da minha casa - eu grito.
- Não - ele levanta e pára em minha frente, furioso - você vai fazer o que eu mando, e vai fazer agora.
- James, eu não...
Novamente o t**a pegou-me de surpresa. Ele estava possuído:
- Tenho um compromisso - ele diz ainda mais bravo - espero que tenha sido a última vez que me desobedeceu, Mel - ele me encara, no fundo dos olhos dele, havia algo que parecia piedade - é para o seu bem, você vai precisar disso. Estarei em casa na manhã de domingo, com as crianças. Comporte-se.
Ele saiu pela porta, batendo-a. E eu fiquei sentada no sofá encarando o vazio: meu rosto ardia, meu estômago revirava e eu simplesmente não fazia a menor ideia do que fazer. Pensei em chamar a polícia, mas ele era influente, provavelmente já tinha alguns conhecidos e no fim das contas, ninguém acreditaria na pobre louca e ciumenta, que não valoriza o bom marido que tem. Eu conhecia aquela história, conhecia muito, muito bem.